|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CIDADANIA
Mesmo excluídos, moradores de rua de SP se preparam para ir às urnas em 3 de outubro
Sem casa, com título
KATIA CALSAVARA
DA REDAÇÃO
Eles parecem expatriados. Sem
casa, roupa ou comida. Mas carregam no bolso, na carteira ou
embrulhado em algum plasticozinho, o título de eleitor.
Ao contrário do que se imagina,
nem todos os moradores de rua
que vivem na capital de São Paulo
andam sem documentos.
Em 2003, segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), havia 10.394 pessoas vivendo nas ruas da cidade. Entre
elas, muitos são eleitores.
Os "sem-casa" lêem jornal,
muitas vezes os que ficam pendurados em bancas, assistem à TV
ocasionalmente, conhecem e criticam os candidatos à Prefeitura
de São Paulo.
Alguns dos cerca de 20 entrevistados pela Folha na semana passada mostraram receio inicial em
falar sobre as eleições. Muitos
achavam que a conversa seria sobre os moradores de rua assassinados na cidade recentemente.
"Eu só quero que o próximo prefeito cuide melhor da gente", diz
Maria Inêz Manzini, que mora na
rua há 25 anos e ainda não escolheu seu candidato. Ela mostra o
título e diz votar todos os anos. "É
obrigação, não é?".
Ex-garimpeiro, ex-torneiro mecânico, ex-vendedor e atual catador de papel, o maranhense Edmilson Vieira da Silva, 40, mora e
vota em São Paulo desde 1996.
Com adesivos da candidata Marta
Suplicy (PT) na carroça, diz que é
petista "toda vida".
Há três meses, Silva passa as
noites no abrigo do Projeto Oficina Boracéia, na região central da
cidade. "Eu já conheci os CEUs e
acho muito bons. O Bilhete Único
ainda não precisei, mas meus
amigos que usaram me disseram
que é bom", conta.
Joel Gabriel, 41, detesta dormir
em albergues. "Sou contra esses
lugares. As pessoas roubam muito e prefiro dormir e morar na
rua", diz. Gabriel não gosta da
candidata Marta Suplicy. "Ela só
quer saber dos grã-finos". E critica também os outros candidatos.
"Em época de eleição eles aparecem tomando cafezinho na casa
das pessoas. Depois disso, esquecem os eleitores".
Gabriel já tem seu candidato:
"Nem Marta nem Serra. O meu
voto é do Maluf". Por quê? "Ah,
porque ele é uma pessoa muito
espontânea. Sabe fazer política".
Dirceu de Souza Brandão, 46, nasceu em Caxias do Sul (RS) e mora
em São Paulo há 27 anos. Na rua,
vive há três, após ter tido um problema familiar que prefere não
comentar. Há oito dias está dormindo em albergue. "Meu candidato é o Serra. Ele já foi ministro
da Saúde e tudo indica que será
bom prefeito", fala.
Sérgio de Barros Soares, 43, votou pela primeira vez em 2002. É
natural de Alagoas e em São Paulo
foi lavador de carros e auxiliar de
pinturas em faixas. Atualmente é
catador de papel. "Escolhi o Lula
da primeira vez. Acho importante
votar. Me sinto bem". Nas eleições deste ano, deve votar em
Marta Suplicy.
Antônio Bassaneli, 63, está indeciso. Freqüentador de abrigo
no centro da cidade há quatro
meses, diz ter deixado sua casa
após ter perdido o emprego e todo o dinheiro que tinha. Segundo
ele, o povo brasileiro vota por explosão. "Acho que política deveria ser matéria de escola. Ainda
não me decidi, mas se não achar
nenhum candidato, vou votar por
explosão, como todo mundo."
Albergues
"A população de rua que dorme
em albergues normalmente têm a
documentação mais regularizada", diz o padre Júlio Lancellotti,
da Pastoral do Povo de Rua.
Questionado sobre o fato de os
moradores de rua serem pouco
avistados nos dias de votação, ele
enfatiza: "Os que estão em estado
mais caído realmente não comparecem às zonas eleitorais."
Em levantamento feito anteontem em dois albergues coordenados pela Associação Rede Rua,
das 129 pessoas que compareceram ao local naquele dia, 107 tinham título de eleitor e votam.
Das 22 não votantes, 13 não tinham título, 6 afirmaram que irão
justificar o voto e 3 disseram que
"não querem votar".
Texto Anterior: Recife: Lula aparece em campanha na TV e PMDB critica uso da máquina Próximo Texto: Ser cadastrado em albergue assegura direito a documento Índice
|