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Público em Washington é retrato da economia
Testemunhas da posse relatam temor com desemprego, dívidas e crise imobiliária
Apenas no ano passado,
3,1 milhões de americanos foram despejados de suas casas por não conseguirem pagar suas prestações
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
As milhares de pessoas que
estiverem ontem na posse de
Barack Obama formavam um
retrato acabado dos graves problemas econômicos que os
EUA enfrentam e dos desafios
do novo presidente.
Desemprego ou trabalho
precário, risco de despejo, cancelamento de cartões de crédito, alto endividamento e ansiedade com as finanças contrastavam com o entusiasmo dos
que foram homenagear Obama
no gelado Washington Mall.
O casal Ron e Isabel Dilallo,
da Flórida, por exemplo, foi à
posse de Obama justamente
por causa do caos econômico.
Ron trabalhou 30 anos como
construtor na Flórida, uma das
regiões mais atingidas pelo estouro da "bolha" imobiliária,
estopim da crise.
Agora, mudou-se a contragosto e em busca de trabalho
para a Virgínia, Estado vizinho
à capital americana -por isso
foi à posse. Segundo Ron, seu
setor "secou completamente" e
ficou "inviável" na Flórida.
Ele e a mulher agora dormem
na casa que estão ajudando a
reformar, contratados por uma
empresa local. Saíram da Flórida em busca de rendimentos
para poder continuar pagando
a prestação do imóvel que têm
no Estado. Por mês, pagam
US$ 1.700 no financiamento da
casa, além de US$ 420 em impostos e seguros.
"O mais provável é que sejamos despejados em breve, como muitos conhecidos", diz
Ron, que chegou a ficar quase
um ano procurando um emprego mais estável na construção.
O casal acumula dívidas de
US$ 40 mil em cartões de crédito e nenhuma poupança.
Nos últimos três anos, mais
de 6 milhões de norte-americanos foram despejados por falta
de pagamento de prestações
imobiliárias, destino que agora
assombra o casal Dilallo. Só em
2008, 3,1 milhões perderam
suas casas, 81% a mais do que
no ano anterior.
Enquanto o desemprego aumenta rapidamente no país (2
milhões foram demitidos só
nos últimos quatro meses), o
endividamento é recorde
(equivale a US$ 20 trilhões, ou
US$ 66,6 mil per capita, incluindo dívidas imobiliárias e
de consumo) e a taxa de poupança atingiu um nível inédito
de baixa (1,2%, três vezes menor do que há dez anos).
Vinda de Detroit para a posse, a aeromoça da United Airlines Laurie Taylor também diz
não ter "nenhum centavo de
poupança e um monte de dívidas". Com medo de perder o
emprego, Laurie acompanha
diariamente a cotação das
ações da United para saber como a empresa vai resistindo.
"Ontem, estavam a US$ 12, mas
já chegaram a cair a US$ 3", diz.
Detroit, onde Laurie vive,
concentra as maiores montadoras de veículos dos EUA e é
uma das cidades mais atingidas. O colapso nas vendas de
automóveis (caíram em 2008
entre 18% e 30%, dependendo
da empresa) elevou o desemprego na cidade para 9,5% em
novembro, contra a média de
6,5% no país (7,2% em dezembro). A cidade também figura
entre as dez que mais tiveram
ordens de despejo executadas
no ano passado.
Laurie é também um exemplo acabado de como a "bolha"
imobiliária surgiu e explodiu.
Endividada "até o pescoço", como ela diz, Laurie comprou
quatro imóveis entre 2004 e
2008. Pelo primeiro, tomou um
financiamento de US$ 150 mil.
Hoje, ele vale US$ 20 mil. Pelo
último, comprado no início do
ano passado, também financiado, pagou US$ 20 mil.
"Agora não sei o que fazer.
Não encontro pessoas dispostas a alugar duas das casas, que
estão vazias e pendentes de pagamento para os bancos", diz.
O casal Cristopher e Jucelin
Hammer, original da Guiana,
também foi à posse esperando
dias piores pela frente. Ex-funcionária de um banco em Wall
Street, Jucelin afirma ter perdido US$ 100 mil de seu fundo
de aposentadoria na Bolsa de
Nova York. Já Cristopher garante estar se esforçando ao
máximo para voltar a ser um
"consumidor conservador".
"Logo que cheguei aos EUA,
em 1969, ganhei o apelido de
"black jew" (judeu negro), como
muitos imigrantes que eram
cuidadosos financeiramente e
que não faziam dívidas", lembra Cristopher, que vive em
Nova York. "Com o tempo, virei
um grande gastador e me endividei. Agora, aquela expressão
que tanto me ofendia traz até
uma ponta de orgulho. Quero
voltar a ser um "black jew'", diz.
Enquanto Washington fazia
festa para Obama ontem, o índice Dow Jones caía 4%, a
maior queda já vista em uma
dia de posse presidencial.
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