São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

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CIDADANIA

Mesmo excluídos, moradores de rua de SP se preparam para ir às urnas em 3 de outubro

Sem casa, com título

KATIA CALSAVARA
DA REDAÇÃO

Eles parecem expatriados. Sem casa, roupa ou comida. Mas carregam no bolso, na carteira ou embrulhado em algum plasticozinho, o título de eleitor.
Ao contrário do que se imagina, nem todos os moradores de rua que vivem na capital de São Paulo andam sem documentos.
Em 2003, segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), havia 10.394 pessoas vivendo nas ruas da cidade. Entre elas, muitos são eleitores.
Os "sem-casa" lêem jornal, muitas vezes os que ficam pendurados em bancas, assistem à TV ocasionalmente, conhecem e criticam os candidatos à Prefeitura de São Paulo.
Alguns dos cerca de 20 entrevistados pela Folha na semana passada mostraram receio inicial em falar sobre as eleições. Muitos achavam que a conversa seria sobre os moradores de rua assassinados na cidade recentemente. "Eu só quero que o próximo prefeito cuide melhor da gente", diz Maria Inêz Manzini, que mora na rua há 25 anos e ainda não escolheu seu candidato. Ela mostra o título e diz votar todos os anos. "É obrigação, não é?".
Ex-garimpeiro, ex-torneiro mecânico, ex-vendedor e atual catador de papel, o maranhense Edmilson Vieira da Silva, 40, mora e vota em São Paulo desde 1996. Com adesivos da candidata Marta Suplicy (PT) na carroça, diz que é petista "toda vida".
Há três meses, Silva passa as noites no abrigo do Projeto Oficina Boracéia, na região central da cidade. "Eu já conheci os CEUs e acho muito bons. O Bilhete Único ainda não precisei, mas meus amigos que usaram me disseram que é bom", conta.
Joel Gabriel, 41, detesta dormir em albergues. "Sou contra esses lugares. As pessoas roubam muito e prefiro dormir e morar na rua", diz. Gabriel não gosta da candidata Marta Suplicy. "Ela só quer saber dos grã-finos". E critica também os outros candidatos. "Em época de eleição eles aparecem tomando cafezinho na casa das pessoas. Depois disso, esquecem os eleitores".
Gabriel já tem seu candidato: "Nem Marta nem Serra. O meu voto é do Maluf". Por quê? "Ah, porque ele é uma pessoa muito espontânea. Sabe fazer política". Dirceu de Souza Brandão, 46, nasceu em Caxias do Sul (RS) e mora em São Paulo há 27 anos. Na rua, vive há três, após ter tido um problema familiar que prefere não comentar. Há oito dias está dormindo em albergue. "Meu candidato é o Serra. Ele já foi ministro da Saúde e tudo indica que será bom prefeito", fala.
Sérgio de Barros Soares, 43, votou pela primeira vez em 2002. É natural de Alagoas e em São Paulo foi lavador de carros e auxiliar de pinturas em faixas. Atualmente é catador de papel. "Escolhi o Lula da primeira vez. Acho importante votar. Me sinto bem". Nas eleições deste ano, deve votar em Marta Suplicy.
Antônio Bassaneli, 63, está indeciso. Freqüentador de abrigo no centro da cidade há quatro meses, diz ter deixado sua casa após ter perdido o emprego e todo o dinheiro que tinha. Segundo ele, o povo brasileiro vota por explosão. "Acho que política deveria ser matéria de escola. Ainda não me decidi, mas se não achar nenhum candidato, vou votar por explosão, como todo mundo."

Albergues
"A população de rua que dorme em albergues normalmente têm a documentação mais regularizada", diz o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua. Questionado sobre o fato de os moradores de rua serem pouco avistados nos dias de votação, ele enfatiza: "Os que estão em estado mais caído realmente não comparecem às zonas eleitorais."
Em levantamento feito anteontem em dois albergues coordenados pela Associação Rede Rua, das 129 pessoas que compareceram ao local naquele dia, 107 tinham título de eleitor e votam. Das 22 não votantes, 13 não tinham título, 6 afirmaram que irão justificar o voto e 3 disseram que "não querem votar".


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