São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Seguidores de ídolos

Pegar carona no aparecimento de novos fenômenos é a chance que muitas modalidades encontram de mudar seu status, atrair mais praticantes, formar atletas e lucrar; isso, claro, se conseguir pegá-la

Ricardo Nogueira/Folha Imagem
Crianças fazem aula de natação em academia de Gustavo Borges


MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O atleta sobe no lugar mais alto do pódio, o garoto assiste pela TV. Empolgado, diz aos pais que quer ser igual a ele. Encontra um local para praticar o esporte, começa a treinar com afinco, vira atleta. Sobe ao posto mais alto do pódio.
Em um país que carece de política esportiva, é só assim, na carona de um ídolo inesperado, que muitas modalidades encontram a forma de atrair novos praticantes. E de tentar transformar sua realidade.
"Como não tem organização, o Brasil ainda vive de ícones. E sua força, muitas vezes, é desperdiçada", diz Laurita Schiavon, doutoranda de Educação Física da Unicamp.
Mesmo com novos talentos entre os melhores do mundo, ainda são Gustavo Borges e Fernando Scherer os ídolos usados para movimentar as engrenagens da natação. "São meus consultores, dão palestras, fazem apresentações. Têm mais prestígio do que quem está em atividade", diz Coaracy Nunes, presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos.
Do início de sua gestão, em 1988, até agora, o número de nadadores federados no país saltou de 8.000 para 85.000. Em 1991, Gustavo Borges atingiu seus primeiros feitos.
"Eles foram fundamentais. Com ídolos desse calibre, os patrocinadores investem com mais consistência. Não posso perdê-los", diz Coaracy. A confederação é patrocinada pelos Correios também desde 1991.
"Mas é preciso também ter ídolos locais. Quando um atleta se sobressai, logo mando carta para o prefeito. Assim, ele vai valorizar o garoto", completa.
Borges soma 19 medalhas em Pans e duas em Olimpíadas. Scherer também foi duas vezes ao pódio olímpico. Conquistas que modificaram seus status.
"Atletas que atingem feitos olímpicos ficam no imaginário do povo, são heróis. Encarnam para o público a possibilidade da imortalidade", diz Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP e autora do livro "Heróis Olímpicos Brasileiros".
Nos últimos anos, ninguém encarnou tanto esse símbolo como Daiane dos Santos.
Negra, de origem humilde, alcançou o inédito ouro no Mundial de 2003 e alavancou o crescimento da modalidade.
"Ela aproximou o sonho da ginástica das pessoas comuns. Seus saltos eram complexos, mas ela mostrava que era possível. Muitas crianças podem não saber o que é ginástica, mas sabem quem é a Daiane", diz a ex-atleta Luisa Parente.
Dona de escolas de ginástica, Luísa viu sua rede crescer junto com Daiane de 7 para 10 unidades. Catapultada pelo inédito ouro de Diego Hypólito no Mundial de 2005, a freqüência masculina quadruplicou.
"A mídia deu tanta importância à Daiane que não precisamos fazer nada [para aproveitar seus feitos]", diz Eliane Martins, diretora da Confederação Brasileira de Ginástica.
O vôlei é exemplo de esporte que, da massificação empurrada por ídolos, atingiu feitos em todas as categorias _soma Mundiais do infanto ao adulto.
A primeira da famosa peneira do Banespa logo após o ouro nos Jogos de Barcelona-1992, por exemplo, atraiu mil garotos, o recorde do tradicional clube de São Paulo. A onda arrefeceu, mas oscila conforme o desempenho da seleção.
A era Bernardinho, que produziu um ouro olímpico e dois títulos mundiais a partir de 2001, fez a média crescer de 288 para até 600 jogadores.
"O ídolo chama mais gente para o esporte, que forma cidadãos melhores e, da quantidade, sai a qualidade. Quando o Nalbert jogava conosco, dava aula em escolas. As pessoas se espelham no ídolo", diz Montanaro, da geração de prata e dirigente do Banespa.
Nem todos, porém, aproveitam os bons ventos. O tênis, dez anos após o primeiro título de Gustavo Kuerten em Roland Garros, não vê legado deixado por seu nome nem tenista que ocupe seu posto.
"Um ídolo tem que ser aproveitado com uma boa administração por trás dele. Ele vai reverberar seus feitos se tiver consciência do papel social que representa", diz Katia Rubio.
Segundo a professora, a sociedade atual deturpa e até inibe o surgimento de heróis.
"A mídia pode servir de catapulta. Mas, muitas vezes, cria falsos ‘heróis’. Em eventos com interesses comerciais, como, o Pan, as pessoas vão obtendo resultados e sendo alçadas à condição de ídolos. Mas, após breve tempo, ninguém lembra mais delas. A sociedade atual vive de feitos efêmeros", diz.


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