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ANÁLISE
"Estado argentino acabou"
DA REPORTAGEM LOCAL
O cientista político argentino
Guillermo O'Donnell afirma que
em seu país "o Estado acabou". Isso explica a forma espontânea
com que se desenrolam as manifestações de rua, sem que existam
sindicatos ou partidos que comandem os protestos.
O Estado, diz ele, é historicamente para a sociedade uma referência de organização e de ordem.
Mas, nos últimos 25 anos, as elites
que governaram a Argentina se
empenharam no desmonte das
instituições oficiais.
A sociedade, sem interlocutores, passou então a dialogar de
maneira dispersa com fragmentos da antiga autoridade estatal.
Nas últimas horas, diante do palácio presidencial, em Buenos Aires, manifestantes entram em
confronto com a polícia. Um fragmento do Estado está presente.
Mas nas periferias da cidade, diz
o cientista político, hoje pesquisador na Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, a mesma
polícia autoriza saques a supermercados e pede, em troca, que os
saqueadores dividam os mantimentos saqueados com ela.
A Argentina, no passado, dispunha de organizações estruturadas
para o diálogo entre a sociedade e
o Estado. Eram fortes os seus sindicatos, reunidos na CGT (de
orientação peronista), eram antigos e com lastro social seus partidos políticos, como a UCR (União
Cívica Radical), o PJ (Partido Justicialista, peronista) e, recentemente, a Frepaso (Frente para um
País Solidário).
A esquerda, existente com todos os seus matizes, foi dizimada
em extensão próxima à de um genocídio durante o último regime
militar (1976-1983).
Não são essas as entidades que
comandam nas ruas argentinas,
desde quarta-feira, as manifestações contra a recessão e contra a
proletarização da classe média.
Não há comando algum.
"É como se fosse a Bastilha sem
os jacobinos, ou o assalto ao Palácio de Inverno sem os bolcheviques", diz O'Donnell, em referência aos episódios de 1789 e de 1917
que desencadearam a Revolução
Francesa e a Revolução de Outubro, na Rússia.
Com a renúncia de Cavallo, artífice da atual política econômica,
os bancos têm duas opções. Ou
mantêm o limite de saque que o
governo decretara, alimentando o
descontentamento, ou suspendem esse limite, o que os deixaria
sem condições de atender os correntistas. Quebrariam e gerariam
nova onda de protestos.
(JOÃO BATISTA NATALI)
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