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HISTÓRIA
Professor de história crê que ensino português abandonou enfoque da colonização em versão cor-de-rosa
TV cria o perfil do brasileiro, não a escola
do enviado especial a Lisboa
Dos entrevistados pelo Datafolha
na cidade do Rio de Janeiro, 53%
concordam -totalmente ou em
parte- com a idéia de que os problemas econômicos enfrentados
nas últimas décadas pelo Brasil são
resultado do modelo de colonização adotado pelos portugueses.
Arlindo Caldeira, 52, professor
de história e autor de livros didáticos, encara essa crença com bom
humor: "Vocês já tiveram tempo
bastante para corrigir isso...".
Passados mais de 170 anos da Independência, o acerto de contas
em torno dos benefícios e prejuízos do passado colonial ainda parece suscitar polêmicas.
"No período salazarista", relata
Caldeira, "aprendíamos que a empresa colonial portuguesa foi harmoniosa e bem-sucedida, um
grande feito. Tudo se passava dentro de um cenário de Gilberto
Freyre (antropólogo brasileiro, autor de "Casa Grande e Senzala")
pintado de cor-de-rosa".
Hoje, a escola portuguesa procura ensinar a história da colonização com uma visão um pouco mais
dinâmica e conflituosa. Em Portugal, o ensino obrigatório engloba
nove anos. No primeiro grau, de
quatro anos, não há aulas de história. No segundo, de dois anos, e no
terceiro, de três, ensina-se história
de Portugal e história universal. É
onde entra a colonização do Brasil.
Caldeira é autor do ensaio "Mulheres, Sexualidade e Casamento
em São Tomé e Príncipe - Séculos
15 a 18" (Editorial Cosmos), trabalho que mereceu o prestigioso Prêmio Dom João de Castro, oferecido pela Comissão dos Descobrimentos -responsável pelos eventos comemorativos da aventura
marítima portuguesa.
A seguir, o professor fala do ensino de história em Portugal e sobre
como o Brasil é apresentado aos
jovens em seu país.
(MAG)
Folha - Com que imagem do Brasil os portugueses saem da escola?
Arlindo Caldeira - A imagem que
o Brasil tem hoje em Portugal não é
dada pela escola, mas pela televisão. Cada vez mais duvido da capacidade da escola, do modo em que
está organizada, de cumprir as
suas funções. A escola ensina os fatos, dá uma imagem básica, mas
não tem como competir com a TV.
De qualquer modo, ensinamos hoje uma história com mais conflitos
do que na época salazarista, quando tudo parecia harmonioso e cor-de-rosa. Mesmo porque, a própria
escola portuguesa atual é multicultural, com a presença de alunos de
origem africana. Mas não deixa de
ser uma história ensinada do ponto de vista do colonizador.
Folha - Que períodos são abordados e como o Brasil é tratado?
Caldeira - É tratado no contexto
das colônias. Basicamente, ensinamos a colonização, a ida da Corte e
a Independência. Depois da Independência, o Brasil desaparece.
Folha - Desaparece totalmente?
Caldeira - Quase totalmente. No
nono ano o Brasil volta a ser mencionado, apenas como um dos destinos da emigração portuguesa.
Folha - Como são abordados os
movimentos contra os portugueses, que foram organizados no Brasil, como a Inconfidência Mineira?
Caldeira - Não há uma falsificação, mas diria que há uma omissão. Quando fala-se da Independência não se fala dos movimentos
autonomistas. Ela é vista como resultado de uma política inábil da
Corte, sem que explique muito o
contexto dos movimentos. É uma
visão etnocentrista, mas isso é
quase inevitável. Precisamos fazer
opções. Se os alunos já não querem
saber de Portugal, por que iriam se
interessar pelo outro?
Folha - No Brasil cada vez mais
fala-se do extermínio de populações indígenas, que continuou
após a Independência. Comenta-se
isso na escola portuguesa?
Caldeira - Há uma idéia salazarista, muito difundida, de que os espanhóis mataram e exterminaram
as populações locais, de que a colonização espanhola foi violenta,
mas a portuguesa, não. Hoje, ao
menos, falamos dos povos preexistentes não mais como bárbaros e
selvagens. Antigamente eles eram
praticamente desconsiderados.
Folha - Segundo a pesquisa realizada em Lisboa, 40% dos portugueses entrevistados não sabem
quem descobriu o Brasil...
Caldeira - Não espanta. É provável que entre os mais jovens o número seja ainda maior. Mas o fato
de que eles desconheçam os fatos
não significa que a escola não os
ensinou. No meu tempo de escola,
éramos obrigados a memorizar toda a sucessão dos reis portugueses.
A memorização vem caindo de geração a geração. É um fenômeno
internacional. Isso está ligado à
cultura da TV e da imagem, à idéia
de que não interessa fixar, de que o
que interessa é o movimento.
Folha - Aprende-se na escola portuguesa que dom Pedro 4º é o
mesmo Pedro 1º, que proclamou a
Independência do Brasil?
Caldeira - Ensina-se na escola, se
aprende-se é outra coisa. A propósito, há uma piada famosa por
aqui. Dizem que o presidente Costa e Silva (regime militar, 1967-69),
ao visitar Portugal, não conseguia
entender essa história de Pedro 1º
ser o Pedro 4º e saiu-se com essa:
"Deve ser o fuso horário"...
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