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Eles também fingem prazer...
...e elas dão mais importância ao próprio prazer; devagar, comportamentos sexuais dos dois gêneros se aproximam
HELOÍSA HELVÉCIA
EDITORA DO VITRINE
A minoria insatisfeita diminuiu, pelo menos na pesquisa.
Doze anos atrás, 46% dos brasileiros diziam ter orgasmos
"sempre". Agora, mais da metade da população cravou essa
resposta. Daí a concluir que o
prazer no país vai bem obrigado há uma distância. A mesma
que separa a mulher do homem, quando o tema é sexo.
É o homem, claro, quem levanta a média do gozo líquido e
certo, em todo ato sexual: 76%
compareceram com o categórico "sempre". Entre elas, 39%.
E já é muito. "Bom demais
para ser verdade", duvida a antropóloga Mirian Goldenberg,
professora da pós-graduação
na UFRJ. Para ela, o fato de
tantas mulheres dizerem que
chegam lá toda vez que transam reflete não o prazer, mas o
dever. "É o novo discurso da
brasileira, bombardeada pela
cultura que a obriga a gozar."
Isso de ditadura do orgasmo
"é babaquice", na visão da psicanalista Regina Navarro Lins,
autora de "A Cama na Varanda". Segundo ela, o clichê é a
reação velada à evolução feminina. "Não tem isso de obrigação. Orgasmo é o maior prazer
físico do ser humano. Todo
mundo quer, homem ou mulher. E toda mulher deve ter."
E pode. Qualquer uma está
apta aos espasmos, contrações
uterinas e latejamento pélvico,
desde que não sofra doença
neuro, endocrino ou ginecológica que tenha destruído a base
física do êxtase -coisa rara, diz
o psiquiatra Joel Rennó Júnior,
que coordena o Pró-Mulher do
Hospital das Clínicas.
Se os impedimentos físicos
ao prazer feminino são estatisticamente desprezíveis, os psicoculturais dão uma bíblia. Nos
consultórios, a sequela dos séculos de repressão atende pelo
nome de anorgasmia e, agora,
vem associada não só a velhos
tabus e preconceitos como à
nova angústia da mulher com o
próprio orgasmo, o que a impede de, literalmente, relaxar e
gozar, segundo Rennó.
"A mulher quer gozar para
satisfazer o outro, não a si mesma", diz Goldenberg, que vê semelhanças nos discursos dos
dois sexos, não nas atitudes. Ela
critica o culto do orgasmo em
detrimento de outros prazeres.
Muita gente está com ela: a
frase segundo a qual se divertir
na cama é mais importante que
gozar teve a aquiescência da
maioria das mulheres.
Só que o jogo do contente, na
cama, pode levar a uma frigidez
às vezes irreversível, diz o psiquiatra. "Mulheres que tentam
negar a importância do orgasmo e se adaptar à disfunção
acabam desinteressadas de sexo. Muitas desenvolvem ausência geral de resposta sexual."
"Passamos do desinteresse total pelo prazer feminino para a atual ditadura
do orgasmo"
Mirian Goldenberg,
antropóloga
"Já fingi várias vezes. Finjo porque acho que a mulher fica mal de não conseguir
me fazer gozar"
Cesar Serafim,
engenheiro civil
Contra a frigidez e a falta de
interesse no sexo, tome gritos,
gemidos e dor de cabeça.
Mas representar um orgasmo ou inventar uma mentira
para evitar o sexo, truques classica e cansativamente colados
às mulheres, não são de seu uso
exclusivo. Aqui, também, quando se trata de afastar um corpo
do outro, a pesquisa mostra
uma aproximação entre os
comportamentos deles e delas.
Metade das entrevistadas admitiu já ter fingido um orgasmo. Quem não sabe. Curioso é
26% dos homens confessarem
que também já simularam.
Antes de decifrar como e por
que um homem finge, não custa
lembrar: orgasmo e ejaculação
são coisas distintas, embora andem juntas. "Seria preciso saber o que eles chamam de fingir
orgasmo, se é fingir a ejaculação ou o prazer", ressalva a educadora Maria Helena Vilela.
Segundo ela, que dirige o instituto Kaplan - Centro de Estudos da Sexualidade Humana,
mulher não lida bem com o homem que não ejacula. "Ela fica
na expectativa da ejaculação."
Não seja por isso. "Eles aderiram à prática feminina, o esperma não entra mais em contato com a mulher, ela não tem
como saber", confirma Rennó.
Com o auxílio do seu novo objeto de cena, o homem interpreta orgasmos por motivos similares aos das mulheres, mais
os seus porquês exclusivos, como medo de não sustentar a
ereção e ejaculação retardada
-disfunção menos popular
que a precoce, psicológica ou ligada ao uso de antidepressivos.
Um pouco de encenação faz
parte, já que a sexualidade desta espécie é composta de animalidade e artifício, como definiu a ensaísta americana Camille Paglia.
É mais fácil alegar uma indisposição do que explicar ao
companheiro por que não se
está a fim de transar. Não é como recusar comida ou bebida.
Mas deveria, segundo Vilela:
"Os relacionamentos são pouco autênticos porque não se
respeita o sexo como função
orgânica. Tudo bem você ter
insônia, não é vergonha não ter
fome. No sexo, não se admite".
A vergonha, o medo do julgamento e todos os condicionamentos sociais criam para o sexo uma exigência desumana,
segue a terapeuta. "O fato de
um não querer já desencadeia
no outro fantasias de que há
um problema. Então, para evitar "discutir a relação", surge a
desculpa. O que deveria ser a
consequência espontânea da
excitação vira mentira. É preciso botar o sexo no seu lugar, de
função natural do organismo."
Essa é também a visão de
Navarro Lins, a detonadora
número um das frases feitas.
"Sexo é como beber água, é
uma função biológica. Quem
critica sua banalização está
preso à ideia de que tudo ligado
a corpo é feio e sujo. Nada mais
banal que sexo, no sentido de
comum. Está sendo banalizado
e será ainda mais."
Os resultados da pesquisa reforçam que o muro entre homem e mulher está se dissolvendo, na análise da sexóloga:
"Vemos o lento desmoronamento do sistema patriarcal".
Um sinal disso, para todos os
especialistas aqui, é o novo interesse masculino no prazer feminino: o medo de não satisfazer a parceira atormenta 56%
dos pesquisados (leia à pág.9).
Navarro Lins comenta: "O
homem quer trocar, começa a
se livrar dos mitos das masculinidade. E a mulher começa a
separar amor e sexo, o que é essencial. Passou da hora de descomplicar, para que o sexo deixe de ser essa grande fonte de
tanto sofrimento humano".
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