São Paulo, Quinta-feira, 18 de Março de 1999
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Volume de novas produções sinaliza falsa prosperidade

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

A Folha fez um levantamento dos filmes brasileiros que vêm por aí e chegou a números surpreendentes: pelo menos 34 longas-metragens nacionais estão em produção, e 19 estão prontos para ser lançados. Outros 40 encontram-se em fase de captação de recursos ou pré-produção.
Mas cineastas e produtores alertam que esses números podem dar uma falsa imagem de prosperidade distante da real situação da indústria cinematográfica no país.
Ao que tudo indica, muitos dos filmes em produção enfrentarão graves dificuldades para ser concluídos. Supondo que todos fiquem prontos, dificilmente haverá espaço para todos no mercado exibidor, ocupado quase totalmente pela produção estrangeira.
O diretor Guilherme de Almeida Prado (de "A Hora Mágica") resume a situação numa frase: "O cinema brasileiro sempre flutuou de acordo com a moeda e a auto-estima do brasileiro, e estou prevendo uma tremenda queda dos três".
A recente desvalorização do real agravou situação que já era ruim. A captação de recursos para o cinema via Lei do Audiovisual caiu de quase R$ 80 milhões, em 97, para menos de R$ 40 milhões em 98.
Os motivos: a recessão econômica, a privatização das estatais (tradicionalmente, as empresas que mais investem no cinema) e a pequena visibilidade alcançada pelos filmes (com poucas exceções, como "Central do Brasil" e "O Quatrilho"), o que provoca desinteresse de patrocinadores em potencial.
O mais importante cineasta do país, Nelson Pereira dos Santos, encontra dificuldades para captar recursos para "Guerra e Liberdade: Castro Alves em São Paulo".
"Refiz o plano do filme, baixando o orçamento de R$ 7 milhões para R$ 5 milhões, mas mesmo assim não consegui quase nada", disse o diretor à Folha. "Tenho participações garantidas da TV francesa e de uma produtora portuguesa, mas estão condicionadas a um aporte substancial no Brasil."
Outra vítima da carestia reinante é o cineasta Sérgio Bianchi, que não tem recursos para finalizar e lançar "Cronicamente Inviável". "As estatais não dão mais dinheiro para filmes. Preferem investir em restauração de edifícios tombados, em construção de espaços culturais etc." Um exemplo disso é o Banespa, que investiu R$ 14,5 milhões em cinema em 97 e apenas R$ 5,8 milhões em 98.
A produtora Mariza Leão (de "Guerra de Canudos") diz que a crise afetou seus dois próximos projetos, "Amores Possíveis", de Sandra Werneck, e "Quase Memória", de Ruy Guerra. Ela refez o orçamento dos dois e teve de adiar de abril para junho o início das filmagens do primeiro. Segundo Mariza, a desvalorização do real ameaça produções porque a principal matéria-prima -a película cinematográfica- é cotada em dólar, assim como os equipamentos.
Sylvio Back, que finaliza o longa "Cruz e Souza - O Poeta do Desterro", está com dois projetos empacados: o documentário "Véu de Curityba" (do qual já tem 50 minutos montados) e o drama "Lost Zweig", sobre os últimos dias do escritor austríaco Stefan Zweig, que se matou em Petrópolis (RJ) em 1942. Para Back, um dos problemas mais graves das atuais leis de incentivo é que elas favorecem a dispersão de recursos de cada empresa num sem-número de projetos (para multiplicar a visibilidade de sua marca), o que leva à dificuldade de cada produção completar seu orçamento.
Outro efeito negativo dos mecanismos de captação -que entregam à iniciativa privada a decisão sobre onde investir- é, segundo cineastas e produtores, uma censura velada a determinados temas.
A produtora Sara Silveira dá como exemplo a dificuldade de captar recursos para "Madame Satã", de Karin Ainouz, "história de um marginal drogado e homossexual". Sylvio Back diz ter encontrado empresas que não quiseram dar dinheiro para "Lost Zweig" por não querer associar sua marca a "um personagem judeu e, ainda por cima, suicida".
Também Sergio Bianchi credita ao caráter polêmico de seu filme ("que vai contra o otimismo oficial") os problemas enfrentados.
Talvez como resultado da necessidade de agradar aos investidores, entre os novos filmes predominam as adaptações de obras literárias clássicas ou as biografias de personagens respeitáveis da história.
Mas a grande questão que inquieta hoje o meio cinematográfico nacional é o gargalo da distribuição e da exibição.
"Nossos filmes ficam confinados aos Espaços Unibanco", diz Sara Silveira. "Os três últimos longas que lancei -"Ação entre Amigos", "Alô" e "A Hora Mágica'- não tiveram, juntos, mais do que 80 mil espectadores."
Para Nelson Pereira dos Santos, um modo de atacar o problema seria o Estado adotar políticas indiretas de estímulo à exibição, incentivando a criação de salas e o barateamento do ingresso.
Almeida Prado defende "uma regulamentação que dê início à formação de um mercado" e "acorde o público em potencial que temos", já que não é cumprida a lei de obrigatoriedade, que exige que cada cinema exiba filmes nacionais durante 49 dias do ano.


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