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Criação de Israel faz Palestina explodir
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
Meio século após a criação do
Estado de Israel, ninguém consegue desenhar um mapa de suas
fronteiras universalmente aceito.
O Estado judeu está ainda tecnicamente em guerra com dois de
seus quatro vizinhos, o Líbano e a
Síria. Qualquer mapa que inclua,
por exemplo, as colinas do Golã,
tomadas da Síria na guerra de
1967, será rechaçado pela Síria e
pelos demais países árabes.
Qualquer mapa que não as inclua será considerado traição pelas
correntes nacionalistas-religiosas
de Israel, de crescente força política interna. Mesmo com os outros
dois vizinhos, Jordânia e Egito,
com os quais fechou acordos de
paz, não é pacífica a aceitação dos
contornos de Israel.
O fato é que o Estado judeu travou, nesses 50 anos de vida, quatro guerras com os países árabes,
sem contar a agressão sofrida em
uma quinta guerra, a do Golfo, em
1991. Ganhou nitidamente duas, a
da Independência (1948) e a dos
Seis Dias (1967). Empatou a terceira (a do Yom Kippur, em 1973) e
perdeu a chamada Guerra do Líbano (a partir de 1982), mais uma
invasão do território libanês do
que propriamente uma guerra.
Tudo somado, Israel mais do
que quadruplicou sua superfície,
que saltou de 20.700 km2 para
89.351 km2 (sem contar a faixa do
sul do Líbano, que ocupa, e as devoluções de territórios palestinos).
Os israelenses mataram mais do
que morreram. Para cada vida israelense perdida nas guerras, houve cinco mortos do lado árabe.
Israel ganhou dois Nobel da Paz,
um para Menahem Begin, outro
para Yitzhak Rabin e Shimon Peres, ambos compartilhados com
ex-inimigos -o líder egípcio
Anuar Sadat e o palestino Iasser
Arafat, respectivamente.
De alguma forma, o Estado judeu ganhou também a Guerra
Fria. Baluarte do Ocidente numa
região conflitiva e estratégica (pelo
petróleo), beneficiou-se do fim da
URSS, que ajudava, com armas e
recursos financeiros, inimigos de
Israel, como a Síria e os palestinos.
Israel só não ganhou a paz.
Em grande medida, porque continua travando uma guerra cotidiana, embora não declarada, com
um quinto vizinho -os palestinos, que jamais tiveram um território próprio.
Talvez nada simbolize mais os
nós que cercam o conflito Israel/palestinos do que a cidade de
Hebron (35 km ao sul de Jerusalém). Ou, mais exatamente, uma
construção ancestral, que, embora
única, leva dois nomes: para os judeus, é a Tumba dos Patriarcas,
porque lá estariam enterrados
Abraão, Isaac e Jacó, além de suas
mulheres. Para os muçulmanos, é
a mesquita de Ibrahimi, sepulcro
de Ibrahimi ou Al Khalil er Rahman, o "Amigo do Senhor".
A tumba é o segundo lugar mais
sagrado do judaísmo, atrás apenas
do chamado Muro das Lamentações, em Jerusalém. Mas a mesquita é o quarto mais sagrado local
do islamismo, perdendo para as
mesquitas de Meca e Medina, ambas na Arábia Saudita, e para a de
Al Aqsa, em Jerusalém.
Só essa construção bastaria para
demonstrar como o conflito árabes/judeus tem fundas raízes fincadas na história, na fé e também
no território físico de um país,
além de tudo pequeno (a superfície de Israel corresponde a apenas
1% do território brasileiro).
Dilemas
Raízes menos antigas, mas irrigadas a sangue, contribuíram para
os dilemas que ainda hoje assombram o Estado judeu.
Antes e durante a Segunda Guerra Mundial, 6 milhões de judeus
foram exterminados no Holocausto. Uma matança que tornou ainda mais desejável um território
para os judeus, dispersos há 2.000
anos pelo mundo.
Quando as Nações Unidas ofereceram aos judeus um pedaço da
Palestina, administrada pelos britânicos, para nele construir o seu
Estado, os líderes do movimento
sionista tinham como objetivo
construir um Estado judeu, democrático e que ocupasse tudo o que
consideravam a Terra de Israel, o
que significaria não uma parte,
mas toda a Palestina, do mar Mediterrâneo ao rio Jordão, incluindo parte da Jordânia.
Alcançar os três objetivos ao
mesmo tempo era impossível à
época, como admitia David Ben
Gurion, o patriarca sionista:
"Neste mundo, só podemos alcançar dois de nossos três objetivos. Está nos sendo oferecida a
oportunidade de obter um Estado
judeu e democrático, mas somente em metade da terra de Israel.
Poderíamos insistir em querer toda a terra de Israel, mas, neste caso, poderíamos perder tudo".
Proféticas palavras. Nos 50 anos
seguintes, Israel viveu -e muitos
israelenses morreram- na perseguição aos três objetivos, ora
ameaçado de perder um, ora outro, ora todos ao mesmo tempo.
É, hoje, um Estado judeu? É. De
seus pouco mais de 5,5 milhões de
habitantes, 81% são judeus, mais
da metade nascidos em Israel, e os
restantes provenientes de 70 países do resto do mundo.
Mas, se tornada permanente, a
ocupação dos territórios árabes
provocaria, em poucos anos, uma
inversão demográfica, dada a taxa
de natalidade significativamente
mais elevada entre os árabes.
É um Estado democrático? É.
Mas a ocupação dos territórios
predominantemente habitados
por palestinos leva Israel a recorrer a práticas até totalitárias, para
reprimir a revolta dos palestinos.
Hebron é, de novo, um símbolo
marcante. Em inúmeras casas da
rua King David, que era a principal artéria comercial da cidade,
casas antes pertencentes aos árabes exibem agora uma estrela de
David (símbolo do Estado judeu)
amarela pintada na porta, para indicar quem são os donos supostamente verdadeiros.
A estrela de David amarela era
pintada nas janelas ou portas de
casas de judeus, nos países europeus ocupados pela Alemanha nazista, para apontar as próximas vítimas das perseguições.
Além disso, os árabes com cidadania israelense (900 mil) são tratados como cidadãos de segunda
classe. A ponto de sua renda per
capita ser inferior à metade da de
seus concidadãos judeus.
De todo modo, o nó decisivo e
que ajuda a entender porque Israel
ganhou guerras, mas não a paz, é a
definição dos seus limites.
E não causa conflitos apenas
com os vizinhos árabes. Acabou
por criar profundas divisões internas no próprio Estado judeu, a
ponto de estar na origem do assassinato, em 1995, do então primeiro-ministro Yitzhak Rabin.
Rabin aceitou o princípio "terra
por paz", ou seja, a devolução de
parte dos territórios ocupados
após a guerra de 67 em troca da
paz, com os palestinos e também
com os demais vizinhos. Chamado
de traidor pela extrema-direita,
sua morte foi saudada por extremistas como "gesto sagrado".
A divisão ficou evidenciada na
eleição de 1996, em que Binyamin
Netanyahu, que defende um Estado judeu que abranja quase toda a
terra de Israel, elegeu-se com 1,501
milhão de votos, contra 1,471 milhão dados a Shimon Peres, favorável à teoria da "terra por paz".
No fundo, o dilema de Israel é
entre usar ou não a Bíblia "à guisa
de mapa", como ironiza o jornalista norte-americano Thomas
Friedman.
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