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MERCADO CLANDESTINO
Em Ciudad del Este, bala é vendida por R$ 0,90; vendedor propõe entrega do armamento em Foz do Iguaçu
Arma comprada no Paraguai cruza fronteira sem fiscalização
Novas, usadas
ou roubadas.
Para comprar
armas e munição em Ciudad
del Este, Paraguai, basta a
um brasileiro
cruzar a fronteira em Foz do
Iguaçu (PR). Para trazê-las consigo para o Brasil, também. A prática, apesar de freqüente, é ilegal.
A Folha visitou três lojas na cidade paraguaia há dez dias. As armas de fogo eram vendidas sem
restrições, com preços sempre em
dólar. Um revólver calibre 38 custava em torno de R$ 620, após a
conversão. Um garoto com cerca
de 18 anos, que se ofereceu para
conduzir a reportagem na busca
por armas e munições, chegou a
sugerir a aquisição de um revólver
roubado. Por pouco mais de R$
220, ele já seria entregue do lado
brasileiro da fronteira.
O cenário reflete a precariedade
do controle do governo federal
sobre os mais de 15 mil quilômetros de fronteiras que o Brasil possui. Quanto às munições, o descontrole é ainda maior. Nas palavras do deputado federal Moroni
Torgan (PFL-CE), presidente da
CPI sobre o tráfico de armas,
"munição na fronteira vende que
nem bombom".
A fragilidade fica patente logo
que se chega à ponte da Amizade
-que liga o Brasil ao Paraguai.
Ônibus, automóveis, motos e pedestres atravessam de lado a lado
praticamente sem serem fiscalizados. Das cerca de 20 mil pessoas
que passam diariamente pela
ponte em direção ao Brasil, menos de 10% são fiscalizadas, segundo a Receita Federal.
Chegando a Ciudad del Este,
basta perguntar para alguma das
milhares de pessoas -que oferecem todo o tipo de produtos-
onde pode ser comprada uma arma. Em menos de cinco minutos
no Paraguai, a pé, a reportagem
estava na primeira loja do gênero.
Na vitrine
Nas vitrines e balcões de uma loja em um shopping, revólveres,
pistolas e espingardas de diversos
calibres ficam amontoados em
exposição. No meio delas, armas
de fabricação brasileira, pelo menos uma visivelmente usada.
A legislação paraguaia proíbe a
venda de armas para estrangeiros
desde 2002. Sem fiscalização, porém, o comércio de armamentos
legais e clandestinos em Ciudad
del Este é praticamente livre.
Após observar produtos e seus
preços -R$ 550 por uma Taurus,
brasileira, indicava a etiqueta-, a
reportagem indagou ao vendedor
como poderia ser feita a travessia
da arma para o Brasil. Mostrando
pouca confiança, disse não ser
problema dele. E dirigiu-se, com
mais atenção, a outro brasileiro
que manuseava no balcão um revólver Magnun cujo modelo tem
uso restrito no país -limitado a
quem tem autorização, geralmente militares e forças policiais.
Já na saída da loja, um garoto
aparentando 18 anos se aproximou e se ofereceu para ser guia
até outras lojas. Na terceira casa
visitada, sempre com o garoto, os
vendedores foram mais solícitos.
Ofereceram, por R$ 45, a travessia
de um revólver calibre 38 que custava R$ 620. Se houvesse apreensão da arma no trajeto, o dinheiro
seria devolvido, garantiram.
Munições dos mais diversos calibres também estavam à venda,
ao lado de equipamentos para
pesca. Por parte dos vendedores,
não havia distinção entre vender
vara de pescar ou um revólver.
Em promoção, uma caixa com
50 balas calibre 38 foi oferecida
por apenas R$ 45 -ou 90 centavos a unidade. Como bombons.
Na saída dessa loja, ao ver que a
compra não havia sido feita, o garoto tentou a última cartada.
"Quer uma [arma] roubada? É
mais barato. Por US$ 100 [R$ 225]
entregam do outro lado [Foz do
Iguaçu]". Diante da negativa, pediu um pastel e um refrigerante e
foi embora, atrás de mais clientes.
Segundo a Polícia Federal, a travessia de armas não se dá só pela
ponte. O rio Paraná e o lago de
Itaipu também são usados pelos
"atravessadores" -como são conhecidos os contrabandistas.
Um "passador", como são chamados os traficantes, disse à Folha que cobrava R$ 50 para fazer a
travessia. Embora não haja dados
precisos sobre a entrada clandestina de armas de fogo no país, estima-se que o abastecimento esteja
na casa dos milhões. O Paraguai é
considerado pela PF o maior fornecedor de armas clandestinas
para o Brasil, tanto no reingresso
das nacionais como na importação das estrangeiras.
A fiscalização da Receita Federal
é centrada nas pessoas que carregam grande quantidade de mercadoria. Assim, cruzar a ponte
com o pequeno volume de um revólver é quase garantia de não ser
importunado. A reportagem atravessou a fronteira a pé, carregando mochilas, e de carro. Em nenhum instante foi revistada.
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