São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

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VIOLÊNCIA

Tumultos continuam em Buenos Aires

Agências de bancos foram depredadas, loja do McDonald's acabou destruída e focos de incêndio se espalhavam pela capital argentina na noite de ontem

Reuters
Centenas de argentinos fazem marcha de protesto contra o governo de De la Rúa no distrito financeiro da capital, Buenos Aires


FABRICIO VIEIRA
DE BUENOS AIRES

LEO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BUENOS AIRES

A onda de tumultos e vandalismo deflagrada na noite de anteontem em Buenos Aires sacudia mais uma vez a capital argentina na noite de ontem, a despeito do estado de sítio decretado pelo renunciante Fernando de la Rúa.
Anoitecia quando ações de vandalismo começaram a se espalhar pela região conhecida por "microcentro". Os protestos pacíficos foram esquecidos pelos jovens que caminhavam entoando palavras de ordem contra o governo De la Rúa, que chegava ao fim.
Não demorou para que uma pedra estilhaçasse os vidros da sede da empresa de entregas postais Oca. Logo, seguiu-se um coquetel molotov, vindo da mão de um jovem de mochila nas costas, e as chamas tomaram conta da loja localizada na esquina de uma avenida normalmente movimentada.
Um restaurante do McDonald's foi o próximo alvo. Depois de erguerem a porta de ferro, alguns jovens, com lenços cobrindo o rosto, entraram e passaram a lançar para fora tudo o que podiam: cadeiras, máquinas registradoras, prateleiras e cartazes.
"Vai, De la Rúa, chega de exploração. Viva o povo argentino!", gritava Pablo Guerrini, de 19 anos. Guerrini, estudante de sociologia na UBA (Universidade de Buenos Aires), dizia-se feliz, esperançoso de que as coisas mudariam daqui para a frente. "O importante é que De la Rúa e Cavallo [ex-ministro da Economia" se foram. Falta apenas o FMI nos deixar em paz."
As agências bancárias não escaparam da ira. Rapidamente tiveram seus vidros quebrados e, em alguns casos, focos de incêndio foram registrados. Pelo menos as agências dos bancos BBVA, Galicia, Provincia e Citibank que ficam na região foram atingidas.
A repressão policial se concentrou durante a maior parte do dia nas redondezas da praça de Maio, em frente à Casa do Governo. Os atos de vandalismo aconteceram principalmente perto do Obelisco, símbolo de Buenos Aires, oito quadras distante dali.
A polícia chegou à área quando os focos de incêndio se espalhavam. Montados em cavalos, os policiais tentavam atingir os jovens com cassetetes, mas as chamas assustavam os animais, que retrocediam, o que tornava infrutífera a maioria das investidas.
Carros particulares e veículos da empresa Oca que estavam estacionados próximos não foram poupados. Tiveram seus vidros quebrados e foram incendiados.
Perto das 22h, a fumaça, os cacos de vidro pelo chão e os gritos de "adeus De la Rúa" formavam o cenário da região.
Já há uma ação na Justiça prevendo a responsabilização do presidente demissionário Fernando de la Rúa, do ministro do Interior, Ramón Meste, e do secretário de Segurança, Enrique Mathov, pelas cinco mortes em conflito.
Desde a noite de anteontem, manifestantes acamparam no local e enfrentaram os policiais, que dispararam balas de borracha e gás lacrimogêneo. Ontem, foi ateado fogo a carros e a prédios onde houve saques.
O conflito na praça se intensificou no início da tarde, quando manifestantes se mantinham nas proximidades da Casa Rosada. Para afastá-los, a polícia avançou com seus cavalos e pisoteou manifestantes que estavam sentados.
As pessoas fizeram fogueiras e atiraram pedras contra os policiais, que avançavam com seus cavalos e respondiam jogando jatos de água. A avenida Diagonal Sul ficou, em determinado momento, tomada pela fumaça.
Outros acessos à praça também foram bloqueados, com objetos utilizados pelos manifestantes como trincheira. A polícia utilizava caminhões blindados.
Na avenida de Mayo, que liga a Casa Rosada ao Congresso Nacional em linha reta, transitavam manifestantes. Diversos prédios das redondezas já tinham suas vidraças quebradas, em razão das manifestações de anteontem. A cidade se manteve durante todo o dia sob o medo de que ocorressem novos saques, o que efetivamente acabou acontecendo.
Havia pessoas de várias idades entre as centenas de manifestantes. Os protestos não se dirigiam exclusivamente ao governo, mas a todos os políticos.
Até a noite de ontem, eram 21 o número de mortos registrados pelos confrontos no país. Das mortes, cinco foram registradas na capital do país, oito na Província (Estado) de Buenos Aires. Os cinco mortos na capital foram vítimas de tiros e estavam nas imediações da praça de Maio, palco de violentos confrontos entre policiais e manifestantes.


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