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Pela porta do musical, entrou
o dançarino, saiu o ator
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Frank Sinatra lega ao cinema
uma imagem paradoxal. Desde
sua estréia, em 1941, o que se pedia
dele era um cantor, e ele nunca foi
de negar fogo, nessa área. Depois
mostrou que podia se defender
também na dança. Mas não foi
nesses setores que brilhou mais
intensamente.
De "Marujos do Amor" (1945),
de George Sidney, talvez seu primeiro trabalho efetivamente marcante, o que mais fica na lembrança é a dança de Gene Kelly com
Tom e Jerry.
No melhor musical que fez,
"Um Dia em Nova York" (1949),
de Gene Kelly e Stanley Donen, o
essencial é o aspecto inovador
(com filmagens em locações) e os
balés brilhantes, em que o destaque fica, outra vez, para Gene
Kelly.
Mesmo em "Eles e Elas" (1955),
musical atípico de Joseph Mankiewicz, em que Sinatra faz um simpático banqueiro de jogo, quem
rouba a cena é Marlon Brando.
Em compensação, seria previsível que Sinatra submergisse ao lado de Burt Lancaster, Montgmomery Clift e Deborah Kerr, em "A
um Passo da Eternidade" (1953),
de Fred Zinnemann.
Não aconteceu. Seu personagem, o explosivo e extrovertido
Angelo Maggio, sucumbe sob as
brutalidades de um sargento (Ernest Borgnine). Sinatra, porém,
sobreviveu ao elenco e ganhou o
Oscar de melhor ator coadjuvante
daquele ano.
É possível, como dizem a lenda e
"O Poderoso Chefão" -livro de
Mario Puzo e o filme de Coppola- ,que Sinatra só tenha ganho o
papel depois que, certo dia, o cavalo de Harry Cohn, chefão da Paramount, amanheceu com o pescoço cortado. É improvável, no
entanto, que a Máfia tenha arrancado o prêmio a poder de chantagem.
"A um Passo da Eternidade"
relançou uma carreira que fazia
água no cinema (desde 1949 só fazia filmes secundários) e nos discos (as vendagens despencavam).
Isso para não falar no fato de suas
relações com a Máfia terem sido
objeto de investigação do FBI ou
da separação de Ava Gardner.
Se não chegou a fazer outro musical tão importante quanto "Um
Dia em Nova York", esteve longe
de passar vergonha com "Alta Sociedade" (1956), de Charles Walters, "Meus Dois Carinhos"
(1957), de George Sidney, e
"Can-Can" (1960), de Walter
Lang, para não falar de "Eles e
Elas".
Também não decepcionou como o Tony Manetta da comédia
"Os Viúvos Também Sonham"
(1959), de Frank Capra, embora o
filme seja até hoje subestimado.
O fato, porém, é que, nos papéis
fortemente dramáticos, Frank Sinatra deu o melhor de si.
Como esquecer o Frank Machine de "O Homem do Braço de
Ouro"? Machine era um crupiê de
Chicago viciado em morfina. O inferno da desintoxicação e, pior, da
recaída do personagem foi vivido
pelo ator com uma intensidade e
uma coragem tais que ninguém
nem mesmo lembra que, um dia,
ele foi um cantor.
E como não lembrar a maneira
eficaz como se integrou ao barroco de Vincente Minnelli, ao fazer
"Deus Sabe Quanto Amei" (58)?
Era outro personagem corajoso:
Dave Hirsh, o soldado que volta à
sua cidade com uma prostituta a
tiracolo. Sinatra soube interpretá-lo até o fim, isto é, até a morte.
O início dos anos 60 marca os
últimos momentos de ligação entre Sinatra e o grande cinema. Talvez "Sob o Domínio do Mal"
(1962) seja seu último trabalho
digno de ser lembrado.
Depois vieram uma comédia infeliz com Robert Aldrich ("Os
Quatro Heróis do Texas", de
1963), uma tentativa como diretor
("Os Bravos Morrem Lutando",
de 1965) e a associação inconsequente numa série de comédias
sem inspiração, sem peso e sem
pretensão de Gordon Douglas.
Quando tentou voltar ao grande
cinema, na pele do advogado de
"O Veredito" (1982), acabou
barrado pelo diretor Sidney Lumet. Paul Newman ficou com o
papel.
Mais do que favorável, o balanço
é surpreendente. Frank Sinatra
entrou no cinema pela porta do
musical e, subsidiariamente, da
comédia. Afirmou sua personalidade como homem mulherengo e
determinado.
O que fica de mais significativo,
porém, é algo em que talvez ninguém pensasse em 1941: um ator
dramático corajoso e dedicado,
capaz de se entregar de alma e corpo aos melhores papéis que teve e
de enfrentar desafios em que precisou contar com muito mais virtudes do que uma bela voz e um
par de sedutores olhos azuis.
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