São Paulo, Quinta-feira, 22 de Abril de 1999
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Independência afastou as culturas

MARTA AVANCINI
da Reportagem Local

A escassa troca de informações culturais entre Brasil e Portugal torna a distância que separa os dois países bem maior do que os 7.700 quilômetros entre Rio e Lisboa. Só 14% dos cariocas sabem que d. Manuel 1º era o rei de Portugal na época do Descobrimento, e quase metade dos moradores de Lisboa (44%) desconhece que o Brasil foi descoberto em 1500.
Parte da desinformação pode ser atribuída aos currículos escolares, que tendem a diluir as informações sobre os dois países em contextos gerais ou a abordá-los apenas numa perspectiva local. "A informação existe, mas circula apenas nos meios universitários e não chega aos livros didáticos nem às salas de aula", diz Carlos Alberto Xavier, representante brasileiro na comissão das comemorações do 5º Centenário do Descobrimento.
A história de Portugal é estudada nas escolas brasileiras como um reflexo da história brasileira e, mesmo assim, só até a Independência do Brasil (1822). Dessa maneira, a formação do império colonial português, que tornaria o país um dos mais importantes do mundo no século 16, só é conhecida pelos estudantes brasileiros porque o Brasil é parte desse processo.
Raciocínio similar vale para o estudo da colonização do Brasil, um dos poucos temas incluídos nos livros lusitanos. "É um tratamento superficial. O tema é inserido dentro do contexto da história geral e dos descobrimentos portugueses", diz Maria do Isabel João, da equipe portuguesa da comissão das comemorações do 5º Centenário.
Esse desconhecimento cria uma percepção distorcida da cultura portuguesa pelos brasileiros, e vice-versa, reforçando estereótipos negativos. "Como Portugal não tinha projeto nos primeiros 30 anos de colonização, fica uma imagem de descaso, que acaba sendo transposta aos portugueses", diz Maria do Carmo Martins, da Unicamp.
Além disso, o desconhecimento da história portuguesa impede um estudo aprofundado de nossas raízes culturais, diz Ernesta Zamboni, da Unicamp. A restrição no estudo da literatura tem efeitos semelhantes, diz Benjamin Abdala Jr., professor de literatura da USP. "Só se estudam os autores e temas solicitados no vestibular. Com isso, perde-se muito na compreensão da nossa própria maneira de ser", diz. No Brasil, não há uma obrigação de estudar a literatura portuguesa.
A circulação da literatura brasileira em Portugal se concentra nos cursos de letras, diz Arnaldo Saraiva, professor de literatura brasileira na Universidade do Porto. "Alguns autores, como Cecília Meireles, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto e Jorge Amado, são muito apreciados. Mas desconfio que a difusão dos autores brasileiros só não é maior porque não há muitos livros editados."


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