São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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Assexuados num país sensual

Grupo começa a dar as caras no país; desinteresse só é distúrbio quando gera sofrimento

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles também começam a sair do armário. De um armário comportadíssimo. Autodenominados "assexuais", homens e mulheres têm usado a internet para defender a liberdade de, simplesmente, não fazer sexo.
"Lutei muito tempo para aceitar minha assexualidade, até entender que isso não é um problema", afirma o britânico David Jay, um dos primeiros a levantar a bandeira do "Sexo? Tô nem aí". Ele criou no seu país uma rede para a "visibilidade dos assexuais".
Do lado de cá, Júlio Timóteo Neto, 18, tentou repetir a ideia, sem sucesso. Criador do blog "Assexuados - você não está sozinho", diz que os visitantes têm medo de se identificar. "O brasileiro fala tanto de sexo que quem não liga para isso parece um E.T." Dono de uma loja de informática no Grande Recife, Neto é virgem e diz ter uma vida normal. Diferente é o fato de ele não se sentir seduzido pelos corpos que sol e praia deixam visíveis. "Zero. Não vejo graça." Ele não disfarçou a alegria ao saber que, segundo o Datafolha, 5% dos rapazes de 18 a 24 anos declaram não ter interesse em sexo. "Tá vendo?"
Os números também consolaram a auxiliar administrativa Eva Nilda, 42. Ao saber que 11% das mulheres na sua faixa etária disseram não ter interesse em sexo, arriscou: "Deve ser normal, né?" Nilda manteve-se virgem até os 39 anos. Como sonha ter um filho, resolveu, mesmo sem vontade, transar com um namorado. "Forcei a barra e me arrependi. Estou casada, mas não gosto de sexo."
Ela foi ao projeto Afrodite, da Unifesp, onde são oferecidos tratamento hormonal e psicoterapia para mulheres que não conseguem sentir prazer. "É comum que o desinteresse sexual gere problemas afetivos, até porque vivemos a ditadura do orgasmo", diz a ginecologista Carolina Ambrogini, coordenadora do Afrodite. "Mas nem sempre há um distúrbio."
Entre os psiquiatras, a linha que delimita distúrbio e jeito de ser é riscada sem curvas. "Desinteresse só deve ser tratado quando desperta uma neurose", diz o psiquiatra Aderbal Vieira Jr., especialista em compulsivos sexuais. "Falta de sexo, como excesso, só é problema quando gera sofrimento. Se a pessoa sem desejo sexual se sente bem, vai ao cinema, segue a vida, tudo bem." O que a psiquiatria trata é o transtorno do desejo sexual hipoativo, originado na depressão ou no desequilíbrio hormonal.


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