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A "Guernica" chega ao Brasil
DA REPORTAGEM LOCAL
Após o sucesso da 1ª Bienal,
vem aquela que inscreveu
de fato São Paulo no circuito internacional das artes, e é considerada a maior exposição de arte
moderna da década.
A 2ª Bienal de São Paulo teve
início em fins de 53 para entrar
também em 54 e coincidir com o
ano das comemorações do 4º
Centenário da fundação da cidade. Não era por acaso. O industrial de origem italiana Ciccillo
Matarazzo foi nomeado presidente da festividade -para escândalo das famílias tradicionais paulistanas- e queria unir os dois
eventos num megaespetáculo.
Foi dele a iniciativa, por exemplo, que marcaria a 2ª edição do
evento como "A Bienal do Guernica". Em 26 de dezembro de
1952, Ciccillo envia uma carta a
Picasso, por meio da artista brasileira Maria Martins, solicitando a
cessão de obras para uma sala especial do artista espanhol.
A 2ª Bienal foi programada para
inaugurar dois edifícios do arquiteto Oscar Niemeyer no parque
Ibirapuera, todos criados justamente para a festa do 4º Centenário. Ciccillo queria ocupar os 28
mil metros m2 da área expositiva,
quase seis vezes o tamanho da 1ª
Bienal. Uma das soluções foi a
criação das salas especiais, que
passaram a ser uma das marcas
da Bienal paulistana.
Para tanto, foram organizadas
19 salas especiais. Algumas com
perspectiva histórica, como "A
Paisagem Brasileira até 1900",
mas a grande maioria foi composta por salas de artistas.
O responsável pela vinda de
"Guernica" (1937), que estava no
MoMA de Nova York, foi o artista
pernambucano Cicero Dias, radicado na França e amigo de Picasso. Ele o convenceu a ceder a obra.
A informação foi transmitida a
Ciccillo num sucinto telegrama de
23 de abril de 53, enviado pelo diplomata Paulo Carneiro, chefe do
escritório do 4º Centenário na Europa: "Cicero Dias obteve Picasso
empréstimo Guernica além trinta
quadros sua coleção pessoal".
Com o slogan "A Cidade que
Mais Cresce no Mundo", os planos de Ciccillo para o 4º Centenário eram ambiciosos. "Não está
longe o dia em que deixaremos
Veneza para trás", declarou ao visitar as obras no Ibirapuera.
4.000 OBRAS
Apesar de tanta ambição, artistas brasileiros boicotaram o evento. Portinari, Segall, Pancetti, Iberê Camargo e Burle Marx não quiseram submeter-se ao júri e, por
isso, ficaram de fora. A crítica da
época chegou a afirmar que a Bienal refletiu bem o que se passava
no mundo, mas pouco o movimento artístico nacional.
Apesar da resistência interna, a
mostra foi um marco: reuniu 712
artistas de 33 países. Com quase
4.000 obras, a 2ª Bienal foi inaugurada, em 13 de dezembro de 53,
pelo presidente Getúlio Vargas.
"Fui um visitante assíduo", conta à Folha o crítico Antonio Candido. "Lembro-me de reconhecer
o historiador da arte inglês Herbert Read nos prédios da Bienal".
Sobre a Bienal, Read declarou,
na época, ser ela "um conjunto
autêntico do que existe de mais
representativo na arte mundial".
Só em salas especiais, estiveram
representados, entre outros, Paul
Klee, Oskar Kokoschka, Alexander Calder, Picasso, Henry Moore, Mondrian, Rufino Tamayo e
Edvard Munch. Já nas salas temáticas do cubismo, foram apresentadas obras de Marcel Duchamp e
Picabia, enquanto na do futurismo estiveram Boccioni e Bala.
A participação brasileira contou
com mais de cem artistas. Nas
premiações nacionais, Volpi e Di
Cavalcanti venceram juntos na
categoria pintura, Bruno Giorgi
na de escultura e Lívio Abramo
ganhou em gravura.
O pintor francês Henri Laurens
recebeu o Grande Prêmio do 4º
Centenário, pelo conjunto de nove esculturas. Já nas premiações
internacionais, Rufino Tamayo
(México) e Alfred Manessier
(França) ganharam juntos em
pintura, Henry Moore (Inglaterra), em escultura e Giorgio Morandi (Itália), em gravura.
Cerca de 100 mil pessoas comparecem à Bienal, estimuladas
por uma linha de transporte criada especialmente para a ocasião.
Ao final, Ciccillo conseguiu seu
objetivo. Rudolfo Palluchini, o secretário da Bienal de Veneza, chegou a afirmar: "A 2ª Bienal de São
Paulo quebrou 50 anos de tradição de Veneza. Os paulistas realizaram em dois anos o que levamos 50 anos para conseguir".
(FCY)
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