São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

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1998

Orgulho de ser francês

Conquista do time de Zidane se torna mais um capítulo do longo processo para resgatar a autoestima do país

ESPECIAL PARA A FOLHA

Para a França, o futebol funcionou, desde o início do século 20, como uma via de reafirmação após o recuo de sua condição de potência mundial.
Foram os franceses que tomaram a iniciativa da fundação da Fifa, da criação da Copa do Mundo, da implantação da Copa dos Campeões, da instituição do prêmio Bola de Ouro.
A França marcou o primeiro gol das Copas do Mundo e tem o maior goleador do torneio em uma única edição -Fontaine, que marcou 13 gols em 1958.
Por outro lado, seu melhor desempenho até então havia sido o terceiro lugar em 1958 e 1986. Pior. Em 1990 e 1994, nem sequer se classificou.
Assim, sediar a última Copa do século significava uma chance única para o país mostrar ao mundo e a si mesmo sua capacidade de organizar o torneio. E que tinha condição de vencê-lo.
Enquanto a Copa de 1938 havia ocorrido em um clima de desunião nacional pré-Segunda Guerra Mundial, a de 1998 poderia inaugurar uma nova Revolução Francesa que ajudasse a pôr fim à "fratura social" diagnosticada pelo então presidente Jacques Chirac.
De fato, as Copas do Mundo atuam como depositárias de esperanças e frustrações de comunidades inteiras. No caso francês, o título de 1998 teve o poder de valorizar a recente diversidade étnica da nação.
No caso brasileiro, a crise de Ronaldo e a derrota na partida decisiva serviram para alimentar velhos complexos e novas teses conspiratórias.
No caso croata, o terceiro lugar deste pequeno e novo país -independente da Iugoslávia desde 1991, contra quem precisou lutar até 1996 para garantir a autonomia- serviu para reafirmar o orgulho de sua população por sua identidade étnica.
Mas a geopolítica não se manifestou apenas em episódios isolados. Estava na própria estrutura da Copa do Mundo.
A Fifa aumentou para 32 o número de países no Mundial para favorecer mercados futebolisticamente mais frágeis.
As novas vagas foram direcionadas principalmente para África e Ásia, o continente mais beneficiado devido à sua pujança econômica e à recente popularidade do futebol na região.
Ao longo da década de 1990, o PIB da Coreia do Sul cresceu mais de 6% anuais e, em 1998, a renda per capita do país alcançava US$ 8.600. Naquele mesmo ano, o Japão cresceu 2,4%, e a renda média de cada japonês foi superior a US$ 32 mil.
A África enfrentava situação mais difícil, mas seu potencial também não podia ser desprezado pela entidade do futebol.
O exemplo da África do Sul é ilustrativo. Embora tenha sido o primeiro país não europeu a se filiar à FIFA, em 1910, o futebol era ali praticado apenas pela marginalizada maioria negra.
O fim da política de segregação racial, em 1994, permitiu a afirmação do país e do futebol nacional, que se classificou para o Mundial-1998. Coroando o processo, a África do Sul seria escolhida sede da Copa-2010.
(HILÁRIO FRANCO JÚNIOR)


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