São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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CENTRAL DO BRASIL WALTER SALLES

"Não, o meu filme não deve ganhar'

WALTER SALLES
especial para a Folha

Não é um jogo de futebol. Nem deveria ser. Mas hoje, câmeras detelevisão invadirão durante algumas horas a cidade de Cruzeiro do Nordeste. Flashes ao vivo ilustrarão uma competição que acontece do outro lado do mundo. Políticos locais dirão que a água finalmente está chegando à cidade (porque a promessa nunca cumprida é a garantia da próxima eleição).
E amanhã, como num estádio vazio após o jogo de domingo, restarão apenas os rastros dos carros que carregavam parabólicas, as sobras da festa, antes do esquecimento.
"Central do Brasil" não foi feito para tudo isso que tem acontecido. Foi mais longe do que sua vocação e seu próprio desejo. Desejo de se fazer um filme simples, sem maquiagem, sem truques, sem pretensão. Um filme realizado com o coração aberto, em que a grande maioria dos técnicos e atores nunca tinha trabalhado em cinema.
Um filme sobre a necessidade de enviar as cartas que não eram mais postas no correio, um filme contra o cinismo do nosso tempo, a favor da alteridade, da descoberta do outro. Um filme que procurou um rosto brasileiro, que tentou incorporar um não-dito, aquilo que não é visto ou ouvido na TV. E que procurou fazê-lo sem dogmatismo, sem desejo catequizante.
Lançado nos EUA, "Central" foi rebatizado "Central Station". Quiseram, a partir daí, refutar a sua origem documental, a sua inserção numa cinematografia, como se para "Central Station" não houvesse um antes nem um depois.
Chegar ao mercado americano significa lutar contra ou se submeter a uma visão industrial de cinema. Significa aprender a diferença entre aquilo que os mortais poderiam considerar uma excelente crítica nos jornais e os marketeiros definem como um "money review", a crítica que rende bilheteria e dinheiro. Não, "Central Station" não ganhou "money reviews", apenas críticas generosas e afetivas, próximas da própria matéria do filme.
Os fatores quantitativos, o quanto se gasta em publicidade e relações públicas, o quanto um filme rende na bilheteria, passam a ser os fatores determinantes para a carreira deste mesmo filme e para o julgamento da indústria na hora das premiações. É como submeter uma matéria frágil a um triturador. Por tudo isso, a experiência de "Central do Brasil" no exterior, e sobretudo nos Estados Unidos, não pode ser vista como um modelo ou um fim em si.
Voltando ao tema principal desta noite: não, não devemos ganhar o Oscar, embora eu não perca as esperanças do extraordinário talento de Fernanda Montenegro ser reconhecido, tal a evidência da sua superioridade sobre as atrizes de língua inglesa. Ao contrário da avalanche publicitária da Miramax, a campanha do nosso filme foi feita de forma correta, sem pressões ou gastos excessivos, e é bom que tenha sido assim. De mais a mais, não há nenhuma garantia que uma campanha feita em moldes tão agressivos (ou, como dizem alguns jornais, manipulativos) quanto os da Miramax pudesse ter mudado o resultado final. Agora, só nos resta esperar que o critério de julgamento seja qualitativo, e não quantitativo. E mesmo isso é subjetivo...
Alguns agradecimentos antes de partir. A Frans Krajcberg e Socorro Nobre, anjos inspiradores de "Central". A José Carlos Avellar e à Riofilme, por terem incentivado o projeto desde o início. A todos os membros dessa família que tornou o filme possível e a viagem, inesquecível. A Guilherme Menezes, à Universidade Estadual Sudoeste da Bahia e todos os amigos de Vitória da Conquista, Milagres e Cruzeiro do Nordeste. A todos aqueles que nos ajudaram na Central. Ao mestre Nelson Pereira dos Santos, por ter visto e lido o filme de forma tão generosa. A Hector Babenco, Carlos Diegues e tantos outros grandes cineastas brasileiros, pelo apoio constante. Até breve.


Walter Salles é diretor de "Central do Brasil"

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