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Urbanismo versus realidade
Cidade planejada chega aos 50 anos imersa na maior crise política de sua história e com graves problemas de transporte, habitação e emprego
por JOHANNA NUBLAT
da Sucursal de Brasília
Capital planejada e tida como
uma síntese do país, Brasília
chega hoje aos 50 anos imersa
na maior crise política e urbana
de sua curta história. Com um
governador cassado recém-libertado da prisão, um quinto
da população morando em área
irregular, o lago que a serve assoreando e a maior desigualdade de renda do país, os brasilienses se questionam se há
mesmo o que comemorar.
A cidade vive um paradoxo:
os problemas se colocam ao lado de virtudes, como a qualidade de vida superior à média das
metrópoles, as áreas verdes e a
arquitetura única. Acabou erodida pelos escândalos locais e
importados, que lhe imputaram a pecha de antro de corrupção. "O carioca é malandro;
o baiano, preguiçoso; e o brasiliense, corrupto", diz Nicolas
Behr, poeta radicado na cidade
há 35 anos, citando preconceitos regionais correntes.
Behr é o autor das camisetas
que circulam pela cidade com
os dizeres: "Sou de Brasília,
mas juro que sou inocente". A
estampa surgiu após o mais recente escândalo, o chamado
mensalão do DEM, que derrubou toda a cúpula do governo
local e colocou a cidade sob risco de intervenção federal.
Em imagens divulgadas na
televisão e na internet, deputados distritais da base aliada foram pegos recebendo o que, segundo investigação da Polícia
Federal, seria propina para que
as votações na Câmara Legislativa corressem como queria o
governo. Pego recebendo dinheiro e orientando a distribuição dele, o governador José Roberto Arruda ficou dois meses
preso e acabou sendo cassado
pela Justiça Eleitoral.
Desde o afastamento do governador, o Distrito Federal já
foi governado pelo vice-governador, Paulo Octávio (DEM),
que renunciou em fevereiro; a
seguir, pelo presidente da Câmara do DF, Wilson Lima (PR);
e, desde anteontem, por Rogério Rosso (PMDB), eleito pelo
Legislativo para um mandato-tampão de oito meses.
"A sociedade brasiliense, trabalhadora, é a luz no fim do túnel", defende o maestro Rênio
Quintas, um dos coordenadores da festa independente,
"Brasília, outros 50", que ocorre desde ontem na cidade.
Plano Diretor
Um dos projetos que teria sido aprovado sob a influência do
mensalão do DEM, segundo o
denunciante do esquema, é o
que chancelou o Plano Diretor
de Ordenamento Territorial,
questionado pelo Ministério
Público e por entidades.
Segundo Cássio Taniguchi,
ex-secretário de desenvolvimento urbano do Distrito Federal e um dos responsáveis
pelo plano, o projeto só aumenta a densidade numa região e
cria novas áreas de preservação.
A situação, porém, continua
longe da desejável, diz ele, que
aponta os problemas da cidade:
500 mil pessoas vivem em terras irregulares (uma parte delas em áreas de risco ambiental), concentração de empregos
no centro, transporte precário
e falta de planejamento.
O ex-secretário apresenta
um dado que mostra a dependência das cidades-satélites do
Plano Piloto, única região tombada como patrimônio da humanidade. Segundo ele, enquanto 70% dos empregos estão concentrados no Plano Piloto, 80% da população habita
fora dele. Nas palavras de Taniguchi, isso gera um movimento
pendular "maluco".
A necessária movimentação
para o centro, aliada a um
transporte público que deixa a
desejar, colabora para o aumento do fluxo de veículos.
Apesar de a frota brasiliense
ter tido um crescimento levemente inferior à média nacional entre 1987 e 2009, o Distrito Federal já tem hoje a 12ª
maior frota entre os Estados,
sendo que seu território equivale a 26% da área do menor
Estado brasileiro -Sergipe.
Desigualdade
A relação Plano Piloto-satélites também mostra grande
disparidade econômica. A divisão fica clara com a seguinte
comparação: enquanto o Distrito Federal tem a maior renda
per capita do país e Índice de
Desenvolvimento Humano de
país ultracivilizado, tem também o maior índice de Gini (ou
seja, a maior desigualdade na
distribuição da renda do Brasil), conforme dados da Pnad
(Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios) de 2008.
A média salarial do Lago Sul
(bairro mais nobre da capital)
era de 43,4 salários mínimos,
contra 1,6 em Itapoã e 2,8 no
Varjão (áreas em que pelo menos parte da ocupação é irregular) em 2004.
Tamanha desigualdade gera
apreensão dos brasilienses
quanto ao crescimento da violência, como ondas de sequestros relâmpagos recentes.
Dados da Polícia Civil, dos últimos dois anos e meio, apontam o crescimento da apreensão de maconha e, principalmente, de crack -que passou
de 4,3 kg em 2008 para 11,9 km
em 2009- e a redução da quantidade de cocaína apreendida.
A Folha pediu o histórico de
homicídios, mas obteve a resposta de que não receberia os
dados em tempo hábil.
Por que Brasília, planejada
pelo urbanista Lucio Costa para evitar "uma indevida e indesejável estratificação" dentro
mesmo dos limites do Plano Piloto, chega ao cinquentenário
desta forma? Segundo especialistas, pela falta de preocupação com o crescimento.
Planejamento
"A base do problema é a falta
de planejamento regional",
afirma Alfredo Gastal, superintendente do Iphan (Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) no DF.
Para Frederico Flósculo,
professor de arquitetura da
UnB (Universidade de Brasília), "o principal problema é o
Plano Piloto ter sido visto como
um objeto, ele deveria ter sido
um guia [de ordenamento] para
o crescimento que viesse a seguir. Então, Brasília é um improviso só".
Especificamente, faltou preservar a área próxima do Plano
Piloto, que tem influência direta na região tombada, afirma
Maria Elisa Costa, filha do urbanista que morreu em 1998,
quanto tinha 96 anos: "A grande ameaça é que a especulação
imobiliária cerque a área tombada com uma paliçada de torres de 20, 30 andares, isolando
Brasília dos 360º de horizonte
do planalto, quando a relação
da cidade com sua paisagem
natural faz parte da partitura
original", diz ela.
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