São Paulo, quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Sem maquiagem

Problemas crônicos , como infraestrutura deficitária, drogas e turismo sexual, põem em xeque imagem das sedes

DOS ENVIADOS ESPECIAIS

"O Brasil é um país cheio de contradições. Certamente essas contradições vão ser expostas [para o mundo durante a Copa]. E pode ter certeza de que o país não vai se transformar muito nos próximos quatro anos."
A afirmação do governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), demonstra uma franqueza destoante do discurso quase uníssono proliferado pelos políticos das outras 11 cidades-sedes do Mundial.
A oportunidade de mostrar ao mundo uma imagem positiva da cidade em 2014 é quase sempre citada como um dos legados que a Copa deixará para as sedes.
Cid Gomes recebeu a Folha na luxuosa residência oficial do governador, projetada pelo arquiteto Sérgio Bernardes e com um jardim concebido por Burle Marx.
A mansão, situada a três quadras da praia do Meireles, é cercada por típicas contradições brasileiras.
A residência é rodeada por prédios de alto padrão e por grande parte dos hotéis da capital cearense. Mas o turista que decidir passear à noite pelo bairro certamente vai se deparar com adolescentes esquálidos escorados nas paredes, fumando crack em cachimbos improvisados.
A reflexão do governador sobre as contradições do Brasil foi dada justamente em resposta à inevitável pergunta de quem chegou à sua residência após atravessar a "cracolândia" de Fortaleza.
A capital cearense, assim como as outras três sedes do Nordeste, convive também com o estigma de destino do turismo sexual. Nos corredores dos principais hotéis da cidade, turistas estrangeiros circulam ao lado de suas "namoradas" de ocasião.
Segundo o governador, há um trabalho em curso para tentar barrar voos fretados da Europa. "O turista que vem em busca de turismo sexual normalmente chega nesses voos charters, cheio de homens", conta Gomes.
Outra medida é diversificar a vocação turística de Fortaleza, que ganhará em 2011 um dois maiores centros de convenções do país.
Já em Belo Horizonte, o sexo alcança sem querer o turismo de negócios, de grande potencial na capital mineira e de um modo bem mais corriqueiro. A cidade, candidata à abertura da Copa, tem um número deficitário de hotéis de alto padrão para o Mundial. A saída para a escassez de hospedagem, muitas vezes, são os motéis.
Funcionários desses estabelecimentos já acham normal quando chega um executivo, de terno e gravata, valise na mão, desacompanhado, procurando vaga. Qualquer evento grande na cidade faz com que os hotéis atinjam capacidade máxima.
Até mesmo representantes de empresas estrangeiras que fabricam equipamentos para a Copa dizem ter passado pelo constrangimento em passagem pela cidade.
Mas a escassez de hotéis não é uma exclusividade de Belo Horizonte. A maioria das sedes sofre para garantir o número exigido pela Fifa.

CHALANAS
Com 4.300 leitos, Cuiabá tem o menor parque hoteleiro entre as sedes. A cidade espera dobrar o número de quartos, mas prevê usar até chalanas, embarcações fluviais, para abrigar turistas.
"Não é a estrutura de turismo de Cuiabá que é deficitária. É a estrutura de turismo do Brasil que é deficitária", declara Yuri Bastos, diretor da Copa em Cuiabá.
Polo turístico, Recife tem problemas também na qualidade de seus hotéis. "Faz 11 anos que o último grande hotel foi construído aqui", diz Ricardo Leitão, coordenador do comitê pernambucano.
Segundo ele, a Fifa apontou um deficit de 14 mil leitos na sede. Para compensar a baixa oferta, a cidade buscará soluções na vizinhança.
Leitão prometeu oferecer à Fifa hotéis situados até mesmo no estado vizinho. A capital de Alagoas, Maceió, localizada a 260 km de Recife, será uma das alternativas.
Porto Alegre oferecerá solução similar. "Podemos usar os bons hotéis de Gramado, Bento Gonçalves e Canela", afirma Ricardo Gothe, secretário extraordinário da Copa de Porto Alegre.
Já Curitiba completará sua capacidade hoteleira com alojamentos universitários.
Manaus, por sua vez, pretende reformar seu porto para complementar a capacidade de sua hospedagem com leitos de navios de cruzeiro.
Mas, atualmente, o local está degradado. Para chegar aos píeres, é preciso passar por um areal. Há de tudo no caminho. Enquanto a Folha esteve no local, uma mesma pessoa passou com uma televisão de tela plana na cabeça e, depois, com um peixe tambaqui. No areal, estavam estocados remédios sem nenhuma proteção. "É para os índios", diz o responsável.

PASSARELAS
O turista que for a Brasília deverá encontrar uma cidade hostil aos pedestres. A sede estuda fazer passarelas subterrâneas para ligar o futuro Estádio Nacional e o Parque da Cidade, em frente à arena.
"Por que fazer isso? Ninguém anda a pé aqui", afirma o procurador do Distrito Federal, Ivonaldo Lemos.
Maior potência econômica do país, São Paulo escolheu a zona leste, região carente da cidade, para a Copa. A cidade promete investir para promover até 2014 grandes mudanças em Itaquera.
Tal qual na África do Sul, as mazelas do Brasil ficarão expostas aos visitantes em 2014. Isso, no entanto, não é motivo de pessimismo.
Após ser bombardeado com a realidade brasileira nos jornais do exterior, talvez o turista se surpreenda com o que vir aqui. É esse o raciocínio do governador do Ceará.
"Antes da Copa da África, só teve notícia ruim. Mas, quando cheguei lá, fiquei impressionado com muita coisa. Os aeroportos, por exemplo, são muito melhores que os do Brasil", diz Cid Gomes.


Texto Anterior: A Copa como ela é

Falta até grama
Próximo Texto: Vizinhos da festa
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.