São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

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Público em Washington é retrato da economia

Testemunhas da posse relatam temor com desemprego, dívidas e crise imobiliária

Apenas no ano passado, 3,1 milhões de americanos foram despejados de suas casas por não conseguirem pagar suas prestações


FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

As milhares de pessoas que estiverem ontem na posse de Barack Obama formavam um retrato acabado dos graves problemas econômicos que os EUA enfrentam e dos desafios do novo presidente.
Desemprego ou trabalho precário, risco de despejo, cancelamento de cartões de crédito, alto endividamento e ansiedade com as finanças contrastavam com o entusiasmo dos que foram homenagear Obama no gelado Washington Mall.
O casal Ron e Isabel Dilallo, da Flórida, por exemplo, foi à posse de Obama justamente por causa do caos econômico. Ron trabalhou 30 anos como construtor na Flórida, uma das regiões mais atingidas pelo estouro da "bolha" imobiliária, estopim da crise.
Agora, mudou-se a contragosto e em busca de trabalho para a Virgínia, Estado vizinho à capital americana -por isso foi à posse. Segundo Ron, seu setor "secou completamente" e ficou "inviável" na Flórida.
Ele e a mulher agora dormem na casa que estão ajudando a reformar, contratados por uma empresa local. Saíram da Flórida em busca de rendimentos para poder continuar pagando a prestação do imóvel que têm no Estado. Por mês, pagam US$ 1.700 no financiamento da casa, além de US$ 420 em impostos e seguros.
"O mais provável é que sejamos despejados em breve, como muitos conhecidos", diz Ron, que chegou a ficar quase um ano procurando um emprego mais estável na construção. O casal acumula dívidas de US$ 40 mil em cartões de crédito e nenhuma poupança.
Nos últimos três anos, mais de 6 milhões de norte-americanos foram despejados por falta de pagamento de prestações imobiliárias, destino que agora assombra o casal Dilallo. Só em 2008, 3,1 milhões perderam suas casas, 81% a mais do que no ano anterior.
Enquanto o desemprego aumenta rapidamente no país (2 milhões foram demitidos só nos últimos quatro meses), o endividamento é recorde (equivale a US$ 20 trilhões, ou US$ 66,6 mil per capita, incluindo dívidas imobiliárias e de consumo) e a taxa de poupança atingiu um nível inédito de baixa (1,2%, três vezes menor do que há dez anos).
Vinda de Detroit para a posse, a aeromoça da United Airlines Laurie Taylor também diz não ter "nenhum centavo de poupança e um monte de dívidas". Com medo de perder o emprego, Laurie acompanha diariamente a cotação das ações da United para saber como a empresa vai resistindo. "Ontem, estavam a US$ 12, mas já chegaram a cair a US$ 3", diz.
Detroit, onde Laurie vive, concentra as maiores montadoras de veículos dos EUA e é uma das cidades mais atingidas. O colapso nas vendas de automóveis (caíram em 2008 entre 18% e 30%, dependendo da empresa) elevou o desemprego na cidade para 9,5% em novembro, contra a média de 6,5% no país (7,2% em dezembro). A cidade também figura entre as dez que mais tiveram ordens de despejo executadas no ano passado.
Laurie é também um exemplo acabado de como a "bolha" imobiliária surgiu e explodiu. Endividada "até o pescoço", como ela diz, Laurie comprou quatro imóveis entre 2004 e 2008. Pelo primeiro, tomou um financiamento de US$ 150 mil. Hoje, ele vale US$ 20 mil. Pelo último, comprado no início do ano passado, também financiado, pagou US$ 20 mil.
"Agora não sei o que fazer. Não encontro pessoas dispostas a alugar duas das casas, que estão vazias e pendentes de pagamento para os bancos", diz.
O casal Cristopher e Jucelin Hammer, original da Guiana, também foi à posse esperando dias piores pela frente. Ex-funcionária de um banco em Wall Street, Jucelin afirma ter perdido US$ 100 mil de seu fundo de aposentadoria na Bolsa de Nova York. Já Cristopher garante estar se esforçando ao máximo para voltar a ser um "consumidor conservador".
"Logo que cheguei aos EUA, em 1969, ganhei o apelido de "black jew" (judeu negro), como muitos imigrantes que eram cuidadosos financeiramente e que não faziam dívidas", lembra Cristopher, que vive em Nova York. "Com o tempo, virei um grande gastador e me endividei. Agora, aquela expressão que tanto me ofendia traz até uma ponta de orgulho. Quero voltar a ser um "black jew'", diz.
Enquanto Washington fazia festa para Obama ontem, o índice Dow Jones caía 4%, a maior queda já vista em uma dia de posse presidencial.


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