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IDENTIDADE
País se vê menos branco e mais pardo
Demografia e valorização crescente da identidade de cor ajudam a explicar crescimento de pretos e pardos entre 1995 e 2008
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A imagem do Brasil como um
país de maioria branca não se
sustenta mais nas estatísticas.
Há 13 anos, quando o Datafolha fez a sua primeira grande
pesquisa sobre o tema, metade
dos entrevistados se definiram
como brancos. Hoje, são 37%,
percentual próximo ao dos autodeclarados pardos (36%). Os
que se classificam como pretos
representam 14% da população
com 16 anos ou mais, de acordo
com o levantamento.
Este movimento é coerente
com o detectado pelas pesquisas do IBGE: em 2007, pela primeira vez na história, a soma de
pretos e pardos superou a de
brancos no total da população.
Duas razões principais explicam o crescimento dos autodeclarados pretos e pardos.
A primeira é demográfica. O
Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil, organizado pelos pesquisadores Marcelo Paixão e Luiz Carvano,
mostra que, em 1995, o número
médio de filhos de mulheres
pretas e pardas era 3,0. Entre
brancas, a taxa era de 2,2.
Dez anos depois, a diferença
caiu, mas as mulheres pretas e
pardas seguem tendo, em média, mais filhos (2,3 ante 1,9).
No entanto, como a definição
de cor ou raça pelo IBGE é autodeclaratória (é o entrevistado quem escolhe entre cinco
opções fornecidas), outra razão
apontada por especialistas para
esse aumento é que pessoas
que antes se identificavam como brancas deixaram de se
classificar assim.
No relatório de Paixão e Carvano, comparou-se a geração
que, em 1995, tinha de 10 a 29
anos, e, em 2005, tinha de 20 a
39 anos. Mesmo nesse grupo
-em tese, a mesma população
dez anos depois- foi verificado
aumento de pretos e pardos.
Para o sociólogo José Luiz
Petrucelli, do IBGE, contribuiu
para esse aumento o que ele
chama de processo de revalorização identitária. "O que antes
não entrava nos padrões de beleza ou prestígio e era desvalorizado hoje mudou para se
constituir em referência, até
para poder usufruir de vantagens relativas", diz, referindo-se, por exemplo, a ações afirmativas que passaram a dar benefícios a pretos e pardos no
acesso ao ensino superior.
Além de investigar como a
população se classifica pelo critério do IBGE (branco, preto,
pardo, amarelo ou indígena), o
Datafolha perguntou como os
brasileiros definiriam sua cor
de forma espontânea, ou seja,
sem restringir a resposta a essas cinco opções.
O resultado foi que, apesar do
crescimento na proporção dos
brasileiros que se autodeclaram pretos ou pardos, outros
termos, como moreno e negro,
são mais utilizados de forma
espontânea. A soma das respostas moreno, moreno claro e
moreno escuro, por exemplo,
chega a 33%, quase o dobro dos
17% que se definiram como
pardos espontaneamente.
O termo negro, não utilizado
pelo IBGE, representou 7% das
respostas espontâneas, percentual superior aos 4% que se declararam pretos dessa maneira.
É essa a resposta que é dada
pela operadora de telemarketing Érika Nascimento de Paula, 29, que aparece na capa deste caderno. Questionada sobre
a sua cor pela reportagem, disse: "Sou negra". Quando apresentada às opções do IBGE, disse ser "preta".
"Há negros que têm preconceito com a própria cor e dão
outras respostas", diz, justificando as afirmações taxativas.
Até mesmo quando o Datafolha fez a pergunta sobre cor limitando as respostas às cinco
definições utilizadas pelo IBGE, houve quem não aceitasse
ter que escolher apenas entre
elas. Mesmo a opção não constando desta pergunta do questionário, 4% insistiram e se declararam morenos.
Mudanças
A dificuldade de classificar a
população segundo as definições do IBGE vem sendo discutida internamente no instituto,
que, neste ano, está elaborando
mais um estudo para subsidiar
propostas. Um dos desafios é
substituir o termo pardo, que,
tradicionalmente, representaria tanto descendentes de pretos com brancos quanto de
brancos com índios.
Petrucelli, do IBGE, defende
mudanças, mas diz que o tema
precisa ser tratado com cuidado. Ele afirma que qualquer alteração, se acontecer, será discutida com a sociedade e feita
de forma a permitir comparações com pesquisas anteriores.
"Minha posição pessoal é que
precisamos aprimorar esse critério, pois é muito rígido e não
dá conta da diversidade de
identidades dos brasileiros."
Não é a primeira vez que o
IBGE tenta mudar. Antes do
Censo de 2000, foi feito um teste com opções de respostas espontâneas. O sociólogo Simon
Schwartzman, presidente do
instituto na época, afirma que
as definições foram tantas que
inviabilizaram a mudança.
"A conclusão foi que era melhor ficar com o que tínhamos.
Quando você abre a questão, as
pessoas dizem ser moreninhas
ou cor de jambo, entre tantas
outras respostas. A maioria da
população não quer ser etiquetada racialmente", diz.
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