São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A cidade necessita de mais hospitais?

Segundo a prefeitura, problema já não é a falta de vagas, mas a desorganização nos atendimentos; cenário otimista prevê menor demanda por leitos no futuro graças a ações preventivas e a avanços na medicina

AURELIANO BIANCARELLI
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Retrato da saúde em São Paulo, hoje: filas nos prontos-socorros de quase todos os hospitais. No HC, o Hospital das Clínicas referência no país, idosos imploram por vaga para uma cirurgia de próstata. Na neurologia, as inscrições estão fechadas há anos. Placas avisam que a espera por medicamentos é de quatro horas, no mínimo. Isso se o remédio não estiver em falta.
Vítima de dores intensas decorrentes de uma cirurgia de vesícula, Aparecida Garcia Silva, 63, chora com a receita na mão e a notícia de que o remédio acabou.
Retrato de São Paulo em 20 anos: num cenário pessimista, as esperas são ainda maiores, pacientes e familiares disputam lugares comprando senhas na fila. Quem paga mais, é atendido.
"Com escolas de medicina abertas sem critérios e profissionais despreparados e sem vocação, a cidade terá poucos hospitais de qualidade, reservados a privilegiados, e uma grande maioria de hospitais de segunda classe", diz Clóvis Francisco Constantino, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.
No cenário otimista, a cidade terá unidades básicas funcionando em todos os bairros e programas de saúde da família incentivando as ações preventivas. Grupos de obesos, de diabéticos ou de idosos farão caminhadas matinais orientados por agentes de saúde. Aos grandes hospitais, só chegarão os que precisarem de cirurgias ou acompanhamento especializado.
"Os leitos serão reservados a procedimentos mais complexos. Cirurgias que antes exigiam uma internação agora são feitas em ambulatórios", diz Dante Montagnana, presidente do Sindhosp, sindicato que reúne hospitais, clínicas e laboratórios privados do Estado de São Paulo.
José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina, diz que, nos EUA, 80% das operações são feitas em ambulatórios. "Em dez anos, o Brasil chegará a esse cenário."

Menos leitos
Nos últimos 20 anos, a demanda por hospitais pautou as ações de saúde da região metropolitana. Entre 1999 e 2003 foram entregues os últimos hospitais do plano de saúde metropolitano feito na década de 80. Eram 13 hospitais. A atual administração do Estado ampliou a meta para 15.
Nas décadas de 60 e 70, calculava-se a necessidade de cinco leitos para cada grupo de mil habitantes, diz Luiz Barradas Barata, secretário estadual da Saúde. Com o progresso da medicina, os serviços de saúde deixaram de recomendar longas internações para doenças psiquiátricas e infecciosas, como a tuberculose. "Hoje, avaliamos que um leito por mil habitantes dá conta do recado."
A cidade tem atualmente 26.175 leitos públicos (2,5 por mil habitantes). Segundo a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, não faltam vagas -o problema hoje é de organização. Mas distritos distantes das áreas centrais ainda demandam hospitais.
Enquanto subprefeituras como Sé (no centro), Vila Mariana (zona sul) e Pinheiros (zona oeste) concentram mais da metade dos leitos (13.444), áreas na periferia da zona sul, como M'Boi Mirim, onde vivem mais de 480 mil pessoas, têm apenas 144 leitos. "Lá não tem nada de nada", diz o secretário municipal da Saúde, Gonzalo Vecina. A prefeitura vai desapropriar um terreno no local para abrigar um hospital.

Mais remédios
Para Vecina, vencido o desafio da construção de unidades, permanecerá o de dar solução a dramas como o da idosa que chorava por um remédio para a dor.
O Ministério da Saúde estima que mais de 50% dos brasileiros não tenham condições de comprar remédios. Pesquisas mostram que a maior parte dos medicamentos básicos está em falta em unidades do SUS.
O Brasil já gasta muito pouco em Saúde -perto de R$ 0,70 por habitante por dia, somadas as despesas da União, dos Estados e dos municípios, para cuidar de dor de barriga a transplante, incluídos aí os remédios. A Constituição garante saúde a todos, mas o financiamento não, diz Vecina. "De que adianta dar a consulta se não damos o remédio?"

Deslocamentos
Cerca de 600.000 pessoas circulam todos os dias pela região metropolitana em busca de solução para problemas de saúde na rede pública e privada, mostrou estudo feito pela pesquisadora Aylene Bousquat a partir da pesquisa Origem e Destino do Metrô de 1997. É como se toda a população da cidade de Osasco, na Grande São Paulo, por exemplo, resolvesse deixar o município todas as manhãs em busca de cura.
O destino principal dos milhares de pacientes, que geram 1,2 milhão de viagens pela região -consideradas a ida e a volta- é conhecido: os grandes nós de atendimento do miolo da capital, que concentram de hospitais especializados a funerárias, como o complexo do Hospital das Clínicas, na zona oeste de São Paulo. Os deslocamentos por motivos de saúde correspondiam a 4% do total de viagens feitas na região metropolitana por dia em 1997.
O levantamento de Bousquat mostrou que, na busca por atenção, não valem as fronteiras -a Secretaria da Saúde do município calcula que 13,7% das 542.619 internações feitas na capital em 2002 tenham sido "invasões" do entorno e de outros Estados. Pacientes de Guarulhos e Osasco são os mais atendidos na capital.
"Existem duas coisas. A lógica do Executivo, lógica de que a atenção se organiza na cidade, e a da população, que não respeita isso", diz Bousquat, professora do mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Católica de Santos. Para ela, é imperioso que se articulem políticas metropolitanas.
Na saúde, uma "política metropolitana" significa organizar, entre os municípios, que unidades atenderão o quê. Só na capital são 70 hospitais sob gestão da prefeitura e cerca de 400 postos de saúde. Para o cidadão, uma melhor organização poderia significar o fim da peregrinação em busca de atendimento.

Texto Anterior: Até o final de 2004, periferia terá 25 CEUs
Próximo Texto: Mais idosos e mais violência exigirão um "novo" médico
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.