|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Amizade colorida, o retorno
Psicólogos acham que a iniciação sexual, quando feita entre amigos, pode
ser muito positiva para o jovem
CHICO FELITTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Quase um em cada cinco jovens entrevistados pelo Datafolha disse ter tido a primeira
experiência sexual com um
amigo ou amiga.
É a volta da "amizade colorida", mostrada na pesquisa e
confirmada por quem lida com
sexualidade jovem.
"A tranquilidade em falar sobre sexo motivou os jovens, nas
últimas décadas, a trocar profissionais do sexo por namorados, e mesmo por amigos", diz o
psiquiatra e colunista do Folhateen Jairo Bouer.
Alexandre Sakihara, 21, transou pela primeira vez "completamente por acaso" com a melhor amiga, há cinco anos.
Os dois, conta ele, aproveitaram a ausência da mãe e do padrasto dela para atacar o bar da
família. "Só vimos que estávamos bêbados quando eles voltaram. Corremos para o quartinho da empregada."
Lá, ligaram a TV para esperar
"o fogo passar", mas ele só fez
subir: transaram, sem ruídos e
com camisinha, na cama de solteiro do quartinho.
Se foi bom para ele? "Foi bêbado... Foi uma oportunidade.
Mas não foi pensado antes, rolou no clima."
Rolou no clima e no clima ficou. Namorar nem passou pela
cabeça dos dois ("éramos amigos demais!"), que nunca comentaram o assunto a sério.
"Hoje, a gente brinca [sobre a
transa], mas nunca sentamos
para conversar sobre isso." Rola uma "vergonhinha", admite.
Ao calar, eles perdem a chance de aproveitar toda a "abertura e diálogo que a proximidade
entre amigos permite", diz a
professora de psicologia da
USP Leila Tardivo.
Não é pouco: as amizades de
hoje têm "tanta ou mais intimidade do que a relação amorosa", diz Jacqueline Cavalcanti
Chaves, psicóloga do Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisa e
de Intercâmbio para Infância e
Adolescência Contemporânea,
da UFRJ.
As duas psicólogas entendem
que, com conversa e entendimento, a primeira experiência
sexual com um colega pode ser
bem interessante.
Tratado da ONU
Há casos em que o amigo iniciador pende mais para conhecido do que para cúmplice.
"Muitas vezes, o jovem chama de amigo alguém com quem
teve contatos íntimos, mas não
uma relação estável", diz Leila
Tardivo, da USP.
É o caso de Tina*, 27, de
Campinas (SP). Ela ilustra a fatia de 4% das garotas que disseram, na pesquisa, ter feito sexo
pela primeira vez com amigo ou
com amiga.
Como pode o percentual de
"iniciação amigável" masculino
ser tão mais alto (35%) do que o
feminino? Questão de nomenclatura, analisa Jairo Bouer.
"O que explica a diferença é o
conceito de o que é uma relação
afetiva. As meninas tendem a
achar que estão namorando
mais cedo do que os garotos."
No caso de Tina, não era bem
um "ficante". Tratava-se de um
"amigo de rolé", como definiu,
com que se encontrou poucas
vezes e que "fez um favor" a ela,
quando tinha 21 anos.
Depois de contar para o conhecido, de 28 anos e casado,
que ainda era virgem, Tina tomou coragem e fez uma oferta
para eles saírem da boate onde
estavam.
A proposta, objetiva "como
um acordo da ONU", era a de
ele "resolver a situação", sem
nenhum tipo de enlace ou obrigação fora da cama.
Selado o "tratado", foram para o motel no carro dela.
"Por saber da minha condição, ele foi superpaciente e
conversou comigo durante e
depois." Na saída, dividiram a
conta do quarto. "Valeu cada
centavo."
Casos como esse podem parecer libertários. Mas enganam, diz Jacqueline Chaves.
Segundo a psicóloga, pactos
desse tipo, que os jovens fazem
para se livrar do fardo da virgindade, carecem de liberdade
e são "só pressão social".
"É norma, igual à que mandava a garota preservar-se virgem, só que o outro lado da
mesma moeda", diz Chaves.
Para a psicóloga carioca, o
pragmatismo do "fui, perdi, estou livre" evolui para o sexo
mecânico e sem sentimento.
Jairo Bouer se alarma menos
com relações combinadas: "É
uma fase, e antes que comecem
assim do que com completos
desconhecidos".
Fazer amor
Foi para "garantir o amor"
que a professora goiana Kátia
Bugni, 25, diz ter reservado o
sexo até a noite de núpcias.
Kátia faz parte dos 19% das
mulheres de 18 a 24 anos que só
fazem sexo depois de casar.
Segundo ela, o marido, Cláudio, faz parte do centésimo
(1%) de homens que também se
guardam até as bodas. E ai de
quem duvidar: "Ele é meu marido. Mas, antes de tudo, garanto isso porque ele é meu melhor amigo!".
* Nome fictício
Texto Anterior: Assexuados num país sensual Próximo Texto: Será que foi ruim pra você? Índice
|