São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"PROGRAMA SOCIAL"

Técnicos do governo federal consideram irregular exigência feita a famílias carentes de município fluminense

Governo do Rio exige título para Bolsa-Família

Alexandre Campbell/Folha Imagem
Técnicos do Bolsa-Família visitam beneficiária do programa


SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A
SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA (RJ)

Um ofício em papel timbrado do governo do Estado do Rio, distribuído a famílias carentes do município de São Francisco de Itabapoana (a 350 km do Rio, no norte fluminense), condiciona o cadastramento para o Programa Bolsa-Família, do governo federal, à apresentação do título de eleitor, entre outros documentos.
Chefe da equipe do Ministério do Desenvolvimento Social que desde domingo investiga na cidade supostas irregularidades na concessão do benefício, o coordenador-geral de Fiscalização do Bolsa-Família, José Maria Sobrinho, disse ontem que a exigência do título de eleitor não é correta e pode caracterizar uma tentativa de aproveitamento eleitoral.
"É errado pedir o título de eleitor. Não há o menor cabimento nisso. O que se busca no cadastramento é saber as condições de renda e a situação alimentar das famílias", afirmou Sobrinho.
Na semana passada, a prefeitura promoveu o cadastramento de famílias interessadas em receber o benefício. Cerca de 2.000 pessoas receberam senhas entre os dias 14 e 17, mas só 900 conseguiram se cadastrar. As demais voltariam nesta semana, mas o cadastramento foi suspenso pela prefeitura após a chegada da equipe ministerial a São Francisco de Itabapoana, considerado pelo governo federal o mais pobre município do Estado do Rio, tanto que foi o primeiro a ser inscrito pelo Programa Fome Zero.
O ofício 03/04 traz impresso no cabeçalho os nomes do governo do Estado, da Secretaria de Estado de Educação, da Coordenadoria Regional do Norte Fluminense e da Escola Estadual Otávio Pinto de Oliveira. O documento é assinado pela diretora da instituição, Verônica F. de Azevedo.
Além do ofício, mostrado pelas candidatas ao cadastramento, os técnicos do ministério ouviram depoimentos que relatavam o condicionamento da inscrição no benefício à apresentação do original e de cópia do título de eleitor.
Vanderléia Silva de Oliveira, 39, disse que levou o título ao local de inscrição -o Ciep Celso Martins Cordeiro- porque o documento que recebeu quando pegou a senha assim o exigia. O documento era uma cópia do ofício, que citava ainda a necessidade de apresentação, entre outras coisas, de originais e cópias de carteira de identidade, cartão de vacinação e declaração de matrícula dos filhos, CPF, comprovante de residência e carteira de trabalho.
"Meu marido é pedreiro desempregado. Temos três filhos para criar. Fiquei aqui sete horas para conseguir a senha. Por que eu não vou trazer o título?", perguntou.
Entrevistada em casa pelos técnicos do ministério, Maria Rosa Monteiro Cardoso, 29, contou também ter apresentado título de eleitor ao fazer o cadastramento. Na casa dela, quase um barraco de tijolo sem pintura, há uma placa com o nome do prefeito Paulo Cherene, candidato à reeleição pelo PMDB, partido da governadora Rosinha Matheus.
Para investigar a concessão do Bolsa-Família, a Câmara de Vereadores de São Francisco de Itabapoana abriu ontem a primeira CPI do município, por 10 votos a 1. O único vereador que votou contra a CPI foi José Cherene, irmão do prefeito.
Os três emissários do Ministério do Desenvolvimento Social fazem a vistoria nos documentos do Bolsa-Família sob ordem do próprio ministro Patrus Ananias.
No município, já há um total de 1.308 pessoas recebendo o benefício. O relatório da vistoria deverá ficar pronto na semana que vem.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Outro lado: Secretário do RJ diz que funcionária errou em ofício
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.