São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

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DÍVIDA

EUA negam dinheiro e sugerem calote

Bush não relaxa a dura política que tem sido aplicada em relação ao país; governo dos EUA teme que caos se alastre a outras nações latino-americanas

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

O colapso econômico e político na Argentina não foi suficiente para relaxar a política dura que a Casa Branca tem aplicado desde janeiro aos problemas financeiros do país. O presidente George W. Bush e seus principais assessores ofereceram ontem muitas palavras de solidariedade aos argentinos, mas deixaram claro que os cofres dos EUA e do FMI continuam fechados.
Depois de soltar uma nota dizendo-se consternado com os mortos argentinos, o secretário do Tesouro, Paul O'Neill, declarou que a Argentina não conseguirá pagar sua dívida externa e fez um apelo indireto para que o país decrete o calote.
"Parece claro que eles não serão capazes de pagar os juros de uma dívida desse tamanho", disse ele ontem. "Eles (os argentinos) estão verificando as opções difíceis que um país soberano tem que tomar para colocar-se de pé financeiramente. Essa iniciativa tem que vir do país. Não é algo que pode ser imposto de fora."
A reação de O'Neill veio horas depois de a Casa Branca ter indicado que não dará ajuda direta para conter a crise social na Argentina, embora tenha informado que o presidente George W. Bush está muito preocupado com os acontecimentos no país.
O porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, leu na manhã de ontem uma nota informando que Bush "está preocupado com os acontecimentos na Argentina e acompanha a situação atentamente".
Segundo a nota, "os EUA continuam assinalando que o presidente quer ver a Argentina trabalhando com o FMI para sair dessa situação e restabelecer um crescimento duradouro".
Indagado se essa "preocupação" poderia transformar-se numa ajuda financeira direta ao país, Fleischer disse: "A nota que li de manhã fala por conta própria. O presidente quer ver a Argentina trabalhando com o FMI para encontrar um programa sustentável para o país." As declarações de Fleischer e de O'Neill foram feitas antes da renúncia do presidente Fernando De la Rúa.

Contágio
Um assessor do Tesouro norte-americano informou à Folha que os EUA esforçaram-se durante meses para convencer a Argentina "a lidar com o problema de sua dívida de forma definitiva" (um eufemismo para a moratória) e que os apelos norte-americanos foram rejeitados pelo ministro Domingo Cavallo.
Segundo ele, os EUA temem que as mudanças que poderiam ter sido feitas controladamente aconteçam agora de forma caótica, o que poderia causar o contágio dos países vizinhos.
A reação pública do Tesouro norte-americano foi tão rica em palavras e pobre em dinheiro quanto à da Casa Branca.
Tony Fratto, assessor do secretário Paul O'Neill, disse que seu chefe está "muito preocupado com a violência e com a perda de vidas devido aos eventos de ontem na Argentina." Segundo ele, "esses eventos ressaltam a importância dos esforços da Argentina de colocar-se num patamar sustentável".
As reações da Casa Branca e do Tesouro são símbolos fidedignos do tratamento dado pelo governo norte-americano à Argentina depois da posse do presidente Bush e de sua equipe econômica, em janeiro passado.
O'Neill levou para o governo a filosofia de que os EUA e os organismos multilaterais deveriam ter papel mais reduzido nas crises e estimular os países emergentes a darem o calote em suas dívidas, punindo assim os credores privados.
Segundo esse pensamento, os pacotes do FMI geralmente beneficiam investidores ricos, e não populações.
Em agosto, os EUA se opuseram ao fortalecimento do pacote de ajuda à Argentina e exigiram do país a reestruturação forçada de sua dívida. À época, o ministro Cavallo criticou o governo norte-americano, acusando O'Neill de querer transformar a economia da Argentina numa espécie de "rato de laboratório".


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