São Paulo, Quinta-feira, 18 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um dos piores do mundo

da Redação

Os norte-americanos fazem um cinema tão bom que podem se dar ao luxo de ressuscitar e cultuar seu pior cineasta, o pior cineasta do mundo, Ed Wood.
Os brasileiros fazemos um cinema tão ruim que não temos vergonha de repetir, a cada soluço, que "Glauber é gênio, Glauber é rei" (leia quase todas as listas nas duas páginas seguintes e confirme).
Ou seja, a proporção da maior indústria cinematográfica do mundo é de um ed para 99 gláuberes; a nossa, a mais pretensiosa do planeta, é o inverso. Algo como a (real) relação dólar/real.
O problema é que, ao criar cada filme, a maior parte dos cineastas brasileiros, formada em anos e anos de paternalismo estatal, descompromisso com o espectador e costas voltadas para o mercado, aplica seu toque do rei Sadim (Midas ao contrário). (Quase) tudo o que tocam vira lata.
Não é preciso perder o tempo do leitor enumerando os motivos que me levam a pensar assim. Vale citar apenas dois casos sintomáticos.
(Antes, porém, um parêntese: o músico e escritor Caetano Veloso, que já ganhou a vida escrevendo resenhas de filmes, dirigiu um -"Cinema Falado"- e é cinéfilo juramentado, foi convidado a se juntar aos outros 24 nomes das duas páginas seguintes e escolher os dez maiores filmes brasileiros de todos os tempos e os três melhores nacionais da década. Até a conclusão deste caderno, seus assessores não tinham conseguido arrancar a lista dele ou mesmo responder se o músico tinha aceito a missão ou não. Morreremos sem saber se Caetano Veloso realmente colocaria "Tieta do Agreste", de Cacá Diegues, entre os grandes filmes já feitos, como declarou em entrevista recente?)
Aos dois casos, então:
O primeiro é o filme "O Efeito Ilha", de Luiz Alberto Pereira. Assisti numa sessão especial em 94. Conta a história de um especialista em consertos de TV que recebe descarga de raio enquanto arruma uma torre de transmissão e se torna, ele próprio, uma emissora. Foi premiado em Gramado em 95.
É a pior obra de arte que o intelecto humano conseguiu conceber neste milênio. Veja o filme: sintetiza em alguns minutos tudo o que quero dizer sobre os problemas do cinema brasileiro.
Outro envolve "Os Bons Tempos Voltaram", que o Canal Brasil, de TV paga, reprisou na semana passada. É engraçado, mas o filme de 1984, dirigido por Ivan Cardoso, não existe para a comunidade cinematográfica.
Todos os atores que participaram dele escreveram o nome da obra num óstraco mental e coletivo e lançaram no mar Egeu.
Pergunte a Carla Camurati e Vera Zimmermann se participaram dele, passando 80% do tempo nuas. Indague a Pedro Cardoso e Andréa Beltrão se se lembram da película em sua filmografia oficial.
Quer dizer: na maioria das vezes, nem os próprios atores aguentam o cinema nacional.
Resumindo, devíamos enfiar a câmera no saco e usar a idéia na cabeça para fazer o que sabemos: música popular.
Ou alguém já ouviu falar em grupos se reunindo para pedir a criação da "lei de incentivo auditivo", a volta da "embramúsica" ou a reserva de mercado nas rádios e nas gôndolas das lojas de CD?
(SÉRGIO DÁVILA)




Texto Anterior: Cinema brasileiro - Deus ou o Diabo? - Alcino Leite Neto: Um dos melhores do mundo
Próximo Texto: Os dez melhores filmes de todos os tempos
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.