São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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Amizade colorida, o retorno

Psicólogos acham que a iniciação sexual, quando feita entre amigos, pode ser muito positiva para o jovem

CHICO FELITTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quase um em cada cinco jovens entrevistados pelo Datafolha disse ter tido a primeira experiência sexual com um amigo ou amiga.
É a volta da "amizade colorida", mostrada na pesquisa e confirmada por quem lida com sexualidade jovem.
"A tranquilidade em falar sobre sexo motivou os jovens, nas últimas décadas, a trocar profissionais do sexo por namorados, e mesmo por amigos", diz o psiquiatra e colunista do Folhateen Jairo Bouer.
Alexandre Sakihara, 21, transou pela primeira vez "completamente por acaso" com a melhor amiga, há cinco anos.
Os dois, conta ele, aproveitaram a ausência da mãe e do padrasto dela para atacar o bar da família. "Só vimos que estávamos bêbados quando eles voltaram. Corremos para o quartinho da empregada."
Lá, ligaram a TV para esperar "o fogo passar", mas ele só fez subir: transaram, sem ruídos e com camisinha, na cama de solteiro do quartinho.
Se foi bom para ele? "Foi bêbado... Foi uma oportunidade. Mas não foi pensado antes, rolou no clima."
Rolou no clima e no clima ficou. Namorar nem passou pela cabeça dos dois ("éramos amigos demais!"), que nunca comentaram o assunto a sério.
"Hoje, a gente brinca [sobre a transa], mas nunca sentamos para conversar sobre isso." Rola uma "vergonhinha", admite.
Ao calar, eles perdem a chance de aproveitar toda a "abertura e diálogo que a proximidade entre amigos permite", diz a professora de psicologia da USP Leila Tardivo.
Não é pouco: as amizades de hoje têm "tanta ou mais intimidade do que a relação amorosa", diz Jacqueline Cavalcanti Chaves, psicóloga do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e de Intercâmbio para Infância e Adolescência Contemporânea, da UFRJ.
As duas psicólogas entendem que, com conversa e entendimento, a primeira experiência sexual com um colega pode ser bem interessante.

Tratado da ONU
Há casos em que o amigo iniciador pende mais para conhecido do que para cúmplice.
"Muitas vezes, o jovem chama de amigo alguém com quem teve contatos íntimos, mas não uma relação estável", diz Leila Tardivo, da USP.
É o caso de Tina*, 27, de Campinas (SP). Ela ilustra a fatia de 4% das garotas que disseram, na pesquisa, ter feito sexo pela primeira vez com amigo ou com amiga.
Como pode o percentual de "iniciação amigável" masculino ser tão mais alto (35%) do que o feminino? Questão de nomenclatura, analisa Jairo Bouer.
"O que explica a diferença é o conceito de o que é uma relação afetiva. As meninas tendem a achar que estão namorando mais cedo do que os garotos."
No caso de Tina, não era bem um "ficante". Tratava-se de um "amigo de rolé", como definiu, com que se encontrou poucas vezes e que "fez um favor" a ela, quando tinha 21 anos.
Depois de contar para o conhecido, de 28 anos e casado, que ainda era virgem, Tina tomou coragem e fez uma oferta para eles saírem da boate onde estavam.
A proposta, objetiva "como um acordo da ONU", era a de ele "resolver a situação", sem nenhum tipo de enlace ou obrigação fora da cama.
Selado o "tratado", foram para o motel no carro dela.
"Por saber da minha condição, ele foi superpaciente e conversou comigo durante e depois." Na saída, dividiram a conta do quarto. "Valeu cada centavo."
Casos como esse podem parecer libertários. Mas enganam, diz Jacqueline Chaves. Segundo a psicóloga, pactos desse tipo, que os jovens fazem para se livrar do fardo da virgindade, carecem de liberdade e são "só pressão social".
"É norma, igual à que mandava a garota preservar-se virgem, só que o outro lado da mesma moeda", diz Chaves.
Para a psicóloga carioca, o pragmatismo do "fui, perdi, estou livre" evolui para o sexo mecânico e sem sentimento.
Jairo Bouer se alarma menos com relações combinadas: "É uma fase, e antes que comecem assim do que com completos desconhecidos".

Fazer amor
Foi para "garantir o amor" que a professora goiana Kátia Bugni, 25, diz ter reservado o sexo até a noite de núpcias.
Kátia faz parte dos 19% das mulheres de 18 a 24 anos que só fazem sexo depois de casar.
Segundo ela, o marido, Cláudio, faz parte do centésimo (1%) de homens que também se guardam até as bodas. E ai de quem duvidar: "Ele é meu marido. Mas, antes de tudo, garanto isso porque ele é meu melhor amigo!".


* Nome fictício


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