São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

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ANÁLISE

"Estado argentino acabou"

DA REPORTAGEM LOCAL

O cientista político argentino Guillermo O'Donnell afirma que em seu país "o Estado acabou". Isso explica a forma espontânea com que se desenrolam as manifestações de rua, sem que existam sindicatos ou partidos que comandem os protestos.
O Estado, diz ele, é historicamente para a sociedade uma referência de organização e de ordem. Mas, nos últimos 25 anos, as elites que governaram a Argentina se empenharam no desmonte das instituições oficiais.
A sociedade, sem interlocutores, passou então a dialogar de maneira dispersa com fragmentos da antiga autoridade estatal.
Nas últimas horas, diante do palácio presidencial, em Buenos Aires, manifestantes entram em confronto com a polícia. Um fragmento do Estado está presente.
Mas nas periferias da cidade, diz o cientista político, hoje pesquisador na Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, a mesma polícia autoriza saques a supermercados e pede, em troca, que os saqueadores dividam os mantimentos saqueados com ela.
A Argentina, no passado, dispunha de organizações estruturadas para o diálogo entre a sociedade e o Estado. Eram fortes os seus sindicatos, reunidos na CGT (de orientação peronista), eram antigos e com lastro social seus partidos políticos, como a UCR (União Cívica Radical), o PJ (Partido Justicialista, peronista) e, recentemente, a Frepaso (Frente para um País Solidário).
A esquerda, existente com todos os seus matizes, foi dizimada em extensão próxima à de um genocídio durante o último regime militar (1976-1983).
Não são essas as entidades que comandam nas ruas argentinas, desde quarta-feira, as manifestações contra a recessão e contra a proletarização da classe média. Não há comando algum.
"É como se fosse a Bastilha sem os jacobinos, ou o assalto ao Palácio de Inverno sem os bolcheviques", diz O'Donnell, em referência aos episódios de 1789 e de 1917 que desencadearam a Revolução Francesa e a Revolução de Outubro, na Rússia.
Com a renúncia de Cavallo, artífice da atual política econômica, os bancos têm duas opções. Ou mantêm o limite de saque que o governo decretara, alimentando o descontentamento, ou suspendem esse limite, o que os deixaria sem condições de atender os correntistas. Quebrariam e gerariam nova onda de protestos.
(JOÃO BATISTA NATALI)



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