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"Ainda sou exceção", diz Lázaro Ramos
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Na televisão, a pequena Taís
Araújo via Xuxa, linda, loira e
rainha dos baixinhos. Todas as
suas amigas do colégio particular, onde era a única negra, aderiram à moda Chitãozinho e
Xororó e cortaram os cabelos
lisos no estilo "mullet", comprido atrás e repicado em cima.
"Fui cortar o meu também,
amor. Fiquei igual a um poodle", conta Taís, rindo, ao se referir aos seus cabelos crespos.
A atriz, que completa 30 anos
na próxima terça, leva no bom
humor, mas admite que "são
coisas muito pesadas para uma
criança". "Meus pais e meu colégio me deram segurança suficiente para eu poder hoje brincar com isso, que é muito sério.
Era impossível me identificar
com os ídolos da televisão."
De fato, um estudo aponta
que, desde o início da teledramaturgia brasileira até a adolescência de Taís, os negros,
quando apareciam, não eram
os heróis. O livro e documentário "Negação do Brasil" (2000),
de Joel Zito Araújo, mostram
que interpretavam principalmente empregados domésticos, escravos e criminosos.
Nos últimos anos, acredita
Taís, meninas e meninos negros passaram a ter referências
positivas na TV. E seu nome está ligado à mudança. Ela foi a
primeira mocinha negra em
uma novela majoritariamente
feita por atores brancos ("Da
Cor do Pecado", 2004). "Quando me chamaram, pensei: "Meu
Deus, como isso é importante
para a sociedade! Se a Globo
aceita, o Brasil vai aceitar"."
Se Taís se tornou a princesa
negra da TV, Lázaro Ramos é o
príncipe. Formado no Bando
de Teatro Olodum, grupo de
atores negros de Salvador, o
ator, 30, só teve papel de protagonista desde que chegou à TV.
Para ele, a televisão vive um
"momento de reconstrução na
questão da inserção do negro".
"Há novelas com muitos atores
negros, mas que falam da violência, e há negros nos papéis
de médico, gay..." Mas ressalta
que sua carreira "é exceção". "A
TV vem mudando muito lentamente e ainda não foi tão esperta quanto a publicidade, que já
percebeu que o negro é consumidor e quer se ver refletido."
Para ele, "é preciso parar com
esse negócio de tratar negro como ator negro". "O personagem
de Fábio Assunção [mocinho
da novela "Negócio da China",
afastado por problemas pessoais após esta entrevista] poderia ser feito pelo Rocco Pitanga. Eu, no começo da carreira, fiz testes e consegui papéis
variados, como o surfista de
"Carandiru" e o garoto de "O Homem que Copiava". Agora que
sou famoso, recebo convites
com a rubrica "ator negro". [Devem falar:] "Ah, tem esse cara aí
que é negro e é bom ator"."
A sociedade brasileira se
mostra dividida ao analisar a
representação do negro na TV
(veja ao lado). Enquanto 31%
dizem que os negros aparecem
da forma como realmente vivem, 27% acham que são retratados de forma mais positiva do
que vivem na realidade e 33%,
de forma mais negativa.
Para Milton Gonçalves, 74,
que sempre lutou por personagens fora dos estereótipos e
criou polêmica ao aceitar seu
atual papel de político corrupto
em "A Favorita", até hoje "o negro aparece na TV só para dar
uma cor local". "É como a TV
americana, que põe um apresentador branco, um negro, um
latino e um asiático." Ele avalia
que a TV "está estagnada". "Os
protagonistas de Taís e Lázaro
são conquistas, mas nada que
tenha alterado. Com é que o fato de eu fazer um corrupto ainda causa irritação? Por que não
podemos ser vilões?"
Joel Zito Araújo também
acha "uma bobagem" discutir
se o negro pode ou não interpretar vilões. "Minha crítica é a
ausência de atores negros em
papéis positivos. E os negros
ainda continuam naquela cota
de sempre de 10% do elenco."
Para o cineasta, "a televisão
piora a realidade do negro, que
ainda é raramente incorporado. Para equilibrar um peso
enorme da representação histórica, a TV deveria até retratar
o negro de forma mais positiva
porque certamente tem o papel
de transformar a realidade".
Ruth de Souza, primeira protagonista negra da teledramaturgia, em "A Cabana do Pai
Tomás" (1969/70), novela sobre escravos, resume a questão
com a sabedoria de quem chegou aos 87 anos, mais de 60 de
uma carreira com consagrados
papéis: "A TV conta histórias, e
o negro tem que participar normalmente, como de todos os
segmentos da sociedade".
47 pontos
foi a audiência de "Da Cor do Pecado", a maior já registrada pela
Globo às 19h desde o Plano Real até hoje
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