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É possível evitar escassez de água sem elevar tarifa?
Com demanda crescente e oferta limitada na região, valorização futura é inevitável; para afastar
o risco de desabastecimento, é preciso mudar hábitos de consumo
MARIANA VIVEIROS
ISABELLE MOREIRA LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL
No futuro, os moradores de
São Paulo certamente terão de pagar mais pela
água. A previsão é unanimidade
entre especialistas em recursos hídricos e representantes do poder
público.
A elevação do custo será o resultado de uma equação na qual aparecem como variáveis essenciais a
proteção dos mananciais atualmente em uso, a redução do desperdício por parte de consumidores domésticos, industriais e agrícolas, a diminuição das perdas na
rede de abastecimento, o quão
longe será preciso ir para conseguir novas fontes e com quem elas
terão de ser disputadas.
E não adianta culpar só o padre
Anchieta pela infeliz escolha do
local onde construiu o colégio que
deu origem a São Paulo -a nascente dos rios formadores da bacia do Alto Tietê, onde a disponibilidade de água é menor do que
na foz. Outras duas razões fundamentais para que se tenha hoje
uma situação já crítica do abastecimento público (para não falar
na degradação dos rios e represas) são o contínuo crescimento
da cidade sem planejamento nem
controle e, do ponto de vista da
oferta, a histórica primazia ao uso
energético dos corpos d"água.
Por um lado, "a expansão urbana desordenada, apesar da existência de planos que nunca saíram do papel, se deu em conseqüência da confluência da migração, motivada pela industrialização e pelo crescimento econômico, com a falta de recursos, omissão, descaso e corrupção dos órgãos públicos de controle", afirma Pedro Roberto Jacobi, vice-presidente do Procam (Programa
de Pós-Graduação em Ciência
Ambiental, da USP), que coordena uma radiografia dos comitês
de bacia de São Paulo.
Por outro lado, a prioridade da
geração de energia em detrimento
do abastecimento público "remeteu a segundo plano a manutenção e recuperação da qualidade
da água, inclusive tratamento de
esgoto", completa Ricardo Toledo da Silva, diretor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) e um dos autores
do Plano de Bacia do Alto Tietê.
Ele lembra que a represa Guarapiranga teve como função original regularizar a vazão do rio Pinheiros para geração de energia, a
Billings foi projetada para possibilitar a operação da usina Henry
Borden, em Cubatão, e até mesmo a reversão de água da bacia do
rio Piracicaba, pelo sistema Cantareira, foi motivada prioritariamente pela geração energética.
Nos últimos dez anos, outro
problema se somou aos já existentes: a expulsão acelerada de
moradores para áreas periféricas
pela impossibilidade de custear a
moradia no centro da cidade, diz
Mônica Porto, professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da USP e co-autora do
Plano de Bacia do Alto Tietê.
O "efeito perverso" do processo
é que as pessoas de baixa renda
acabam em regiões onde não existe infra-estrutura sanitária, fazendo com que a empresa de saneamento, a Sabesp, tenha de investir
mais pra levar água até lá. E como
essas pessoas consomem pouca
água e têm uma tarifa diferenciada (social), "rendem" pouco para
a Sabesp. "Ou seja, não há como
pagar o investimento", completa
Rubem La Laina Porto, professor
do mesmo departamento.
A falência da Lei de Proteção de
Mananciais, de 1975, que impedia
a ocupação das áreas de produção
de água -e que, para alguns, teve
o efeito contrário, estimulando o
loteamento clandestino de terrenos que perderam totalmente seu
valor econômico- se reflete em
números. As margens da Guarapiranga e da Billings têm, juntas,
cerca de 1,5 milhão de habitantes.
Na região do sistema Cantareira,
o total é de pouco mais de 100 mil
pessoas.
Cenários futuros
É difícil fazer futurologia sobre o
abastecimento de água -La Laina Porto lembra que previsões
anteriores falharam porque estimavam um crescimento demográfico muito maior do que o
ocorrido-, mas o Plano de Bacia
do Alto Tietê trabalha com dois
cenários possíveis para 2010.
