São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

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BIODIVERSIDADE

A pobreza das espécies


Extinções continuam em ritmo acelerado


THOMAS E. LOVEJOY
ESPECIAL PARA A FOLHA

Rio de Janeiro, 1992: mais chefes de Estado se juntam do que em toda a história e duas grandes convenções são produzidas, uma sobre mudanças climáticas e uma sobre o mundo da natureza. A diversidade biológica (um termo com apenas 12 anos de idade e que abrangia a variedade da vida na Terra, incluindo todas as espécies de plantas, animais e microrganismos) parecia -finalmente- ter conseguido a sua chance. As apostas eram altas.
Agora, quando as nações do mundo se dirigem a Johannesburgo para a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (a Rio +10), quanto de fato a questão da biodiversidade avançou?
À primeira vista, é razoável dizer que o progresso tem sido desapontador. O problema da extinção avulta-se tão grande quanto sempre foi -talvez até maior, porque, agora, seus estágios iniciais são mais visíveis e mais bem compreendidos. O Congresso dos EUA, atolado em política e desentendimentos, ainda precisa ratificar a convenção (embora o país a tenha assinado, em 1993).
Muito da contribuição prometida para o Fundo Global para o Ambiente falhou em se materializar e a assistência exterior ao desenvolvimento, tão essencial para alcançar um melhor equilíbrio, tem desapontado ainda mais. Também preocupante é a posição relativamente fraca da mudança climática e da biodiversidade na agenda de Johannesburgo. Com efeito, a "agenda da pobreza" do encontro terá pés de barro sem a inclusão do ambiente, com os elementos sociais e econômicos do desenvolvimento sustentável.
Por outro lado, também seria um erro não enxergar esperança nenhuma na situação, ou tratar as realizações da década passada desde o encontro do Rio como triviais. Considere, por exemplo, o progresso na Amazônia brasileira, mesmo que as taxas de queimadas e desmatamento tenham se mantido altas. Desde 1992, a maioria das terras indígenas foi demarcada em colaboração com o Programa-Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais, financiado pelo G-7. Muitas áreas protegidas federais foram criadas, incluindo um tipo completamente novo -a "reserva extrativista", conceito criado pelo Brasil. Reservas estaduais também foram criadas, como a de Mamirauá.
O governo brasileiro, juntamente como o Banco Mundial e o Fundo Mundial para a Natureza, se comprometeu a transformar 10% da Amazônia brasileira em áreas protegidas. Isso, mais outros tipos de unidade (florestas nacionais e áreas indígenas, por exemplo), elevará a área total sob proteção para perto de 40%. É um progresso enorme. E não é um fenômeno brasileiro ou amazônico: progressos importantes têm ocorrido em vários outros países.
Ainda assim há muito a conquistar, sob pena de que esses avanços sejam todos perdidos no futuro. O ciclo hidrológico da Amazônia -responsável por pelo menos 50% das chuvas na bacia amazônica- depende da manutenção de algo como 80% da cobertura vegetal.
Os eixos de desenvolvimento planejados pelo governo federal estão desenhados de uma maneira que pode ser muito prejudicial a esse ciclo. Além disso, eles parecem não estar integrados com os corredores ecológicos da Amazônia (os quais cruzam em ângulo reto). O programa Avança Brasil deverá pôr a perder o que já foi conquistado, a menos que o debate atual sobre ele resulte em mais planejamento integrado. Essa integração do aspecto ambiental -na verdade, de todos os aspectos- no planejamento do desenvolvimento é crítica não só para a Amazônia brasileira, mas para toda a Amazônia. Felizmente, o presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceu esse desafio pan-amazônico publicamente, e o Brasil está dando passos iniciais na direção do desenvolvimento sustentável da Amazônia.
As perspectivas para a biodiversidade requerem que se considere também as mudanças climáticas. Desde o Rio, não só a mudança climática provocada pelo homem tornou-se aparente, como seus efeitos iniciais sobre a diversidade biológica também já são discerníveis. Mudanças na época de floração de plantas, nas datas de migração de aves e na distribuição geográfica de várias espécies têm sido registradas. Mudanças climáticas substanciais terão implicações graves para a biodiversidade. Será difícil para muitas espécies de plantas e animais se deslocar -como fizeram durante mudanças climáticas do passado- através de paisagens que foram modificadas ao ponto de representar obstáculos.
Sob algum grau de mudança climática, não importa o quão lenta ela seja, certos ecossistemas simplesmente não sobreviverão -por exemplo, aqueles em ilhas próximas ao nível do mar, e incluindo pelo menos uma área de importância global para a biodiversidade, na África do Sul, o Karoo. A ciência ecológica precisa urgentemente determinar qual é a concentração aceitável de gases-estufa para minimizar a perda de espécies. Manter esse limite exigirá a transformação do setor energético no mundo inteiro.
Muita coisa está em jogo para os recursos biológicos da Terra em Johannesburgo. Entre outras coisas, é hora da Convenção da Biodiversidade ir além de suas preocupações sobre equidade, propriedade intelectual e biossegurança e se dedicar de corpo e alma à conservação também. A Rio +10 precisa reconhecer que a redução da pobreza não pode ser obtida em meio ao empobrecimento biológico.


Thomas E. Lovejoy, 60, é ecólogo e pesquisador da Smithsonian Institution, consultor-sênior para biodiversidade do Banco Mundial e presidente do The Heinz Center for Science, Economics and the Environment, em Washington. Foi o primeiro cientista a usar o termo "diversidade biológica", em 1980



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