São Paulo, sábado, 16 de maio de 1998

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Pela porta do musical, entrou o dançarino, saiu o ator

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Frank Sinatra lega ao cinema uma imagem paradoxal. Desde sua estréia, em 1941, o que se pedia dele era um cantor, e ele nunca foi de negar fogo, nessa área. Depois mostrou que podia se defender também na dança. Mas não foi nesses setores que brilhou mais intensamente.
De "Marujos do Amor" (1945), de George Sidney, talvez seu primeiro trabalho efetivamente marcante, o que mais fica na lembrança é a dança de Gene Kelly com Tom e Jerry.
No melhor musical que fez, "Um Dia em Nova York" (1949), de Gene Kelly e Stanley Donen, o essencial é o aspecto inovador (com filmagens em locações) e os balés brilhantes, em que o destaque fica, outra vez, para Gene Kelly.
Mesmo em "Eles e Elas" (1955), musical atípico de Joseph Mankiewicz, em que Sinatra faz um simpático banqueiro de jogo, quem rouba a cena é Marlon Brando.
Em compensação, seria previsível que Sinatra submergisse ao lado de Burt Lancaster, Montgmomery Clift e Deborah Kerr, em "A um Passo da Eternidade" (1953), de Fred Zinnemann.
Não aconteceu. Seu personagem, o explosivo e extrovertido Angelo Maggio, sucumbe sob as brutalidades de um sargento (Ernest Borgnine). Sinatra, porém, sobreviveu ao elenco e ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante daquele ano.
É possível, como dizem a lenda e "O Poderoso Chefão" -livro de Mario Puzo e o filme de Coppola- ,que Sinatra só tenha ganho o papel depois que, certo dia, o cavalo de Harry Cohn, chefão da Paramount, amanheceu com o pescoço cortado. É improvável, no entanto, que a Máfia tenha arrancado o prêmio a poder de chantagem.
"A um Passo da Eternidade" relançou uma carreira que fazia água no cinema (desde 1949 só fazia filmes secundários) e nos discos (as vendagens despencavam). Isso para não falar no fato de suas relações com a Máfia terem sido objeto de investigação do FBI ou da separação de Ava Gardner.
Se não chegou a fazer outro musical tão importante quanto "Um Dia em Nova York", esteve longe de passar vergonha com "Alta Sociedade" (1956), de Charles Walters, "Meus Dois Carinhos" (1957), de George Sidney, e "Can-Can" (1960), de Walter Lang, para não falar de "Eles e Elas".
Também não decepcionou como o Tony Manetta da comédia "Os Viúvos Também Sonham" (1959), de Frank Capra, embora o filme seja até hoje subestimado.
O fato, porém, é que, nos papéis fortemente dramáticos, Frank Sinatra deu o melhor de si.
Como esquecer o Frank Machine de "O Homem do Braço de Ouro"? Machine era um crupiê de Chicago viciado em morfina. O inferno da desintoxicação e, pior, da recaída do personagem foi vivido pelo ator com uma intensidade e uma coragem tais que ninguém nem mesmo lembra que, um dia, ele foi um cantor.
E como não lembrar a maneira eficaz como se integrou ao barroco de Vincente Minnelli, ao fazer "Deus Sabe Quanto Amei" (58)? Era outro personagem corajoso: Dave Hirsh, o soldado que volta à sua cidade com uma prostituta a tiracolo. Sinatra soube interpretá-lo até o fim, isto é, até a morte.
O início dos anos 60 marca os últimos momentos de ligação entre Sinatra e o grande cinema. Talvez "Sob o Domínio do Mal" (1962) seja seu último trabalho digno de ser lembrado.
Depois vieram uma comédia infeliz com Robert Aldrich ("Os Quatro Heróis do Texas", de 1963), uma tentativa como diretor ("Os Bravos Morrem Lutando", de 1965) e a associação inconsequente numa série de comédias sem inspiração, sem peso e sem pretensão de Gordon Douglas.
Quando tentou voltar ao grande cinema, na pele do advogado de "O Veredito" (1982), acabou barrado pelo diretor Sidney Lumet. Paul Newman ficou com o papel.
Mais do que favorável, o balanço é surpreendente. Frank Sinatra entrou no cinema pela porta do musical e, subsidiariamente, da comédia. Afirmou sua personalidade como homem mulherengo e determinado.
O que fica de mais significativo, porém, é algo em que talvez ninguém pensasse em 1941: um ator dramático corajoso e dedicado, capaz de se entregar de alma e corpo aos melhores papéis que teve e de enfrentar desafios em que precisou contar com muito mais virtudes do que uma bela voz e um par de sedutores olhos azuis.



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