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Da bossa nova ao show para 140 mil no Maracanã em 80
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
O Brasil nacionalizou desde cedo
sua admiração por Frank Sinatra.
Quando se chegou ao ponto de
criação de um fã-clube nacional
do cantor, em 1949, o nome de batismo foi Sinatra-Farney Fan Club.
Esse Farney era Farnésio Dutra,
ou melhor, Dick Farney
(1922-1987), cantor brasileiro que
havia "tentado a sorte" nos EUA
entre 1947 e 1948, mas que já voltara à terra para encantar fãs carentes de um cantor-galã brasileiro do
porte de Sinatra -ainda que fosse
mais influenciado por Bing
Crosby.
Não é que o culto a Sinatra se
abrasileirasse, em verdade. O Brasil é que se americanizava, na tez
e/ou na voz de cantores e/ou atores como Lúcio Alves, Farnésio e
seu irmão galã de cinema Cyleno
Dutra (ou melhor, Cyl Farney).
O fã-clube chegou a ter cerca de
50 associados -pagantes- e
congregou artistas (ou aspirantes
a) como Nora Ney, Alfredo José da
Silva (ou melhor, Johnny Alf), Dóris Monteiro, João Donato, Paulo
Moura.
O fã-clube da Tijuca (Rio) seria
ponto de partida de um percurso
que embocaria, no binômio 58-59,
no advento da bossa nova -pois
cantores cool como Dick Farney,
Lúcio Alves e Tito Madi seriam os
agentes de transição de um Brasil
"arcaico" (do arrebatamento de
Francisco Alves e Silvio Caldas) a
outro "moderno" (do ultracool
de Tom Jobim e João Gilberto).
Americanização e abrasileiramento se confrontavam então. Os
cantores de transição haviam trazido os modos de Frank Sinatra e
Bing Crosby, os bossanovistas
agora reimplantavam o samba no
jazz. Pareciam fundados os Estados Unidos do Brasil.
A porca estava destinada a torcer
o rabo. Os sons de Tom e João não
tardaram a ecoar nos estúdios de
cima. Em 65, Tom foi trabalhar
nos EUA, gravando com Nelson
Riddle -o arranjador de Sinatra.
A bomba explodiu em dezembro
de 66: Sinatra telefonou para Tom
no bar Veloso e perguntou (quem
conta é Ruy Castro, em seu livro
"Chega de Saudade"): "Quero
fazer um disco com você e saber se
você gosta da idéia". "É uma
honra, eu adoraria", pôde responder Tom Jobim.
Nasceu daí o econômico (menos
de 29 minutos) álbum "Francis
Albert Sinatra & Antonio Carlos
Jobim" (67), sinal intensivo de
que o veterano intérprete (tinha 50
anos então) buscava na periferia
canções de uma tradição que já escasseava nos próprios Estados
Unidos.
Fechava-se aí um círculo globalizador até hoje único na história
brasileira: o influenciador americanizava (por mais que se esforçasse, como ressaltou, por preservar a sutileza da bossa) canções
brasileiras de influenciados que
haviam americanizado a música
brasileira.
Assim, no exato instante em que
o cerco se apertava no Brasil
pré-AI-5, a bossa alçou vôo do
Brasil aos EUA, alavancada pelo
bíceps do mestre.
Bem, tudo isso se refere ao plano
das idéias. Um dia, em janeiro de
1980, após muitas promessas desmentidas, ele pousou, em carne e
osso, no estádio do Maracanã, no
Rio de Janeiro.
Perigos não faltaram. Quase esgotados os ingressos, o então ministro Delfim Netto baixou pacotão de maxidesvalorização da
moeda (o cruzeiro, lembra?) que
-choraram os produtores à época- levou os lucros da empreitada corredeira abaixo. Mas não, os
preços não foram reajustados,
provavelmente porque não dava
mais tempo.
Um místico gaúcho avisou que o
cantor desafinaria e o show seria
um fracasso, mas, materializado
no Maracanã, Sinatra fez apresentação para um público estimado
em 140 mil pessoas -recorde até
hoje no país e recorde até para os
parâmetros do próprio artista.
Antes da apoteose no Maracanã,
fez quatro shows no hotel Rio Palace -juntas, as cinco apresentações lhe renderam US$ 850 mil.
As exigências do astro, por modestas, fariam corar muito popstar
dos 90 -não pediu mais que cinco carros de cores discretas, seis
toalhas brancas, lenços de papel
Kleenex, amendoins e outros tira-gostos, chicletes e bebidas.
"Era imenso, um estádio de futebol, e havia 175 mil pessoas lá",
exagerou, anos mais tarde, o dono
da voz. Aqui, ninguém viu sombra
de entusiasmo -a estrela se alternava entre se trancar no hotel e
dar shows de mau-humor.
Sucesso mesmo fez seu assessor
de imprensa, que afirmou, após os
tradicionais tumultos de chegada e
uma única tentativa de entrevista
coletiva (abortada em poucos minutos devido a uma pergunta que
mencionava a palavra Máfia):
"Ele não precisaria vir ao Brasil
para ver animais. Bastaria que fosse ao zoológico da Califórnia".
Sendo assim, imagine o que sentiu quando nosso mitológico Beijoqueiro furou o bloqueio do Maracanã e lhe lascou um beijão na
bochecha, em pleno show.
Não se sabe o que sentiu, mas
bem depois se fez de bonzinho:
"Aprendi mais tarde que no Brasil
eles têm esse cara que é chamado
de Bandido Beijador ou algo assim, que beija todo mundo, beijou
até o sapato do Papa".
Seja como for, Sinatra e seu assessor se animaram a, um ano e
meio depois, enfrentar de novo os
animais. Dessa vez, ele veio a São
Paulo entregar três shows para
cerca de 700 pessoas cada no hotel
Maksoud -até a então primeira-dama, Dulce Figueiredo, foi.
Aí tudo já era meio diferente. Sinatra não influenciava mais brasileiros, brasileiros não influenciavam mais Sinatra. Era tudo show
business.
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