São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O município terá de 'exportar' lixo?

Com investimento privado, dois novos aterros ainda poderão absorver resíduos da cidade por 30 anos; concorrência feita pela prefeitura prevê também construção de incineradores e educação ambiental

DA REPORTAGEM LOCAL

O futuro das cerca de 14 mil toneladas de lixo produzidas diariamente em São Paulo -12 mil delas só de resíduos domésticos- pode estar garantido pelos próximos 30 anos. Mas, depois disso, mesmo com 40% de redução no que vai para os aterros, as alternativas de deposição acabam, e a capital terá de buscar soluções metropolitanas -acordos com cidades vizinhas- para resolver o problema.
E esse é o cenário otimista. Caso a concessão dos serviços de limpeza pública atrase ou não saia, o quadro pode ser mais sombrio.
Isso porque a concessão prevê desarmar algumas "bombas-relógio" que, se explodirem, podem trazer o caos para a cidade, alerta a professora Wanda Maria Risso Günther, da Faculdade de Saúde Pública da USP, que desde 1986 estuda a gestão do lixo.
Quem vencer a concorrência promovida pela prefeitura terá de implantar dois novos aterros sanitários. Aos atuais Bandeirantes (zona norte) e São João (zona leste) restam três anos de vida útil, segundo o secretário de Serviços e Obras, Osvaldo Misso.
As concessionárias terão ainda de instalar duas novas usinas de compostagem, cuja meta é reduzir em 20% o lixo que vai para os aterros. A única usina em funcionamento hoje, a de Vila Leopoldina (zona oeste), produz um pré-composto que pouca gente quer comprar, exigiu uma série de investimentos para minimizar o mau cheiro que afeta os vizinhos e trata só 1.200 t de lixo por dia.
Caberá também às concessionárias implantar a coleta seletiva de porta em porta em toda a cidade, o que deverá aumentar o volume de recicláveis que chegam às centrais de triagem operadas por ex-catadores. Sem ela, será difícil reduzir em 10% o que vai para os aterros -meta conservadora da prefeitura, já que cerca de 30% do lixo doméstico é reciclável, e a percentagem tende a crescer.
Outra contribuição importante será o investimento de cerca de R$ 3,6 milhões anuais em educação ambiental. Dos R$ 450 milhões que as empresas receberão por dez anos de concessão, 8% deverão ir para essas atividades, que hoje deixam muito a desejar, segundo especialistas.
"A abrangência do projeto de coleta seletiva será determinante. Ela passa fundamentalmente pela informação e orientação da população", diz Elisabeth Grimberg, do Instituto Polis e coordenadora-geral do Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo.
Outro ponto previsto na concessão é a provável instalação de equipamentos como incineradores, "fornos" de plasma e de pirólise (tratamentos térmicos a altíssimas temperaturas). Eles seriam responsáveis pela redução de 10% no lixo que é aterrado, mas são polêmicos -embora defendidos por especialistas como Risso e Pedro Roberto Jacobi, vice-presidente do Procam (Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, da USP), são malvistos por ambientalistas e Grimberg.
Todas as soluções citadas são caras e, sem a entrada das concessionárias, a prefeitura não conseguirá tirá-las do papel, diz Misso.

Pós-consumo
Mesmo que a concessão seja liberada pelo Tribunal de Contas do Município até o fim do mês (condição para que siga seus prazos originais), ela ainda não atacará um problema básico na gestão do lixo: a redução na geração.
Isso só se consegue, dizem Risso, Jacobi e Grimberg, com uma política de responsabilidade pós-consumo, que obrigue a indústria não só a usar métodos ambientalmente amigáveis de produção e embalagens recicláveis, mas também a fazer a sua parte na destinação correta dos produtos que põe no mercado.
Isso depende de lei federal. Todos cobram a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cuja não-votação pelo Congresso dá uma idéia da força do lobby contra a responsabilização do setor produtivo.
"O lixo sempre foi o "primo pobre" do saneamento básico. Foi o último a ser visto como importante, inclusive para a saúde pública. Essa visão vem sendo alterada, mas as preocupações ainda são bastante recentes", resume Arlindo Philippi Jr., coordenador científico do Núcleo de Informações em Saúde Ambiental da USP. (MARIANA VIVEIROS)

Texto Anterior: A prefeitura vai entrar no combate ao crime?
Próximo Texto: É possível evitar escassez de água sem elevar tarifa?
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.