São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cultura fora do plano

O som criado por bandas das áreas nobres da cidade, como Legião Urbana, Paralamas e Capital Inicial, tinha pouco a dizer aos moradores da periferia

por ANA PAULA SOUSA
enviada especial a Brasília

Aqui era pra ser o centro cultural de Ceilândia. Era para ter cinema, teatro", diz o cineasta Adirley Queirós, 40. Era para ter, mas não tem. "Aqui funciona a biblioteca. Quando a gente era criança, nem isso tinha", diz o mentor do Coletivo de Cinema de Ceilândia. "Vivemos numa maquete, mas a maquete rachou. A cultura de Brasília é um pouco essa utopia não realizada", diz o também cineasta Vladimir Carvalho, 75.
A cultura de Brasília é a cultura de uma cidade partida: entre o coletivo que tenta vingar em Ceilândia e o sonho de cinema forjado na UnB parece haver um muro. "Cultura é o que a gente faz aqui. Você acha que eu gostava de Legião [Urbana] quando era moleque?", diz Queirós, referindo-se ao filme de Carvalho, "Rock Brasília".
"Entrevistei os meninos do Paralamas, do Legião, do Capital Inicial. Eles são fruto do casamento da diplomacia com a pós-graduação", brinca o documentarista: "Ou eles ficavam debaixo de um bloco fumando maconha ou iam fazer rock".
Fizeram o rock que é, até hoje, a principal marca cultural de Brasília. Para o jornalista Carlos Marcelo, autor do livro "Renato Russo - o Filho da Revolução", a onda musical dos anos 80 foi uma reação à cidade que "poderia ter sido o que não foi": "A cidade foi uma utopia que, em quatro anos, estava desfigurada. Essa deformação contribuiu para essa geração adolescente se insurgir contra a cidade igualmente adolescente".
Mas, para os adolescentes de fora do Plano, essa reação dizia muito pouco: "O avião nunca viveu a cultura negra, que é a nossa cultura", diz GOG (Genival Oliveira Gonçalves), 45, rapper de Guará que só agora se sente reconhecido em Brasília.
Ao chegar à reunião para discutir o material gráfico do evento "Brasília, Outros 50", GOG disse aos designers: "A ideia da festa é falar da diversidade da nossa cultura. Não dá pra deixar um cartaz só com imagens do Plano; tem de botar a caixa d'água de Ceilândia, o relógio de Taguatinga". Os jovens ouviram atentos, mas disseram que o material devia evitar a ideia de confronto. GOC retrucou: "É, mas tem hora que a gente tem que bater de frente. Não acredito em arte pela arte. Arte tem que transformar".
No fim, o evento "Brasília, Outros 50" não baterá de frente com os festejos oficiais, mas levará as cidades-satélites para o Plano: "Queremos mostrar que Brasília é mais que o avião. Se tem alguma coisa nova na cultura daqui, te garanto que não é aqui no meio desses blocos que ela está sendo feita", diz GOG.


Texto Anterior: Metade da população é de forasteiros
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.