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Cultura fora do plano
O som criado por bandas das áreas nobres da cidade, como Legião Urbana, Paralamas e Capital Inicial,
tinha pouco a dizer aos moradores da periferia
por ANA PAULA SOUSA
enviada especial a Brasília
Aqui era pra ser o centro cultural de Ceilândia. Era para ter cinema, teatro", diz o cineasta
Adirley Queirós, 40. Era para
ter, mas não tem. "Aqui funciona a biblioteca. Quando a gente
era criança, nem isso tinha", diz
o mentor do Coletivo de Cinema de Ceilândia. "Vivemos numa maquete, mas a maquete
rachou. A cultura de Brasília é
um pouco essa utopia não realizada", diz o também cineasta
Vladimir Carvalho, 75.
A cultura de Brasília é a cultura de uma cidade partida: entre o coletivo que tenta vingar
em Ceilândia e o sonho de cinema forjado na UnB parece haver um muro. "Cultura é o que a
gente faz aqui. Você acha que
eu gostava de Legião [Urbana]
quando era moleque?", diz
Queirós, referindo-se ao filme
de Carvalho, "Rock Brasília".
"Entrevistei os meninos do
Paralamas, do Legião, do Capital Inicial. Eles são fruto do casamento da diplomacia com a
pós-graduação", brinca o documentarista: "Ou eles ficavam
debaixo de um bloco fumando
maconha ou iam fazer rock".
Fizeram o rock que é, até hoje, a principal marca cultural de
Brasília. Para o jornalista Carlos Marcelo, autor do livro "Renato Russo - o Filho da Revolução", a onda musical dos anos
80 foi uma reação à cidade que
"poderia ter sido o que não foi":
"A cidade foi uma utopia que,
em quatro anos, estava desfigurada. Essa deformação contribuiu para essa geração adolescente se insurgir contra a cidade igualmente adolescente".
Mas, para os adolescentes de
fora do Plano, essa reação dizia
muito pouco: "O avião nunca
viveu a cultura negra, que é a
nossa cultura", diz GOG (Genival Oliveira Gonçalves), 45,
rapper de Guará que só agora se
sente reconhecido em Brasília.
Ao chegar à reunião para discutir o material gráfico do
evento "Brasília, Outros 50",
GOG disse aos designers: "A
ideia da festa é falar da diversidade da nossa cultura. Não dá
pra deixar um cartaz só com
imagens do Plano; tem de botar
a caixa d'água de Ceilândia, o
relógio de Taguatinga". Os jovens ouviram atentos, mas disseram que o material devia evitar a ideia de confronto. GOC
retrucou: "É, mas tem hora que
a gente tem que bater de frente.
Não acredito em arte pela arte.
Arte tem que transformar".
No fim, o evento "Brasília,
Outros 50" não baterá de frente
com os festejos oficiais, mas levará as cidades-satélites para o
Plano: "Queremos mostrar que
Brasília é mais que o avião. Se
tem alguma coisa nova na cultura daqui, te garanto que não é
aqui no meio desses blocos que
ela está sendo feita", diz GOG.
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