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Vizinhos da festa
Reforma de estádios desaloja comerciantes e reforça temor de desapropriação , mas traz esperança por mais empregos
DOS ENVIADOS ESPECIAIS
Eles vinham de várias regiões de Belo Horizonte. Alguns até da região metropolitana. Quando se encontravam, conversavam sobre família, rotina e, claro, futebol.
Afinal, passavam a maior
parte de sua vida em frente
ao principal estádio do futebol do Estado, o Mineirão.
Acompanhavam os jogos
por radinhos de pilha. Estavam ali para montar barracas, onde vendiam de refrigerantes ao churrasco de pernil, especialidade de ""seu"
José Martins dos Santos, comerciante do Mineirão desde
a inauguração do estádio.
Após a interdição da arena
para a obra da Copa, os barraqueiros foram despejados.
""Tememos que a venda
[de produtos] seja colocada
nas mãos de outras pessoas
quando o estádio voltar",
afirma Hernani Francisco Pereira, 47, representante da
Associação dos Barraqueiros
da Área Externa do Mineirão.
Mas esse é o cenário mais
provável quando o Mineirão
reabrir, já sob a administração do consórcio que reforma
a arena e que ganhou o direito de administrar o estádio.
""Os torcedores não gostam de comprar em shoppings ou em lojas", diz Pereira, em tom de desdém.
Pela sua conta, a associação representa ao menos 300
famílias. São 250 associados,
150 deles efetivos. Ele calcula
que em cada uma das barracas trabalha o associado e
mais uma ou duas pessoas.
""Queremos seguir com as
barracas próximas ao estádio. Esse grupo [consórcio]
tem que oferecer algo, tem
que entender a questão social", declara Pereira.
Os ambulantes agora se
concentram em eventos na
cidade ou no interior, como
festas religiosas. Mas nada
que se compare ao Mineirão.
""Me sinto como o pescador na época da piracema."
As diferentes esferas de
governo viraram alvo da ira
dos barraqueiros. Eles cobram intervenção do poder
municipal, estadual ou federal, por meio do Ministério do
Desenvolvimento Social.
Um centro de referência,
criado pelo Estado e localizado no Mineirão, virou fórum
para a discussão do tema.
Está prevista no condicionante ambiental da licitação
realizada para o Mineirão a
capacitação profissional. Entre as iniciativas cobradas no
documento, está o encaminhamento de relatórios periódicos sobre as ações de articulação para a inclusão dos
comerciantes em programa
de formação e capacitação
para o comércio formal. Já foi
feita uma lista de pessoas e
órgãos que podem ajudar.
DESAPROPRIAÇÃO
As desapropriações são
outra fonte de trauma para a
população das sedes que receberão o Mundial de 2014.
Em Porto Alegre, por conta
das obras de mobilidade urbana, várias famílias serão
obrigadas a se mudar.
O secretário extraordinário da Copa de 2014, Ricardo
Gothe, estima que a cidade
precisará realizar cerca de
4.000 desapropriações, como as da vila Grande Cruzeiro, que causam polêmica.
Moradores do bairro, que
fica na avenida Tronco, uma
das principais vias que ligam
a região ao estádio do Beira-
-Rio, condenaram a medida.
""Nossos moradores querem ficar aqui na comunidade, onde construímos tudo o
que temos. Não queremos
trancar o progresso, mas não
podemos aceitar tudo", diz
Beatriz Souza, 48, presidente
da associação de moradores.
Em Fortaleza, intervenções que devem desafogar o
trânsito em torno do estádio
do Castelão são as que mais
preocupam os moradores da
favela do Lagamar, uma das
maiores da capital cearense.
Embora não haja ainda
números oficiais em relação
à quantidade de casas que
serão desapropriadas, estima-se que 4.000 famílias do
Lagamar serão removidas.
Um dos trechos mais críticos é o cruzamento das avenidas Murilo Borges e Raul
Barbosa, famoso pelo elevado número de assaltos e homicídios. O cruzamento é
bem próximo à comunidade
e está a 5 km do Castelão.
""Trabalhamos em cima da
não remoção", diz Auxiliadora Araripe, da Qualifica,
ONG que atua no Lagamar.
""Mas a gente sabe que isso
é um sonho quase irrealizável. Toda reunião tem choro
porque todo mundo sabe que
desapropriação em megaeventos esportivos é injusta."
No início do ano, a favela,
situada em área valorizada,
virou Zona Especial de Interesse Social e não poderá sofrer mudanças urbanísticas
profundas sem que um comitê gestor, formado por integrantes da prefeitura e da comunidade, seja consultado.
A eleição para o comitê
gestor só ocorrerá em fevereiro. Segundo Auxiliadora, as
obras não podem avançar
enquanto não houver a formação oficial desse comitê.
Esse tipo de processo, participativo, não é regra. A população de Curitiba, por
exemplo, ainda não está a
par, mas também sofrerá desapropriação. ""Não são muitas. Na cidade inteira, devemos gastar entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões", diz o
gestor da Copa em Curitiba,
Luiz de Carvalho.
A reportagem da Folha
perguntou a cinco moradores do entorno do estádio sobre desapropriações. Eles
disseram não saber de nada.
CONTRAPARTIDA
Até mesmo instalações esportivas estão no caminho
das obras para o Mundial.
Em Natal, as intervenções
previstas nas vias de acesso
próximas ao estádio podem
comprometer o kartódromo
Governador Geraldo Melo,
única pista do Estado. Há
previsão de obras no cruzamento da avenida Capitão
Mor Gouveia com a Prudente
de Morais, ao lado do local.
""Seria um desperdício se
tirassem a pista do centro da
cidade, pois o kartódromo de
Natal é o mais bem estruturado do Nordeste", afirma
Francisco Sesimar Correia,
presidente da Federação Potiguar de Automobilismo.
Mas ele se mostra otimista.
Diz que uma intervenção pode levar à ampliação da pista, hoje com 1.200 m.
""Há um grande espaço
atrás do kartódromo. Podemos ceder um espaço [próximo de onde haverá a obra]
para ganhar atrás e ampliar a
pista", afirma o dirigente.
O potencial para transtornos, entretanto, vai além das
imediações dos estádios.
Atrelado às obras na Arena
Pernambuco, o governo prevê remanejar em 2011 uma
tubulação de cerca de 2.000
metros que corta o terreno.
O objetivo é enterrar o duto. A tubulação é a principal
adutora do sistema Tapacurá, responsável pelo abastecimento de água de 60% do
Recife e 30% da região metropolitana. Em maio, a capital sofreu com problemas de
abastecimento de água justamente por ter havido um estouro na mesma adutora.
Porém a arena deverá trazer benefícios para a população de São Lourenço da Mata, cidade da região metropolitana que convive com violência e desemprego -segundo o IBGE, a taxa na região metropolitana de Recife
em novembro foi de 8,4%.
A Odebrecht, construtora
da arena, lançará em parceria com a prefeitura e com o
Senai um programa de capacitação de mão de obra nos
primeiros meses de 2011.
A empreiteira calcula que,
na fase mais movimentada
da obra, empregará cerca de
1.500 trabalhadores.
A procura por emprego na
construção, em fase de terraplanagem, é intensa. Quando a Folha visitou o local,
cartazes da Odebrecht informavam: ""Não há vagas" e
""Não estamos recrutando".
Das 110 pessoas que trabalham hoje na obra, 45% são
moradoras de São Lourenço
da Mata. As demais são de
Recife, Olinda e Camaragibe.
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