|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EXTREMOS
"Elite preta" se divide sobre extensão do preconceito
Para herdeiro, racismo ficou "mais velado'; diretor de banco diz que cor não importa
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Para quem teve um avô caçado a laço pela Marinha no final
do século 19, porque faltavam
marinheiros na Força, temerosos dos castigos físicos, Sydnei
Lima Santos (1925-2001) chegou longe. Foi Santos, um coronel que trocou o Exército pela
carreira de professor, que criou
o que é considerado o maior negócio já levantado por um negro no Brasil -a Universidade
Tuiuti do Paraná, que tem 12
mil alunos e fatura cerca de
R$ 60 milhões ao ano.
Se a vida fosse um programa
lacrimoso de TV, Santos seria
um personagem perfeito para
ilustrar a queda do preconceito
contra negros. Mas não contem
com os herdeiros dele para
uma empreitada desse tipo.
Carlos Eduardo Santos, 53, o filho de Sydnei que administra a
universidade, diz que seria ingenuidade olhar só para o preconceito explícito: "O racismo
não está diminuindo, só está ficando mais velado. E racismo
velado é pior".
Carlos não é uma exceção entre quatro executivos negros
ouvidos pela Folha, todos
bem-sucedidos. Só um diz que
nunca sofreu preconceito.
"Já me confundiram com
motorista na porta de restaurante, mas bastou o cara olhar
um pouco para pedir desculpas", conta o engenheiro Nelson Narciso Filho, 53, diretor
da ANP (Agência Nacional de
Petróleo) que já foi gerente-geral da ABB (Asea Brown Boveri) no Brasil e diretor-geral da
Halliburton em Angola.
Narciso Filho afirma que a
maior estranheza do mundo
corporativo é a ausência de
"pares" em cargos mais elevados: "Nunca encontrei um negro em cargo de diretor nas
empresas em que trabalhei. Já
comandei e fui comandado por
americanos, noruegueses,
franceses e escoceses. Aqui, a
coisa é pior do que nos EUA".
Pesquisa feita pelo Instituto
Ethos em 2005 confirma a impressão do diretor da ANP. Só
3,4% dos executivos brasileiros
são negros (2,9% são pardos e
0,5% pretos).
O diretor de recursos humanos do Bradesco, José Carlos
Bueno, 55, parece ser a exceção
que confirma a regra. "Não sei
o que é preconceito. A única
vez que fizeram uma colocação
pejorativa sobre a minha cor
foi numa partida de futebol, e
era só para provocar".
Filho de um encarregado de
uma fábrica de fósforos e de
uma lavadeira que tirava água
do poço porque não havia água
encanada na rua em que viviam, em Osasco, Bueno é diretor numa empresa que contraria os números. No Bradesco,
ele diz, 14,3% dos cargos de
chefia são ocupados por negros. Não há nenhum tipo de
ação afirmativa no banco. E
nem precisa, de acordo com o
diretor de RH. "Basta não ter
preconceito que os negros chegam aos cargos de chefia."
Não é bem assim, segundo
José Vicente, 48, reitor da Unipalmares e da organização não-governamental Afrobras. "No
Brasil, não há um negro na presidência de uma empresa como
a American Express nem um
vice-presidente na IBM. No
mundo corporativo, o Brasil é
mais racista do que os Estados
Unidos", afirma.
A falta de negros no topo das
corporações acabou ajudando
os negócios de Vicente na Unipalmares: as empresas que não
contratam negros para sua diretoria ajudam a sustentar a escola, segundo ele. Sem patrocínio de empresas como o próprio Bradesco, o Itaú, o Real e o
Safra, a Unipalmares já estaria
falida. A mensalidade paga pelos alunos cobre 30% dos gastos; o patrocínio empresarial
cobre os 70% restantes.
Fardado e armado
A ascensão de Sydnei Lima
Santos até a criação da Universidade Tuiuti também passou
ao largo de empresas. "Se não
fosse o Exército, meu pai não
teria feito a universidade. O
uniforme de coronel era uma
arma contra o preconceito. Em
1951, ele chegou a uma Curitiba
dominada por alemães, poloneses e italianos. Para não sofrer
preconceito, ele saía na rua de
farda e armado."
A galeria de presidentes do
Coritiba Foot Ball Club serve
para ilustrar os percalços do
militar: ele é o único negro que
ocupou o cargo desde que o time foi criado, há 99 anos.
Seria empobrecedor, segundo Narciso Filho, imaginar as
pequenas mudanças que ocorrem hoje no Brasil como resultado exclusivo da ação dos negros. "Está havendo uma tomada de consciência do negro e do
não-negro. É um processo que
se retroalimenta."
O executivo, porém, afirma
não ter dúvidas da origem dessas mudanças: "O que despertou essa consciência foram os
movimentos negros. Eles são
fundamentalíssimos".
Texto Anterior: "Ainda sou exceção", diz Lázaro Ramos Próximo Texto: Edson Santos, 54: Em que situações a cor da sua pele se mostra relevante? Índice
|