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Retórica foi mais para Roosevelt do que Kennedy
ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON
Barack Obama foi empossado ontem com um discurso
pragmático e sóbrio que, sem
frases de efeito, fez um chamado firme à ação contra a crise
econômica e as ameaças externas. A falta de poesia, porém,
não sufocou o grande trunfo da
fala: a forma com que refletiu o
espírito do momento invernal
que recai sobre os EUA hoje.
Não houve disfarce para as
dificuldades. "Digo a vocês que
os desafios que temos são reais,
sérios e muitos", afirmou o novo presidente logo no início.
"Não vão ser superados em
pouco tempo. Mas saiba disso,
América: serão superados."
Para Wayne Fields, especialista em retórica e discursos políticos da Washington University em Saint Louis, "foi um discurso bem pensado". "Foi controlado e se baseou no que é
mais fundamental. A crise que
estamos enfrentando só poderá
ser confrontada com a noção de
"nós, o povo", e foi o que ele
usou", afirmou à Folha.
"O que tornou a fala especial
é que permitiu que a ocasião
em si fosse o momento mais
dramático do dia. O presidente
não chamou atenção para si, e
sim para a união da nação."
Esse tipo de apelo traz ecos
de um outro presidente, Franklin D. Roosevelt (1933-1945),
que assumiu em meio à Grande
Depressão e parecia dizer "esse
desafio é "nosso" tanto quanto
"meu'", diz o especialista.
Há também lembranças de
Abraham Lincoln (1861-1865),
fonte declarada de inspiração
de Obama, apesar de menos do
que se esperava. O antecessor
teve de lidar com a época mais
complicada da história do país,
a Guerra Civil Americana. E
"Obama usa essa memória para
mostrar como somos uma nação reconciliada, que se harmonizou com raízes brancas,
negras, asiáticas, europeias,
etc", afirma Fields.
Fields destaca ainda a sintonia entre quem falou e quem
ouviu. "A multidão presente ultrapassa qualquer coisa que eu
possa me lembrar, e o presidente que assumiu não se parece com nenhum outro. Sua
própria figura é a reafirmação
de até onde chegamos. Até o
tom contido, sem frases de
efeito como as de John F. Kennedy (1961-1963), evoca algo
comum e enraizado em todos."
Mas isso não significa que
não houve ecos de Kennedy.
Como o presidente assassinado, Obama "se dirigiu a outros
no mundo um por um, alertando adversários de nossa força e
reafirmando a amigos nossa
fiel aliança", disse ao "New
York Times" Clark S. Judge,
ex-redator de discursos para o
presidente Ronald Reagan
(1981-1989).
Quem ouviu o discurso -que
antes de começar sugeria que
teria a maior audiência televisiva global da história- viu referências a quase todos os pontos que Obama abordou na
campanha, do sistema de saúde
às pontes para o mundo islâmico. Isso não agradou a todos:
"Foi quase uma lista de tarefas,
um power point", disse Marie
Danziger, diretora do programa de comunicação da Escola
de Governo J.F. Kennedy, da
Universidade Harvard.
Os analistas concordam que
não será esse o discurso a ser
estudado nas salas de aula no
futuro. Ele não superou o
exemplo máximo de oratória
da campanha: a fala sobre raça
que Obama fez em março de
2008, na qual disse que os EUA
são um país dividido.
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