São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2008

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Trabalhadores e estudiosos, mas tímidos

AUTO-IMAGEM Quando se comparam com os não-orientais, descendentes de japoneses reforçam estereótipo de pessoas reservadas e esforçadas

CÁSSIO AOQUI
EDITOR-ASSISTENTE DE EMPREGOS E NEGÓCIOS

Aluno exemplar, Fernando Henrique Hasegawa, 15, bisneto de japoneses, faz parte da primeira turma na escala das mais aplicadas no Colégio Bandeirantes, em São Paulo.
No primeiro boletim deste ano, obteve média de 9,1.
Hasegawa afirma que o segredo de seu desempenho é a combinação de esforço, seriedade e disciplina. Para chegar à nota dez, porém, depara-se com um desafio: a timidez.
"Não sou muito bom em apresentações", admite ele. O perfil do jovem estudante não é exceção quando se trata de descendentes de japoneses -segundo os próprios nikkeis.
De acordo com a pesquisa do Datafolha, os nipo-brasileiros têm uma imagem clara sobre como se vêem em comparação com a média dos brasileiros.
De um lado, dizem acreditar que os descendentes nascidos no Brasil respeitam mais as regras na sociedade (85%), são mais esforçados nos estudos (80%), mais trabalhadores (72%) e mais confiáveis (64%).
Do outro, se consideram mais tímidos (87%), mais fechados (78%) e secos (66%) e menos afetuosos (46%).
Essa percepção, para especialistas ouvidos pela Folha, tem a ver com os rótulos que lhes foram atribuídos no Brasil.
"É uma visão estereotipada dos nikkeis por eles próprios", diz a psicóloga Laura Ueno.
É inegável, porém, que grande parte das características atribuídas aos descendentes de japoneses tenha ligação direta com as origens histórica, social e cultural dos imigrantes.
"Há uma herança étnica de introspecção que vem do período Edo, em que o país ficou fechado ao mundo exterior", diz o psicólogo clínico e intercultural Fábio Cardias.
Valores como integridade, respeito ao idoso, paciência e honestidade também estão originalmente relacionados com a filosofia do confucionismo, de origem chinesa, mas amplamente cultivada no Japão.
"Uma conseqüência do confucionismo é a valorização da dedicação e do esforço. Japoneses usam muito a expressão "ganbatte kudasai", que significa "empenhe-se". Já o sentimento de afetuosidade não casa com estabelecimento da hierarquia social", explica a diretora do Centro de Estudos Japoneses da USP, Junko Ota.
A importância dada aos estudos, observa Shozo Motoyama, presidente do Centro de Estudos Nipo-Brasileiros, tem a ver com a educação que o Japão imperial impôs aos seus súditos com o objetivo de instituir ordem e respeito à hierarquia.
"A imigração começou no período Meiji, em que acontece a mudança do Japão quase feudal para o moderno. Houve um esforço generalizado do governo japonês em prol da educação. Os imigrantes trouxeram esses valores consigo."
Para a pesquisadora da história da imigração japonesa no Brasil Célia Sakurai, as famílias apostaram na educação como meio de integração. "Para os não-descendentes, bons resultados nos estudos significam méritos individuais. Para os japoneses, trata-se de um meio intergeracional de ascensão social e financeira."
A introspecção também tem fortes raízes culturais, segundo Mariko Kawamura, diretora da escola paulistana de língua japonesa Shohaku.
"No Japão, um ditado popular adverte que, quando se abre a boca, o vento do outono a lava. Em outras palavras, o ideal é agir sem falar."
"Nossa sociedade nunca forçou o descendente de japoneses a cortar o vínculo, como ocorreu nos Estados Unidos", salienta a professora de língua e literatura japonesa da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Sonia Ninomiya.
Com o passar das gerações, entretanto, a expectativa é que esse cenário se modifique. "Já é diferente com a terceira e, mais ainda, a quarta geração", assinala o presidente da Comissão de Projetos da Associação para o Centenário da Imigração Japonesa, Reimei Yoshioka.


CÁSSIO AOQUI é neto de japonês. Seu avô chegou ao Brasil em 1932


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