São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Retórica foi mais para Roosevelt do que Kennedy

ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON

Barack Obama foi empossado ontem com um discurso pragmático e sóbrio que, sem frases de efeito, fez um chamado firme à ação contra a crise econômica e as ameaças externas. A falta de poesia, porém, não sufocou o grande trunfo da fala: a forma com que refletiu o espírito do momento invernal que recai sobre os EUA hoje.
Não houve disfarce para as dificuldades. "Digo a vocês que os desafios que temos são reais, sérios e muitos", afirmou o novo presidente logo no início. "Não vão ser superados em pouco tempo. Mas saiba disso, América: serão superados."
Para Wayne Fields, especialista em retórica e discursos políticos da Washington University em Saint Louis, "foi um discurso bem pensado". "Foi controlado e se baseou no que é mais fundamental. A crise que estamos enfrentando só poderá ser confrontada com a noção de "nós, o povo", e foi o que ele usou", afirmou à Folha.
"O que tornou a fala especial é que permitiu que a ocasião em si fosse o momento mais dramático do dia. O presidente não chamou atenção para si, e sim para a união da nação."
Esse tipo de apelo traz ecos de um outro presidente, Franklin D. Roosevelt (1933-1945), que assumiu em meio à Grande Depressão e parecia dizer "esse desafio é "nosso" tanto quanto "meu'", diz o especialista.
Há também lembranças de Abraham Lincoln (1861-1865), fonte declarada de inspiração de Obama, apesar de menos do que se esperava. O antecessor teve de lidar com a época mais complicada da história do país, a Guerra Civil Americana. E "Obama usa essa memória para mostrar como somos uma nação reconciliada, que se harmonizou com raízes brancas, negras, asiáticas, europeias, etc", afirma Fields.
Fields destaca ainda a sintonia entre quem falou e quem ouviu. "A multidão presente ultrapassa qualquer coisa que eu possa me lembrar, e o presidente que assumiu não se parece com nenhum outro. Sua própria figura é a reafirmação de até onde chegamos. Até o tom contido, sem frases de efeito como as de John F. Kennedy (1961-1963), evoca algo comum e enraizado em todos."
Mas isso não significa que não houve ecos de Kennedy. Como o presidente assassinado, Obama "se dirigiu a outros no mundo um por um, alertando adversários de nossa força e reafirmando a amigos nossa fiel aliança", disse ao "New York Times" Clark S. Judge, ex-redator de discursos para o presidente Ronald Reagan (1981-1989).
Quem ouviu o discurso -que antes de começar sugeria que teria a maior audiência televisiva global da história- viu referências a quase todos os pontos que Obama abordou na campanha, do sistema de saúde às pontes para o mundo islâmico. Isso não agradou a todos: "Foi quase uma lista de tarefas, um power point", disse Marie Danziger, diretora do programa de comunicação da Escola de Governo J.F. Kennedy, da Universidade Harvard.
Os analistas concordam que não será esse o discurso a ser estudado nas salas de aula no futuro. Ele não superou o exemplo máximo de oratória da campanha: a fala sobre raça que Obama fez em março de 2008, na qual disse que os EUA são um país dividido.


Texto Anterior: "Rejeitamos como falsa a opção entre segurança e ideais"
Próximo Texto: Jovem de 27 anos é homem por trás dos pronunciamentos do novo presidente
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.