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A VIDA É BELA ROBERTO BENIGNI
"Fiz um hino à vida, porque a vida é bela"
ROBERTO BENIGNI
Permitam-me começar com um
eflúvio de satisfação, que esparramo sobre os senhores com toda a
alegria do mundo: é a primeira vez
que falo sobre esta história, é uma
emoção que me dilata os pulmões,
faz doer o quadril, desloca as costelas e me enche o coração de ternura. É como uma gravidez: a orelha
se alonga, a panturrilha engorda, a
canela se alarga e todo o âmago do
corpo se entrega à alegria da vida,
porque, para um homem, fazer um
filme é como gerar um filho. Uma
história a meio caminho das lágrimas e do riso.
(...) Mais que os outros que fiz,
"A Vida É Bela" é um filme que me
catapulta para o mundo inteiro, na
satisfação das coisas feitas que carregam consigo algo do nosso coração. Pois, como diz a Sagrada Escritura, quando o riso jorra das lágrimas, escancara-se o céu...
Essa história fez meu coração bater mais forte desde o primeiro
momento. Dizem que as grandes
idéias vêm do coração, e a idéia de
"A Vida É Bela" veio de modo instintivo. Certa vez, eu e Vincenzo
Cerami pensamos em contar a história de um jovem judeu e de seu
filho num campo de concentração
-e também de sua mulher, que
está no mesmo lugar, mas não pode nunca ver o marido e o filho. O
cúmulo da tragédia, obviamente.
Mas pensem em Carlitos, o
maior clown do mundo -que histórias não inventou? (...)
Sim, ele era um clown, e quem
observa um clown de perto é logo
tomado pelo medo. A primeira impressão é inquietante, sua risada
assusta; mas basta alguma distância, bastam alguns passos atrás para que se possa rir com a sensação
de quem escapa a um íncubo.
Mas por que, perguntarão vocês,
fazer rir de algo tão trágico, do máximo horror deste século? Porque
esta é uma história antidramática,
um filme antidramático; porque a
vida é bela, e até mesmo no horror
pode-se encontrar a semente da esperança, algo que resiste a tudo, a
qualquer destruição. Lembro-me
de Trótski e de tudo o que suportou: recluso num bunker no México, à espera dos sicários de Stálin,
ele contempla a esposa no jardim e
escreve que, apesar de tudo, a vida
é bela, digna de ser vivida.
O riso nos salva; ver o outro lado
das coisas, o lado surrealista e divertido (ou ao menos conseguir
imaginá-lo) ajuda quem não quer
ser pisado e esmigalhado como um
graveto, ajuda a resistir à noite,
mesmo que longa, longuíssima.
E, além disso, o riso não ofende:
ao redor do nosso tema viceja todo
um humor judaico temerário.
Foi assim que imaginamos um
filme fantástico, quase de ficção
científica, uma fábula onde não há
nada de real, de neo-realista, de
realismo. Não vale a pena procurar
por esse tipo de coisa em "A Vida É
Bela". Queríamos antes de tudo
contar as emoções de uma família
traumaticamente separada e não
os detalhes do desvario nazista.
E, ademais, quem disse que tais
horrores são exclusivos do nazismo? É bem o caso de investigar
quais as feições atuais do que certa
vez se chamou nazismo. Pois o
problema é que esses horrores podem se repetir a qualquer hora (...).
No filme não se vêem os horrores, pois quanto mais o imaginamos, maior ele é: Edgar Allan Poe
ensinou a não espiar o horror pelo
buraco da fechadura. Bastam alusões (...).
Eis aí o essencial: o contraste entre sua vontade de ser feliz e a
monstruosidade das coisas que os
circundam. Certo, não se vêem as
monstruosidades, o campo de
concentração não é identificável,
mas corresponde ao nosso imaginário, ao horror que agora todos
levamos conosco. A violência não é
negada, lá estão os mortos e lá estão as câmaras de gás, mas sempre
à margem da história: na tela estão
sempre um pai e seu filhinho (...).
O filme é um hino ao fato de sermos condenados a amar poeticamente a vida: porque a vida é bela.
Trechos do "relato" que Roberto Benigni fez "em
viva voz" quando lhe perguntaram o que teria a
dizer sobre o filme que estava rodando. É usado
como apresentação do livro "A Vida É Bela", com
o roteiro do filme, recém-publicado pela Companhia das Letras (tradução de Manuel Olivio).
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