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CENTRAL DO BRASIL WALTER SALLES
"Não, o meu filme não deve ganhar'
WALTER SALLES
especial para a Folha
Não é um jogo de futebol. Nem
deveria ser. Mas hoje, câmeras detelevisão invadirão durante algumas horas a cidade de Cruzeiro do
Nordeste. Flashes ao vivo ilustrarão uma competição que acontece
do outro lado do mundo. Políticos
locais dirão que a água finalmente
está chegando à cidade (porque a
promessa nunca cumprida é a garantia da próxima eleição).
E amanhã, como num estádio vazio após o jogo de domingo, restarão apenas os rastros dos carros
que carregavam parabólicas, as sobras da festa, antes do esquecimento.
"Central do Brasil" não foi feito
para tudo isso que tem acontecido.
Foi mais longe do que sua vocação
e seu próprio desejo. Desejo de se
fazer um filme simples, sem maquiagem, sem truques, sem pretensão. Um filme realizado com o
coração aberto, em que a grande
maioria dos técnicos e atores nunca tinha trabalhado em cinema.
Um filme sobre a necessidade de
enviar as cartas que não eram mais
postas no correio, um filme contra
o cinismo do nosso tempo, a favor
da alteridade, da descoberta do outro. Um filme que procurou um
rosto brasileiro, que tentou incorporar um não-dito, aquilo que não
é visto ou ouvido na TV. E que procurou fazê-lo sem dogmatismo,
sem desejo catequizante.
Lançado nos EUA, "Central" foi
rebatizado "Central Station". Quiseram, a partir daí, refutar a sua
origem documental, a sua inserção
numa cinematografia, como se para "Central Station" não houvesse
um antes nem um depois.
Chegar ao mercado americano
significa lutar contra ou se submeter a uma visão industrial de cinema. Significa aprender a diferença
entre aquilo que os mortais poderiam considerar uma excelente crítica nos jornais e os marketeiros
definem como um "money review", a crítica que rende bilheteria e dinheiro. Não, "Central Station" não ganhou "money reviews", apenas críticas generosas e
afetivas, próximas da própria matéria do filme.
Os fatores quantitativos, o quanto se gasta em publicidade e relações públicas, o quanto um filme
rende na bilheteria, passam a ser os
fatores determinantes para a carreira deste mesmo filme e para o
julgamento da indústria na hora
das premiações. É como submeter
uma matéria frágil a um triturador. Por tudo isso, a experiência de
"Central do Brasil" no exterior, e
sobretudo nos Estados Unidos,
não pode ser vista como um modelo ou um fim em si.
Voltando ao tema principal desta
noite: não, não devemos ganhar o
Oscar, embora eu não perca as esperanças do extraordinário talento
de Fernanda Montenegro ser reconhecido, tal a evidência da sua superioridade sobre as atrizes de língua inglesa. Ao contrário da avalanche publicitária da Miramax, a
campanha do nosso filme foi feita
de forma correta, sem pressões ou
gastos excessivos, e é bom que tenha sido assim. De mais a mais,
não há nenhuma garantia que uma
campanha feita em moldes tão
agressivos (ou, como dizem alguns
jornais, manipulativos) quanto os
da Miramax pudesse ter mudado o
resultado final. Agora, só nos resta
esperar que o critério de julgamento seja qualitativo, e não quantitativo. E mesmo isso é subjetivo...
Alguns agradecimentos antes de
partir. A Frans Krajcberg e Socorro
Nobre, anjos inspiradores de
"Central". A José Carlos Avellar e à
Riofilme, por terem incentivado o
projeto desde o início. A todos os
membros dessa família que tornou
o filme possível e a viagem, inesquecível. A Guilherme Menezes, à
Universidade Estadual Sudoeste
da Bahia e todos os amigos de Vitória da Conquista, Milagres e Cruzeiro do Nordeste. A todos aqueles
que nos ajudaram na Central. Ao
mestre Nelson Pereira dos Santos,
por ter visto e lido o filme de forma
tão generosa. A Hector Babenco,
Carlos Diegues e tantos outros
grandes cineastas brasileiros, pelo
apoio constante. Até breve.
Walter Salles é diretor de "Central do Brasil"
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