São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

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Militares vêem crise e adotam o silêncio

DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

A Argentina precisou de 60 anos, até 1989, para que um presidente civil, legitimamente eleito, entregasse a faixa a outro civil igualmente eleito de forma democrática.
No intervalo, uma sequência interminável de golpes militares.
Por que, então, os quartéis argentinos se mantiveram no mais absoluto e inquebrantável silêncio nesta crise que, este ano, se tornou aguda e completa (econômica, social e política)?
A resposta mais simples é esta: a era dos golpes militares passou de moda, não só na Argentina mas em toda a América Latina.
Mesmo no auge da crise, uma pesquisa exibida pelo delegado da ONU na Argentina ao então presidente Fernando de la Rúa, anteontem, mostrava que 80% dos consultados preferiam a democracia, ainda que 70% deles mostrassem repúdio aos políticos de modo geral.
As Forças Armadas foram usadas na América Latina como garantidoras do status quo. Sempre que este esteve suposta ou realmente ameaçado, elas entravam em ação, em geral para superar a "subversão", definida invariavelmente de uma forma bastante abrangente.
O fim do comunismo pôs fim, igualmente, ao maior risco de subversão. E tornou a intervenção das Forças Armadas obsoleta e dispensável.
No caso argentino, há mais fatores a concorrer para o silêncio dos quartéis.
Primeiro, a profunda desmoralização decorrente da violência praticada contra os direitos humanos na mais recente ditadura militar, a do período 1976/83, ao que se acrescentou a derrota na Guerra das Malvinas contra os ingleses, em 1982.
Segundo, consequência do primeiro, o desaparelhamento das Forças Armadas, vítimas, como toda a sociedade, dos chamados ajustes econômicos, que enxugaram orçamentos em todos os países.
Sem a força política de antes, os militares não conseguem fazer valer suas reivindicações funcionais e de aparelhamento.
No caso específico da Argentina, nesta época do ano, boa parte do contingente militar está de férias coletivas, um fator adicional a contribuir para a normalidade institucional com que transcorreu a renúncia de De la Rúa.
Por fim, há o fato de que o recolhimento das Forças Armadas às suas funções profissionais fez murchar as lideranças castrenses. Até a década de 80, o mundo político e a mídia sabiam de cor quais eram os generais ou brigadeiros ou almirantes que lideravam suas respectivas forças e ainda tinham audiência nas outras duas. Candidatos certos ao caudilhismo, este fardado, que é uma marca política na América Latina.
Hoje, não. Nenhum jornal argentino de ontem nem o noticiário dos telejornais mencionou um único nome de oficial das Forças Armadas.
Talvez seja a única boa notícia produzida pela Argentina nos últimos muitos meses.



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