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Era duro com jornalistas, mas doce com o público do Brasil
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA
Numa manhã fria de outubro de 2008, José Saramago
recebeu a Folha para uma
entrevista em Lisboa, na sede
da Fundação José Saramago.
O prêmio Nobel preparava-se para uma visita ao Brasil na qual lançaria mundialmente "A Viagem do Elefante", seu penúltimo romance
lançado em vida.
Estava na capital portuguesa, e não nas ilhas espanholas onde vivia, por causa
da saúde frágil. Amparado
pela mulher, Pilar del Río,
conferiu e-mails, deu uma
olhada no blog que atualizava com regularidade e pediu
que eu esperasse enquanto
lia seu jornal diário -no caso, o "El País", da Espanha.
Depois atendeu-me com
respostas educadas e elaboradas, quando o assunto era
literatura, mas curtas e secas
quando o tema era política,
em especial quando eu insistia em conversar sobre sua
convicção esquerdista.
Saramago era assim. Mantinha-se geralmente na defensiva quando estava com
jornalistas. Por outro lado,
era doce e emotivo com o público, particularmente com o
público brasileiro.
Foi o que se viu aqui no
Brasil na referida viagem,
que ocorreu poucas semanas
depois. Em palestra no Sesc
Pinheiros, comoveu a plateia
ao falar de vida, morte, doença, a falta de Deus e literatura. Os aplausos foram efusivos e Saramago ficou com os
olhos cheios d'água.
No dia seguinte, em sabatina realizada pela Folha, a
situação foi um pouco menos
confortável para ele. Questionado por um grupo de jornalistas e pelo público sobre
seu ateísmo e sua militância
política, respondeu de modo
duro, dividindo opiniões entre os ali presentes.
Findo o evento, segurou-me pelo braço e falou ao meu
ouvido: "Acho que a gente ficou um bocado brava com algumas coisas que eu disse,
não te pareceu?".
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