São Paulo, terça-feira, 25 de janeiro de 2011

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Só a pobreza e a violência uniram a vila de São Paulo

Índios canibais, jesuítas e colonizadores participaram da primeira ascensão e da primeira grande queda paulistana

RICARDO MIOTO
SABINE RIGHETTI
GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO

A história da vila de São Paulo é a história de três grupos de gente. Os índios foram dizimados. Os jesuítas, expulsos. Os colonizadores acabaram empobrecidos.
Além da desgraça como destino, todos tinham em comum apenas o forte desprezo pela liberdade alheia.
Os dizimados já brigavam muito entre si -notoriamente, em São Paulo, os tupiniquins contra os tupinambás, uns tentando matar os outros para comê-los, fazendo com que os europeus se horrorizassem com o canibalismo.
As próprias guerras, aliás, assustavam portugueses como Pero de Magalhães Gândovo, que se chocou ao ver "dous ou tres mil homens nus duma parte e doutra frechando huns aos outros".
Guerras e os banquetes humanos, porém, não eram suficientes para exterminar os índios, feito que coube aos europeus, pouco a pouco, por meio das doenças contagiosas trazidas por eles.
Nem era, então, objetivo dos colonizadores matar os índios. Preferiam que, vivos, se tornassem escravos.
Assim, por mais que os índios insistissem em morrer de sarampo e varíola, eles criaram uma próspera economia baseada na mão de obra nativa após a fundação da cidade, em 1554.
Os índios eram responsáveis pela produção e pela entrega do trigo paulistano, que servia o mercado do litoral, então exportador de cana.
O transporte entre São Paulo e Cubatão era feito a pé, e o resto da viagem era de canoa. O primeiro trecho levava três ou quatro dias -além de carga, os índios transportavam também os portugueses, que reclamavam da interminável viagem em desconfortáveis redes.
Durante o auge da produção de trigo em São Paulo, entre 1630 e 1680, o fluxo ali era intenso. Tanto que ele só foi interrompido duas vezes no século 17: por um surto de sarampo que fez faltar índio e por uma onça feroz à solta.
Por causa de surtos assim, e também pela sede da economia em expansão por mão de obra, a demanda por índios se tornou maior do que a oferta nas aldeias próximas a São Paulo, mesmo com índios aos milhares na região.
Mais por necessidade do que por opção, a solução foi buscar índios em regiões cada vez mais distantes. Surgiram, então, os bandeirantes. Estima-se que eles trouxeram 40 mil índios. Como os nativos morriam fácil, a rotatividade era altíssima.
A vantagem das terras distantes era que elas estavam longe dos jesuítas paulistanos, que faziam certa pressão contra o apresamento indígena -ainda que escravizassem índios nas suas propriedades. Os jesuítas incomodaram tanto que foram expulsos de São Paulo em 1640.
A desvantagem era que, com as aventuras indo para longe, o custo ficou alto demais. Perdia-se tempo e muitas vidas no caminho (leia mais na pág. 12). São Paulo enfrentou, então, falta de mão de obra e foi ao declínio.
Alguns paulistas tentaram trazer africanos para substituir os índios, mas era caro. A ascensão do ouro em Minas Gerais e o declínio da cana, já no fim do século 17, deram o golpe final na economia.
Levava-se dois meses para chegar a Minas -muito longe para receber produtos paulistanos. Muitos colonos simplesmente foram embora para lá. Quem ficou empobreceu, trocando o trigo por pastos. Nas palavras de John Manuel Monteiro, professor da Unicamp e autor de "Negros da Terra" (Cia. das Letras), sobre o tema, "o agricultor paulista do século 18 foi apenas uma sombra do grande senhor do século 17".
Acabaram unidos pela pobreza aos índios que escravizaram. Só no século 19 o café apareceria para tornar a economia paulistana, novamente, digna de grande atenção.


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