São Paulo, Quinta-feira, 22 de Abril de 1999
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HISTÓRIA
Professor de história crê que ensino português abandonou enfoque da colonização em versão cor-de-rosa
TV cria o perfil do brasileiro, não a escola

do enviado especial a Lisboa

Dos entrevistados pelo Datafolha na cidade do Rio de Janeiro, 53% concordam -totalmente ou em parte- com a idéia de que os problemas econômicos enfrentados nas últimas décadas pelo Brasil são resultado do modelo de colonização adotado pelos portugueses.
Arlindo Caldeira, 52, professor de história e autor de livros didáticos, encara essa crença com bom humor: "Vocês já tiveram tempo bastante para corrigir isso...".
Passados mais de 170 anos da Independência, o acerto de contas em torno dos benefícios e prejuízos do passado colonial ainda parece suscitar polêmicas.
"No período salazarista", relata Caldeira, "aprendíamos que a empresa colonial portuguesa foi harmoniosa e bem-sucedida, um grande feito. Tudo se passava dentro de um cenário de Gilberto Freyre (antropólogo brasileiro, autor de "Casa Grande e Senzala") pintado de cor-de-rosa".
Hoje, a escola portuguesa procura ensinar a história da colonização com uma visão um pouco mais dinâmica e conflituosa. Em Portugal, o ensino obrigatório engloba nove anos. No primeiro grau, de quatro anos, não há aulas de história. No segundo, de dois anos, e no terceiro, de três, ensina-se história de Portugal e história universal. É onde entra a colonização do Brasil.
Caldeira é autor do ensaio "Mulheres, Sexualidade e Casamento em São Tomé e Príncipe - Séculos 15 a 18" (Editorial Cosmos), trabalho que mereceu o prestigioso Prêmio Dom João de Castro, oferecido pela Comissão dos Descobrimentos -responsável pelos eventos comemorativos da aventura marítima portuguesa.
A seguir, o professor fala do ensino de história em Portugal e sobre como o Brasil é apresentado aos jovens em seu país. (MAG)

Folha - Com que imagem do Brasil os portugueses saem da escola?
Arlindo Caldeira -
A imagem que o Brasil tem hoje em Portugal não é dada pela escola, mas pela televisão. Cada vez mais duvido da capacidade da escola, do modo em que está organizada, de cumprir as suas funções. A escola ensina os fatos, dá uma imagem básica, mas não tem como competir com a TV. De qualquer modo, ensinamos hoje uma história com mais conflitos do que na época salazarista, quando tudo parecia harmonioso e cor-de-rosa. Mesmo porque, a própria escola portuguesa atual é multicultural, com a presença de alunos de origem africana. Mas não deixa de ser uma história ensinada do ponto de vista do colonizador.
Folha - Que períodos são abordados e como o Brasil é tratado?
Caldeira -
É tratado no contexto das colônias. Basicamente, ensinamos a colonização, a ida da Corte e a Independência. Depois da Independência, o Brasil desaparece.
Folha - Desaparece totalmente?
Caldeira
- Quase totalmente. No nono ano o Brasil volta a ser mencionado, apenas como um dos destinos da emigração portuguesa.
Folha - Como são abordados os movimentos contra os portugueses, que foram organizados no Brasil, como a Inconfidência Mineira?
Caldeira -
Não há uma falsificação, mas diria que há uma omissão. Quando fala-se da Independência não se fala dos movimentos autonomistas. Ela é vista como resultado de uma política inábil da Corte, sem que explique muito o contexto dos movimentos. É uma visão etnocentrista, mas isso é quase inevitável. Precisamos fazer opções. Se os alunos já não querem saber de Portugal, por que iriam se interessar pelo outro?
Folha - No Brasil cada vez mais fala-se do extermínio de populações indígenas, que continuou após a Independência. Comenta-se isso na escola portuguesa?
Caldeira -
Há uma idéia salazarista, muito difundida, de que os espanhóis mataram e exterminaram as populações locais, de que a colonização espanhola foi violenta, mas a portuguesa, não. Hoje, ao menos, falamos dos povos preexistentes não mais como bárbaros e selvagens. Antigamente eles eram praticamente desconsiderados.
Folha - Segundo a pesquisa realizada em Lisboa, 40% dos portugueses entrevistados não sabem quem descobriu o Brasil...
Caldeira -
Não espanta. É provável que entre os mais jovens o número seja ainda maior. Mas o fato de que eles desconheçam os fatos não significa que a escola não os ensinou. No meu tempo de escola, éramos obrigados a memorizar toda a sucessão dos reis portugueses. A memorização vem caindo de geração a geração. É um fenômeno internacional. Isso está ligado à cultura da TV e da imagem, à idéia de que não interessa fixar, de que o que interessa é o movimento.
Folha - Aprende-se na escola portuguesa que dom Pedro 4º é o mesmo Pedro 1º, que proclamou a Independência do Brasil?
Caldeira -
Ensina-se na escola, se aprende-se é outra coisa. A propósito, há uma piada famosa por aqui. Dizem que o presidente Costa e Silva (regime militar, 1967-69), ao visitar Portugal, não conseguia entender essa história de Pedro 1º ser o Pedro 4º e saiu-se com essa: "Deve ser o fuso horário"...


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