São Paulo, sábado, 19 de junho de 2010

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Era duro com jornalistas, mas doce com o público do Brasil

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

Numa manhã fria de outubro de 2008, José Saramago recebeu a Folha para uma entrevista em Lisboa, na sede da Fundação José Saramago.
O prêmio Nobel preparava-se para uma visita ao Brasil na qual lançaria mundialmente "A Viagem do Elefante", seu penúltimo romance lançado em vida.
Estava na capital portuguesa, e não nas ilhas espanholas onde vivia, por causa da saúde frágil. Amparado pela mulher, Pilar del Río, conferiu e-mails, deu uma olhada no blog que atualizava com regularidade e pediu que eu esperasse enquanto lia seu jornal diário -no caso, o "El País", da Espanha.
Depois atendeu-me com respostas educadas e elaboradas, quando o assunto era literatura, mas curtas e secas quando o tema era política, em especial quando eu insistia em conversar sobre sua convicção esquerdista.
Saramago era assim. Mantinha-se geralmente na defensiva quando estava com jornalistas. Por outro lado, era doce e emotivo com o público, particularmente com o público brasileiro.
Foi o que se viu aqui no Brasil na referida viagem, que ocorreu poucas semanas depois. Em palestra no Sesc Pinheiros, comoveu a plateia ao falar de vida, morte, doença, a falta de Deus e literatura. Os aplausos foram efusivos e Saramago ficou com os olhos cheios d'água.
No dia seguinte, em sabatina realizada pela Folha, a situação foi um pouco menos confortável para ele. Questionado por um grupo de jornalistas e pelo público sobre seu ateísmo e sua militância política, respondeu de modo duro, dividindo opiniões entre os ali presentes.
Findo o evento, segurou-me pelo braço e falou ao meu ouvido: "Acho que a gente ficou um bocado brava com algumas coisas que eu disse, não te pareceu?".


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