São Paulo, Domingo, 14 de Março de 1999
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CIBERNÉTICA
Estudo do cérebro traz cyborgs à realidade

MARCELO FERRONI
da Reportagem Local

Homens biônicos não são mais parte apenas da ficção científica. Os avanços da bioengenharia, com pernas e braços mecânicos, e da neurologia, desvendando o comportamento do cérebro, podem fazer, em questão de décadas, com que cegos voltem a enxergar ou pessoas paralisadas voltem a caminhar e a se comunicar.
Na bioengenharia, membros com movimentos automáticos, apesar de seu alto custo, já são uma realidade (leia texto abaixo), permitindo que o homem supere limitações impostas ao corpo.
Na neurologia, pesquisas desenvolvem soluções que tomam por base a utilização dos impulsos cerebrais para que um paciente possa, com o pensamento, executar uma tarefa antes impossível, como permitir a um cego enxergar.
Por meio de eletrodos implantados no cérebro, ou colocados sobre a cabeça do paciente, como um capacete, os sinais cerebrais são utilizados para, por exemplo, movimentar uma cadeira de rodas.
Os eletrodos, pequenos condutores metálicos de corrente elétrica, captam os impulsos transmitidos por neurônios ou células nervosas.
Os impulsos ocorrem de forma caótica no cérebro. A intensidade e o local das transmissões variam segundo o indivíduo. Por isso, as pesquisas procuram fazer com que o paciente, imobilizado, "eduque" a transmissão dos impulsos nervosos. Esse controle torna os impulsos inteligíveis para o eletrodo, que os traduz em informação.
As pesquisas ainda são recentes. Apesar de a primeira leitura de impulsos cerebrais ter sido realizada na década de 20, a sua utilização para movimentar aparelhos se iniciou na década passada.
Uma das pesquisas mais recentes usa neurônios relacionados ao movimento da mão esquerda de pacientes para mover o cursor de um computador e fazer com que eles se comuniquem.
O estudo, realizado por Roy E. Bakay e Philip R. Kennedy, da Universidade Emory, em Atlanta, nos EUA, implantou o eletrodo em dois pacientes paralisados e incapazes de se comunicar.
No estudo, o paciente imagina que está movimentando a mão esquerda. Isso ativa um grupo de neurônios no córtex motor do cérebro. Um eletrodo implantado no local registra os dados e os envia a um computador (veja quadro à direita). Os sinais fazem com que um cursor, na tela do micro, se movimente para cima ou para baixo.
O paciente, vendo o cursor se movimentar na tela, é capaz de treinar e conseguir que seus neurônios transmitam frequências que controlem o cursor.
O treino do paciente faz com que os neurônios atuem de forma sincronizada, o que é mais fácil de ser detectado pelo eletrodo, segundo Koichi Sameshima, neurologista da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
Com abordagens um pouco diferentes, o uso de impulsos nervosos é pesquisado por outras faculdades. Edward Taub, da Universidade de Alabama (EUA), e Niels Birbaumer, da Universidade de Tübingen (Alemanha), registraram o campo elétrico cerebral a partir de eletrodos em um capacete.
Na Universidade Estadual da Virgínia (EUA), Jeffrey Bloomquist estuda o vôo de mariposas e tenta registrar seus impulsos nervosos para fazer com que um carro, semelhante aos de controle remoto, entre em movimento.
Em sua pesquisa, a mariposa foi presa na frente do carro. Batia as asas, ele andava. A pesquisa, ainda muito no início, poderia conduzir ao desenvolvimento de uma cadeira de rodas acionada pelo usuário.

AUDIÇÃO E VISÃO
O eletrodo pode servir ainda como receptor de estímulos do ambiente. É o caso de implantes que ajudem os pacientes a enxergar ou a ouvir. O processo, nesses casos, é inverso: o eletrodo capta sinais do exterior e os decodifica para que o cérebro seja capaz de entendê-los.
Na audição, eletrodos são implantados na parte interna do ouvido, mais especificamente na cóclea. Nessa região, os eletrodos detectam sons do ambiente e estimulam eletricamente o cérebro.
O processo já é realizado em pacientes com problemas de audição. No Brasil, implantes desse tipo já foram realizados no Instituto do Coração, em São Paulo.
Na visão, processos que façam com que uma pessoa cega possa enxergar ainda estão em fase de desenvolvimento. Cientistas estudam o implante de eletrodos no olho ou no córtex visual, que é a região do cérebro ligada à visão.
"Um protótipo de eletrodos de retina deve estar pronto nos próximos três anos", disse Gislin Dagnelie, professor-assistente de oftalmologia da Universidade Johns Hopkins, EUA. "No caso de eletrodos corticais, a pesquisa deve levar mais tempo." Os estudos procuram fazer com que eletrodos, no cérebro ou na retina, reproduzam imagens captadas por uma câmera de vídeo. O paciente receberia uma imagem simplificada, similar à de um placar eletrônico.
Para Dagnelie, os eletrodos não devem trazer muita qualidade visual, ao menos na próxima década. "Se uma solução biológica for encontrada (como a regeneração de células ligadas à visão), a restauração visual poderá ter melhor qualidade que a solução mecânica."


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