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Sem maquiagem
Problemas crônicos , como infraestrutura deficitária, drogas e turismo sexual, põem em xeque imagem das sedes
DOS ENVIADOS ESPECIAIS
"O Brasil é um país cheio
de contradições. Certamente
essas contradições vão ser
expostas [para o mundo durante a Copa]. E pode ter certeza de que o país não vai se
transformar muito nos próximos quatro anos."
A afirmação do governador do Ceará, Cid Gomes
(PSB), demonstra uma franqueza destoante do discurso
quase uníssono proliferado
pelos políticos das outras 11
cidades-sedes do Mundial.
A oportunidade de mostrar ao mundo uma imagem
positiva da cidade em 2014 é
quase sempre citada como
um dos legados que a Copa
deixará para as sedes.
Cid Gomes recebeu a Folha na luxuosa residência
oficial do governador, projetada pelo arquiteto Sérgio
Bernardes e com um jardim
concebido por Burle Marx.
A mansão, situada a três
quadras da praia do Meireles, é cercada por típicas
contradições brasileiras.
A residência é rodeada por
prédios de alto padrão e por
grande parte dos hotéis da
capital cearense. Mas o turista que decidir passear à noite
pelo bairro certamente vai se
deparar com adolescentes
esquálidos escorados nas
paredes, fumando crack em
cachimbos improvisados.
A reflexão do governador
sobre as contradições do
Brasil foi dada justamente
em resposta à inevitável pergunta de quem chegou à sua
residência após atravessar a
"cracolândia" de Fortaleza.
A capital cearense, assim
como as outras três sedes do
Nordeste, convive também
com o estigma de destino do
turismo sexual. Nos corredores dos principais hotéis da
cidade, turistas estrangeiros
circulam ao lado de suas
"namoradas" de ocasião.
Segundo o governador, há
um trabalho em curso para
tentar barrar voos fretados
da Europa. "O turista que
vem em busca de turismo sexual normalmente chega
nesses voos charters, cheio
de homens", conta Gomes.
Outra medida é diversificar a vocação turística de
Fortaleza, que ganhará em
2011 um dois maiores centros
de convenções do país.
Já em Belo Horizonte, o sexo alcança sem querer o turismo de negócios, de grande potencial na capital mineira e de um modo bem
mais corriqueiro. A cidade,
candidata à abertura da Copa, tem um número deficitário de hotéis de alto padrão
para o Mundial. A saída para
a escassez de hospedagem,
muitas vezes, são os motéis.
Funcionários desses estabelecimentos já acham normal quando chega um executivo, de terno e gravata,
valise na mão, desacompanhado, procurando vaga.
Qualquer evento grande na
cidade faz com que os hotéis
atinjam capacidade máxima.
Até mesmo representantes
de empresas estrangeiras
que fabricam equipamentos
para a Copa dizem ter passado pelo constrangimento em
passagem pela cidade.
Mas a escassez de hotéis
não é uma exclusividade de
Belo Horizonte. A maioria
das sedes sofre para garantir
o número exigido pela Fifa.
CHALANAS
Com 4.300 leitos, Cuiabá
tem o menor parque hoteleiro entre as sedes. A cidade espera dobrar o número de
quartos, mas prevê usar até
chalanas, embarcações fluviais, para abrigar turistas.
"Não é a estrutura de turismo de Cuiabá que é deficitária. É a estrutura de turismo
do Brasil que é deficitária",
declara Yuri Bastos, diretor
da Copa em Cuiabá.
Polo turístico, Recife tem
problemas também na qualidade de seus hotéis. "Faz 11
anos que o último grande hotel foi construído aqui", diz
Ricardo Leitão, coordenador
do comitê pernambucano.
Segundo ele, a Fifa apontou um deficit de 14 mil leitos
na sede. Para compensar a
baixa oferta, a cidade buscará soluções na vizinhança.
Leitão prometeu oferecer à
Fifa hotéis situados até mesmo no estado vizinho. A capital de Alagoas, Maceió, localizada a 260 km de Recife, será uma das alternativas.
Porto Alegre oferecerá solução similar. "Podemos
usar os bons hotéis de Gramado, Bento Gonçalves e Canela", afirma Ricardo Gothe,
secretário extraordinário da
Copa de Porto Alegre.
Já Curitiba completará sua
capacidade hoteleira com
alojamentos universitários.
Manaus, por sua vez, pretende reformar seu porto para complementar a capacidade de sua hospedagem com
leitos de navios de cruzeiro.
Mas, atualmente, o local
está degradado. Para chegar
aos píeres, é preciso passar
por um areal. Há de tudo no
caminho. Enquanto a Folha
esteve no local, uma mesma
pessoa passou com uma televisão de tela plana na cabeça
e, depois, com um peixe tambaqui. No areal, estavam estocados remédios sem nenhuma proteção. "É para os
índios", diz o responsável.
PASSARELAS
O turista que for a Brasília
deverá encontrar uma cidade
hostil aos pedestres. A sede
estuda fazer passarelas subterrâneas para ligar o futuro
Estádio Nacional e o Parque
da Cidade, em frente à arena.
"Por que fazer isso? Ninguém anda a pé aqui", afirma o procurador do Distrito
Federal, Ivonaldo Lemos.
Maior potência econômica
do país, São Paulo escolheu a
zona leste, região carente da
cidade, para a Copa. A cidade
promete investir para promover até 2014 grandes mudanças em Itaquera.
Tal qual na África do Sul,
as mazelas do Brasil ficarão
expostas aos visitantes em
2014. Isso, no entanto, não é
motivo de pessimismo.
Após ser bombardeado
com a realidade brasileira
nos jornais do exterior, talvez
o turista se surpreenda com o
que vir aqui. É esse o raciocínio do governador do Ceará.
"Antes da Copa da África,
só teve notícia ruim. Mas,
quando cheguei lá, fiquei impressionado com muita coisa. Os aeroportos, por exemplo, são muito melhores que
os do Brasil", diz Cid Gomes.
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