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NO BRASIL
Autor construiu profunda relação com país
Brasileiros estão entre maiores consumidores de seus livros no mundo; "Ensaio sobre a Cegueira" foi best-seller
ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO
José Saramago não suportava que tentassem separar
Brasil e Portugal. Para ele, os
dois países estavam fadados
a um amálgama.
Num texto publicado na
revista portuguesa "Status",
em 1985, voltou a 1822 para
dizer que, após a independência, o que ficara para trás
não era o tempo das trevas ou
da ignorância, e sim um formigueiro cultural.
"A parte visível da cultura
que diremos brasileira emerge, e assenta, como parte visível de um iceberg, sobre a
massa profunda da história e
da cultura portuguesas (...).
Mas somos gente da mesma
família, de uma mesma língua, de uma cultura que é,
embora diferente, a mesma."
Do pensamento complexo, fez-se o afeto. Três anos
depois de ter escrito o texto,
Saramago veio ao Brasil para
lançar "A Jangada de Pedra"
e "O Ano da Morte de Ricardo
Reis", as duas primeiras
obras editadas pela Companhia das Letras.
"Foi nessa viagem que nos
conhecemos", conta Luiz
Schwarcz, editor da Companhia das Letras. "Depois, ele
veio inúmeras vezes para cá.
Ele adorava estar no Brasil."
Não por acaso, escolhera o
país para fazer o lançamento
mundial do livro que acreditava ser o derradeiro, "A Viagem do Elefante". Em 2008,
aos 86 anos, já adoentado,
veio pela última vez ao país.
Tratado como personalidade de proa, recebeu homenagem na Academia Brasileira de Letras, no Rio, e, em
São Paulo, falou com o público no Sesc Pinheiros, participou de sabatina na Folha e
foi tema da exposição "José
Saramago - A Consistência
dos Sonhos", no Instituto Tomie Ohtake.
INSPIRAÇÃO
Fora recebido como um
ídolo. Deixou o país visivelmente encantado com a recepção, a ponto de, aqui, ter
tido a ideia para "Caim".
Por onde quer que andasse, atraía olhares, ouvintes e
pedidos de autógrafo. "No
lançamento, ele ficou até
meia-noite dando autógrafos", recorda Schwarcz. "Várias vezes, o vi ser parado na
rua por leitores."
Nas vindas ao país, Saramago criou, também, uma
afetiva rede de relações. Ficou amigo de Jorge Amado
(1912-2001), Chico Buarque,
Caetano Veloso, Lygia Fagundes Telles, Sebastião Salgado e Raduam Nassar.
Alguns deles figuram até
mesmo em "Os Cadernos de
Lanzarote", diário do autor.
"Esta vida de Jorge [Amado] e
Zélia [Gattai] parece do mais
fácil e ameno, uma temporada aqui, uma temporada ali,
viagens pelo meio, em toda a
parte amigos à espera, prêmios, aplausos, admiradores
-que mais podem estes dois
desejar? Desejam um Brasil
feliz e não o têm."
A canção "Romaria", de
Renato Teixeira, também
atravessa o diário: "Como o
romeiro da canção de Elis Regina, que, igualzinho a mim,
não sabia rezar, fui mostrar o
olhar ao dr. Mâncio dos Santos: Nossa Senhora Aparecida, para estes casos, não serve. Resultado do exame: terei
de mudar de lentes".
E o Brasil era, também, um
mercado e tanto para suas
obras. "Ele era nosso autor
mais vendido em literatura
estrangeira", diz Schwarcz.
Os 24 títulos lançados pela
editora somam 1,4 milhões
de exemplares vendidos
-"Ensaio Sobre a Cegueira",
com 350 mil, à frente.
"O Brasil era um dos principais mercados do Saramago no mundo", diz o editor.
"Talvez só a Espanha vendesse mais que o Brasil. Além
disso, enquanto em Portugal
muita gente o criticava duramente, aqui ela era, sobretudo, admirado."
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