São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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O novo papel dos clubes

LUÍS FERRARI
DA REPORTAGEM LOCAL

A dinâmica da engrenagem esportiva nacional mudou com a Lei Piva, cuja aprovação, em 2001, "representou o maior volume de recursos já destinados ao desenvolvimento do esporte olímpico no Brasil", segundo o Comitê Olímpico Brasileiro.
As confederações olímpicas passaram a receber mensalmente um inédito repasse de verbas públicas. Começaram a investir em centros de excelência, destinados a seleções.
O próprio conceito de seleção, que pressupunha a reunião temporária dos melhores atletas, mudou. Na nova ordem do esporte brasileiro, a modernidade é a seleção permanente. "É a forma de o Brasil acelerar o desenvolvimento e se aproximar dos destaques internacionais. O vôlei é o melhor exemplo", resume Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB.
Tradicionalmente os principais provedores de atletas do país, os clube agora buscam caminhos para sobreviver.
"Muitas competições de categorias de base, antes valorizadas, perderam importância. A visão atual só olha a estrela, e não mais a base", conta o jornalista e pesquisador do esporte Henrique Nicolini, 81.
"Apesar do investimento maior, não passamos do extrativismo para a agricultura na administração do esporte. O grande atleta brasileiro não é plantado e colhido, ele ainda nasce como flor silvestre", diz ele, queixando-se de muitos clubes hoje priorizarem o lado recreativo ao esportivo em busca de sobrevida. Nuzman discorda. Para ele, "não há decadência dos clubes".
"Lamento a distância entre COB, confederações e clubes. Temos um bom relacionamento pessoal, mas institucionalmente não há relação", afirma Kouros Monadjemi, presidente do Minas Tênis Clube, que espera ter mais de dez atletas nas diversas modalidades da delegação brasileira do Pan.
Ele exemplifica com a dificuldade em assistir a seus esportistas. "O clube entrega os atletas para disputar o Pan. O COB ou as confederações ofereceram algum ingresso para os clubes que têm atletas lá? Não foram oferecidos bilhetes nem para a venda aos clubes", reclama o dirigente, que teme ter que recorrer aos cambistas durante o Pan do Rio.
Ele não vê exatamente como "concorrência" o advento das seleções permanentes, mas se queixa. "O clube paga os atletas, e eles ficam até cinco meses por conta das federações.
Como Monadjemi, Antônio Moreno Neto, presidente do Esporte Clube Pinheiros, associação paulistana com 42 atletas já garantidos no Pan e que deve ter mais representantes que países como a Bolívia, acha que "seria importante" uma compensação financeira.
"Os clubes deviam lutar por dinheiro das confederações", pondera. Para o COB, a solução é outra: especialização. "Há um conceito histórico que precisa ser percebido e mudado no Brasil. É impossível um clube trabalhar de forma satisfatória mais de três ou quatro modalidades olímpicas", diz Nuzman.
Conforme o esporte, a ajuda financeira acontece. A confederação de atletismo, por exemplo, dá bolsas (R 400 a R 3.000) para técnicos que, na prática, trabalham para clubes.
"Dessa forma o atletismo conseguiu integrar todos, atleta, clube, técnicos e confederação", conta Roberto Gesta de Mello, presidente da entidade.
"Tentamos vincular a figura do atleta ao clube mais intensamente, mas são ações difíceis", diz o presidente do Pinheiros. O clube, por exemplo, estimula a presença de seus atletas de alto nível em torneios internos, para aproximar ídolos e sócios.
Outra questão é o custeio. Pinheiros e Minas dependem de apoio externo para serem as maiores forças esportivas no país hoje. A associação de São Paulo combina verba dos sócios com a de patrocinadores. A de Belo Horizonte apela para investidores privados. Nos dois casos, porém, atletas formados nas escolinhas dos clubes estão entre esses profissionais.
São de fato exceções. Até em modalidades menos difundidas o binômio centro de treinamento-seleção permanente é incentivado, como conta Celso Wolf Jr., presidente da confederação de badminton _sem esconder que isso pode afetar o desenvolvimento nos clubes.
"Há o problema. Tanto que pedi aos atletas da equipe nacional que treinem uma vez por semana em seus clubes, para estimular novos jogadores."
Segundo Wolf, na nova ordem do esporte, há um modelo a ser seguido. "Espero chegar à realidade da ginástica, com todos atletas morando em Campinas, onde fica nosso CT."
Não é fácil. Daniele Hypólito, inicialmente, mostrou-se contrariada em trocar a rotina no Flamengo pela internação com a seleção de ginástica, em Curitiba, em 2002. Hoje, desconversa quando solicitada a comparar os dois modelos.
"Nossa geração deu um passo enorme, a ginástica virou esporte profissional a partir de 2001. Mas a formação vem dos clubes. Sem eles, não haveria seleção. Os clubes ainda não se adaptaram ao sistema da melhor forma. Mas é assunto de dirigentes, não para atletas..."
Daniele, contudo, comenta a situação de Diego, seu irmão, campeão mundial no solo em 2005. Neste ano, ele retornou ao Flamengo com a extinção da seleção masculina permanente. "Para o Diego, foi muito melhor ter voltado ao Flamengo, onde treina com o técnico que o conhece desde o início."
Luisa Parente, ginasta que foi às Olimpíadas de 1988 e 1992, diz que, nos moldes atuais, a modalidade ganhou. Mas acha possível harmonizar equipes permanentes e clubes.
"Os técnicos dos clubes, sobretudo dos menores, poderiam estagiar na seleção. Levariam para a base o know-how do ucraniano que dirige o time feminino, por exemplo".


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