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A cidade necessita de mais hospitais?
Segundo a prefeitura, problema já não é a falta de vagas, mas a desorganização nos atendimentos; cenário otimista prevê menor demanda por leitos no futuro graças a ações preventivas e a avanços na medicina
AURELIANO BIANCARELLI
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Retrato da saúde em São Paulo, hoje: filas nos prontos-socorros de quase todos os
hospitais. No HC, o Hospital das
Clínicas referência no país, idosos
imploram por vaga para uma cirurgia de próstata. Na neurologia,
as inscrições estão fechadas há
anos. Placas avisam que a espera
por medicamentos é de quatro
horas, no mínimo. Isso se o remédio não estiver em falta.
Vítima de dores intensas decorrentes de uma cirurgia de vesícula, Aparecida Garcia Silva, 63,
chora com a receita na mão e a
notícia de que o remédio acabou.
Retrato de São Paulo em 20
anos: num cenário pessimista, as
esperas são ainda maiores, pacientes e familiares disputam lugares comprando senhas na fila.
Quem paga mais, é atendido.
"Com escolas de medicina abertas sem critérios e profissionais
despreparados e sem vocação, a
cidade terá poucos hospitais de
qualidade, reservados a privilegiados, e uma grande maioria de
hospitais de segunda classe", diz
Clóvis Francisco Constantino,
presidente do Conselho Regional
de Medicina de São Paulo.
No cenário otimista, a cidade terá unidades básicas funcionando
em todos os bairros e programas
de saúde da família incentivando
as ações preventivas. Grupos de
obesos, de diabéticos ou de idosos
farão caminhadas matinais orientados por agentes de saúde. Aos
grandes hospitais, só chegarão os
que precisarem de cirurgias ou
acompanhamento especializado.
"Os leitos serão reservados a
procedimentos mais complexos.
Cirurgias que antes exigiam uma
internação agora são feitas em
ambulatórios", diz Dante Montagnana, presidente do Sindhosp,
sindicato que reúne hospitais, clínicas e laboratórios privados do
Estado de São Paulo.
José Luiz Gomes do Amaral,
presidente da Associação Paulista
de Medicina, diz que, nos EUA,
80% das operações são feitas em
ambulatórios. "Em dez anos, o
Brasil chegará a esse cenário."
Menos leitos
Nos últimos 20 anos, a demanda
por hospitais pautou as ações de
saúde da região metropolitana.
Entre 1999 e 2003 foram entregues
os últimos hospitais do plano de
saúde metropolitano feito na década de 80. Eram 13 hospitais. A
atual administração do Estado
ampliou a meta para 15.
Nas décadas de 60 e 70, calculava-se a necessidade de cinco leitos
para cada grupo de mil habitantes, diz Luiz Barradas Barata, secretário estadual da Saúde. Com o
progresso da medicina, os serviços de saúde deixaram de recomendar longas internações para
doenças psiquiátricas e infecciosas, como a tuberculose. "Hoje,
avaliamos que um leito por mil
habitantes dá conta do recado."
A cidade tem atualmente 26.175
leitos públicos (2,5 por mil habitantes). Segundo a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo,
não faltam vagas -o problema
hoje é de organização. Mas distritos distantes das áreas centrais
ainda demandam hospitais.
Enquanto subprefeituras como
Sé (no centro), Vila Mariana (zona sul) e Pinheiros (zona oeste)
concentram mais da metade dos
leitos (13.444), áreas na periferia
da zona sul, como M'Boi Mirim,
onde vivem mais de 480 mil pessoas, têm apenas 144 leitos. "Lá
não tem nada de nada", diz o secretário municipal da Saúde,
Gonzalo Vecina. A prefeitura vai
desapropriar um terreno no local
para abrigar um hospital.
Mais remédios
Para Vecina, vencido o desafio
da construção de unidades, permanecerá o de dar solução a dramas como o da idosa que chorava
por um remédio para a dor.
O Ministério da Saúde estima
que mais de 50% dos brasileiros
não tenham condições de comprar remédios. Pesquisas mostram que a maior parte dos medicamentos básicos está em falta em
unidades do SUS.
O Brasil já gasta muito pouco
em Saúde -perto de R$ 0,70 por
habitante por dia, somadas as
despesas da União, dos Estados e
dos municípios, para cuidar de
dor de barriga a transplante, incluídos aí os remédios. A Constituição garante saúde a todos, mas
o financiamento não, diz Vecina.
"De que adianta dar a consulta se
não damos o remédio?"
Deslocamentos
Cerca de 600.000 pessoas circulam todos os dias pela região metropolitana em busca de solução
para problemas de saúde na rede
pública e privada, mostrou estudo feito pela pesquisadora Aylene
Bousquat a partir da pesquisa
Origem e Destino do Metrô de
1997. É como se toda a população
da cidade de Osasco, na Grande
São Paulo, por exemplo, resolvesse deixar o município todas as
manhãs em busca de cura.
O destino principal dos milhares de pacientes, que geram 1,2
milhão de viagens pela região
-consideradas a ida e a volta- é
conhecido: os grandes nós de
atendimento do miolo da capital,
que concentram de hospitais especializados a funerárias, como o
complexo do Hospital das Clínicas, na zona oeste de São Paulo.
Os deslocamentos por motivos de
saúde correspondiam a 4% do total de viagens feitas na região metropolitana por dia em 1997.
O levantamento de Bousquat
mostrou que, na busca por atenção, não valem as fronteiras -a
Secretaria da Saúde do município
calcula que 13,7% das 542.619 internações feitas na capital em
2002 tenham sido "invasões" do
entorno e de outros Estados. Pacientes de Guarulhos e Osasco são
os mais atendidos na capital.
"Existem duas coisas. A lógica
do Executivo, lógica de que a
atenção se organiza na cidade, e a
da população, que não respeita isso", diz Bousquat, professora do
mestrado em Saúde Coletiva da
Universidade Católica de Santos.
Para ela, é imperioso que se articulem políticas metropolitanas.
Na saúde, uma "política metropolitana" significa organizar, entre os municípios, que unidades
atenderão o quê. Só na capital são
70 hospitais sob gestão da prefeitura e cerca de 400 postos de saúde. Para o cidadão, uma melhor
organização poderia significar o
fim da peregrinação em busca de
atendimento.
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