São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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Criação de Israel faz Palestina explodir

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

Meio século após a criação do Estado de Israel, ninguém consegue desenhar um mapa de suas fronteiras universalmente aceito.
O Estado judeu está ainda tecnicamente em guerra com dois de seus quatro vizinhos, o Líbano e a Síria. Qualquer mapa que inclua, por exemplo, as colinas do Golã, tomadas da Síria na guerra de 1967, será rechaçado pela Síria e pelos demais países árabes.
Qualquer mapa que não as inclua será considerado traição pelas correntes nacionalistas-religiosas de Israel, de crescente força política interna. Mesmo com os outros dois vizinhos, Jordânia e Egito, com os quais fechou acordos de paz, não é pacífica a aceitação dos contornos de Israel.
O fato é que o Estado judeu travou, nesses 50 anos de vida, quatro guerras com os países árabes, sem contar a agressão sofrida em uma quinta guerra, a do Golfo, em 1991. Ganhou nitidamente duas, a da Independência (1948) e a dos Seis Dias (1967). Empatou a terceira (a do Yom Kippur, em 1973) e perdeu a chamada Guerra do Líbano (a partir de 1982), mais uma invasão do território libanês do que propriamente uma guerra.
Tudo somado, Israel mais do que quadruplicou sua superfície, que saltou de 20.700 km2 para 89.351 km2 (sem contar a faixa do sul do Líbano, que ocupa, e as devoluções de territórios palestinos).
Os israelenses mataram mais do que morreram. Para cada vida israelense perdida nas guerras, houve cinco mortos do lado árabe.
Israel ganhou dois Nobel da Paz, um para Menahem Begin, outro para Yitzhak Rabin e Shimon Peres, ambos compartilhados com ex-inimigos -o líder egípcio Anuar Sadat e o palestino Iasser Arafat, respectivamente.
De alguma forma, o Estado judeu ganhou também a Guerra Fria. Baluarte do Ocidente numa região conflitiva e estratégica (pelo petróleo), beneficiou-se do fim da URSS, que ajudava, com armas e recursos financeiros, inimigos de Israel, como a Síria e os palestinos.
Israel só não ganhou a paz.
Em grande medida, porque continua travando uma guerra cotidiana, embora não declarada, com um quinto vizinho -os palestinos, que jamais tiveram um território próprio.
Talvez nada simbolize mais os nós que cercam o conflito Israel/palestinos do que a cidade de Hebron (35 km ao sul de Jerusalém). Ou, mais exatamente, uma construção ancestral, que, embora única, leva dois nomes: para os judeus, é a Tumba dos Patriarcas, porque lá estariam enterrados Abraão, Isaac e Jacó, além de suas mulheres. Para os muçulmanos, é a mesquita de Ibrahimi, sepulcro de Ibrahimi ou Al Khalil er Rahman, o "Amigo do Senhor".
A tumba é o segundo lugar mais sagrado do judaísmo, atrás apenas do chamado Muro das Lamentações, em Jerusalém. Mas a mesquita é o quarto mais sagrado local do islamismo, perdendo para as mesquitas de Meca e Medina, ambas na Arábia Saudita, e para a de Al Aqsa, em Jerusalém.
Só essa construção bastaria para demonstrar como o conflito árabes/judeus tem fundas raízes fincadas na história, na fé e também no território físico de um país, além de tudo pequeno (a superfície de Israel corresponde a apenas 1% do território brasileiro).
Dilemas
Raízes menos antigas, mas irrigadas a sangue, contribuíram para os dilemas que ainda hoje assombram o Estado judeu.
Antes e durante a Segunda Guerra Mundial, 6 milhões de judeus foram exterminados no Holocausto. Uma matança que tornou ainda mais desejável um território para os judeus, dispersos há 2.000 anos pelo mundo.
Quando as Nações Unidas ofereceram aos judeus um pedaço da Palestina, administrada pelos britânicos, para nele construir o seu Estado, os líderes do movimento sionista tinham como objetivo construir um Estado judeu, democrático e que ocupasse tudo o que consideravam a Terra de Israel, o que significaria não uma parte, mas toda a Palestina, do mar Mediterrâneo ao rio Jordão, incluindo parte da Jordânia.
Alcançar os três objetivos ao mesmo tempo era impossível à época, como admitia David Ben Gurion, o patriarca sionista: "Neste mundo, só podemos alcançar dois de nossos três objetivos. Está nos sendo oferecida a oportunidade de obter um Estado judeu e democrático, mas somente em metade da terra de Israel. Poderíamos insistir em querer toda a terra de Israel, mas, neste caso, poderíamos perder tudo".
Proféticas palavras. Nos 50 anos seguintes, Israel viveu -e muitos israelenses morreram- na perseguição aos três objetivos, ora ameaçado de perder um, ora outro, ora todos ao mesmo tempo.
É, hoje, um Estado judeu? É. De seus pouco mais de 5,5 milhões de habitantes, 81% são judeus, mais da metade nascidos em Israel, e os restantes provenientes de 70 países do resto do mundo.
Mas, se tornada permanente, a ocupação dos territórios árabes provocaria, em poucos anos, uma inversão demográfica, dada a taxa de natalidade significativamente mais elevada entre os árabes.
É um Estado democrático? É. Mas a ocupação dos territórios predominantemente habitados por palestinos leva Israel a recorrer a práticas até totalitárias, para reprimir a revolta dos palestinos.
Hebron é, de novo, um símbolo marcante. Em inúmeras casas da rua King David, que era a principal artéria comercial da cidade, casas antes pertencentes aos árabes exibem agora uma estrela de David (símbolo do Estado judeu) amarela pintada na porta, para indicar quem são os donos supostamente verdadeiros.
A estrela de David amarela era pintada nas janelas ou portas de casas de judeus, nos países europeus ocupados pela Alemanha nazista, para apontar as próximas vítimas das perseguições.
Além disso, os árabes com cidadania israelense (900 mil) são tratados como cidadãos de segunda classe. A ponto de sua renda per capita ser inferior à metade da de seus concidadãos judeus.
De todo modo, o nó decisivo e que ajuda a entender porque Israel ganhou guerras, mas não a paz, é a definição dos seus limites.
E não causa conflitos apenas com os vizinhos árabes. Acabou por criar profundas divisões internas no próprio Estado judeu, a ponto de estar na origem do assassinato, em 1995, do então primeiro-ministro Yitzhak Rabin.
Rabin aceitou o princípio "terra por paz", ou seja, a devolução de parte dos territórios ocupados após a guerra de 67 em troca da paz, com os palestinos e também com os demais vizinhos. Chamado de traidor pela extrema-direita, sua morte foi saudada por extremistas como "gesto sagrado".
A divisão ficou evidenciada na eleição de 1996, em que Binyamin Netanyahu, que defende um Estado judeu que abranja quase toda a terra de Israel, elegeu-se com 1,501 milhão de votos, contra 1,471 milhão dados a Shimon Peres, favorável à teoria da "terra por paz".
No fundo, o dilema de Israel é entre usar ou não a Bíblia "à guisa de mapa", como ironiza o jornalista norte-americano Thomas Friedman.



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