Se a situação evoluir mais ou
menos como hoje (tendencial),
estima-se que a demanda por
água crescerá na Grande São Paulo de 64 mil (em 2000) para 78,6
mil litros por segundo (em 2010).
Num cenário induzido, em que
ações de gerenciamento de demanda seriam colocadas em prática (controle de urbanização, introdução de tecnologias poupadoras de água etc.), o aumento do
consumo fica 60% menor, indo
dos mesmos 64 mil para 69,8 mil
litros por segundo em 2010.
O quadro atual é o seguinte: a
demanda na região metropolitana é de cerca de 68 mil litros por
segundo e já está acima do que
previa o cenário induzido (66 mil
litros por segundo). O gasto, porém, se mantém ligeiramente
abaixo do que previa o cenário
tendencial (69 mil litros por segundo). De qualquer forma, a
Grande São Paulo não segue o caminho certo, e a situação é vista
por Silva como preocupante.
A produção de água hoje fica
exatamente em torno de 68 mil litros por segundo e não há como
aumentá-la, senão por obras e pelo uso de novos mananciais. O
que pode parecer um equilíbrio é,
na verdade, um risco por causa da
grande dependência em relação a
fenômenos naturais não-controláveis como chuva e calor.
"Se eu pego dois anos ruins, como 2001, 2002, e um 2003 ainda
muito pior, o reservatório não resiste e ocorre a crise", diz La Laina
Porto. E, mesmo sem a necessidade de um grande racionamento,
sistemas como o Cantareira não
vêm conseguindo mais encher
durante o período chuvoso, daí a
tendência de que as crises se tornem cada vez mais freqüentes e
graves, sustenta Jacobi.
O próximo Plano Diretor de
Águas da Sabesp prevê algumas
alternativas, das quais as mais viáveis são o represamento do rio
Capivari-Monos, no extremo sul
da capital, e a captação no rio Juquiá, em Juquitiba (Grande SP).
As outras opções são, da mais para a menos exequível, trazer água
das represas de Paraibuna (a cerca de 120 km de SP) e reverter o
rio São Lourenço (de São Lourenço da Serra, na Grande SP).
Todas elas, porém, envolvem
custos, problemas ambientais e
disputa com outros usuários.
Medidas não-estruturais
Embora as obras sejam necessárias, os especialistas são unânimes
em considerá-las insuficientes.
Eles insistem ser fundamental a
adoção de medidas não-estruturais: troca de equipamentos hidráulicos por modelos que consomem menos, cobrança pelo uso
da água, reúso, controle da urbanização e da ocupação dos mananciais em nível metropolitano,
associada a políticas de habitação
popular e de compensação financeira a cidades que preservarem
suas regiões de produção de água.
Elas não vão evitar o aumento
do preço -podem até contribuir
para isso-, mas protegerão paulistanos e vizinhos de um cenário
ainda pior de escassez, má qualidade da água e custos igualmente
altos. Colocar tais medidas em
prática é o maior desafio.
Há resistências políticas à cobrança pela água (o secretário de
recursos hídricos do Estado,
Mauro Arce, por exemplo, é contra); não há sinal de campanhas
nem ações do poder público para
motivar a troca de bacias sanitárias e válvulas de descarga; a perspectiva de urbanizar as ocupações
dos mananciais não contempla o
seu congelamento; falta ainda um
longo caminho para a criação de
uma infra-estrutura institucional
que possibilite a disseminação do
reúso de água, mesmo para fins
não nobres, afirma Ivanildo Hespanhol, professor da Escola Politécnica da USP e presidente do
Centro Internacional de Referência em Reúso de Água.
E a decisão da Prefeitura de São
Paulo de tomar da Sabesp o controle do saneamento na capital
não terá muito efeito na solução
da equação, já que não há como
trabalhar a questão fora do enfoque metropolitano, dizem Porto,
Silva, Jacobi e La Laina Porto.
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