São Paulo, terça-feira, 25 de janeiro de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
Orra meu Paulistano tem jeito de falar próprio, com influências vindas de todos os cantos, de outros Estados e países Português se restringia a documentos MARCELLE SOUZA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Sem muitas portuguesas por perto, boa parte dos primeiros colonos paulistanos casaram com índias.Resultado: os filhos aprendiam uma língua que não era português nem tupi, embora puxasse bem mais para a última. No século 17, a "língua geral paulista" era, então, muito mais comum do que o português na cidade. Algumas das suas expressões ainda vivem, como cutucar e nhenhenhém. Tratava-se de uma língua oral. Nos documentos oficiais, utilizava-se uma versão arcaica (e quase nunca bem redigida) do português. Habilidade com a "língua geral" e o tupi se tornou tão importante que era obrigatória entre os jesuítas -deixando para trás até o latim, considerado dispensável. Os colonos se habituaram tanto ao tupi que começaram a reclamar quando a captura de índios em regiões próximas a SãoPaulo se esgotou. É que os bandeirantes começaram a ter de buscar nativos para escravizar em terras mais distantes, onde os índios não falavam tupi. Em 1680, então, um colono dizia que a sua maior frustração ao ver os seus escravos, provavelmente guaianás, doentes era não poder entender "do que os pobres padecem, porque não há língua que os entenda". Foram os bandeirantes, aliás, que espalharam a "língua geral" para outros estados, como Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Paraná, diz Eduardo de Almeida Navarro, professor de tupi da USP. Não se sabe com certeza, porém, se o "erre" retroflexo dessas regiões -aquele do "não suporrto porrta aberrta"- veio do tupi, nem se foi levado pelos bandeirantes. De qualquer forma, tanto o interior como a capital paulista iriam receber grandes levas de imigrantes séculos depois, gente que alterou completamente a maneira de se falar o português por aqui. Bem antes, porém, a "língua geral" já estava condenada. Morreu em 1758, quando o marquês de Pombal, ministro do rei dom José 1º, proibiu ensinar qualquer coisa próxima ao tupi no Brasil, para fortalecer o português. ENTREOUVIDO EM 1650 Baeapiabapaipó? "Que índios são esses?" em tupi Cair um toró "Tororó" é jorro d’água em tupi Velha coroca "velha resmungona", já que "kuruk" é resmungar em tupi Îandé ruba, Îandé Îara! "Nosso Pai, Nosso Senhor", escreveu Anchieta em tupi Ficar com nhenhenhém Quer dizer "falando sem parar", pois "nhe’eng" é falar em tupi Cutucar Vem da palavra "kutuk", que é espetar em tupi Ir ao Jabaquara o nome do bairro, em tupi, significa "casa dos índios fugidos" Treição e maparra no português arcaico, virou hoje "traição e fingimento" Paulistanês engloba periferia e inglês RAPHAEL MARCHIORI COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Toda noite em São Paulo as pessoas "colam naquela parada" e sentem uma "vibe na balada". Explicar isso com um dicionário clássico de português seria impossível, mas no "paulistanês" contemporâneo é admitido e até recomendado para determinadas situações. A criação de expressões que não existem em nenhum outro idioma e a incorporação de termos estrangeiros são cada vez mais frequentes no vocabulário usado aqui. O falar paulistano clássico, caracterizado pelo "r" vibrante, e o som anasalado, representado por personagens imigrantes italianos das novelas de época, dá espaço para termos surgidos na periferia da cidade ou a incorporação de palavras em inglês . "O "é nois", por exemplo, ganhou periferias do interior e já deve estar presente em outros Estados", diz Anna Christina Bentes da Silva, sociolinguista da Unicamp. E não é só na periferia que o "é nois" se difunde. Quem anda por São Paulo, seja no Itaim Paulista, bairro no extremo da zona leste, ou em Moema, na zona sul, uma hora ou outra ouvirá essa expressão e ainda pode ser surpreendido com um convite para um "rolê" com um "mano" para "trocar uma ideia". A difusão desses termos se dá tanto pela convivência em espaços comuns da cidade como pelas redes sociais na internet. "Hoje em dia você não tem um único falar paulistano, mas vários tipos de fala", diz Anna Christina. Determinada expressão, por vezes, não tem sua origem na cidade em que ela se popularizou. Mas sua repetição em determinada região valida seu uso e a torna característica da cidade. Além dessas expressões criadas e incorporadas ao vocabulário, especialistas dizem que o falar paulistano típico se perdeu. Para Ataliba de Castilho, linguista e consultor do Museu da Língua Portuguesa, a razão está no crescimento da metrópole. "O falar clássico da cidade está submerso no meio das muitas influências que São Paulo recebe, tanto do exterior quanto de outros Estados", diz Castilho. ENTREOUVIDO EM 2011 BALADA festa MANO amigo É NÓIS confirmação de algo - gíria de um grupo social, no caso a periferia TROCAR IDEIA conversar - expressão muito usada em São Paulo, mas já difundida por outras cidades e estados MAGINA por nada, de nada Ô MEU chamamento VIBE vibração - expressão usada por jovens de classes sociais mais abastadas COLAR NAQUELA PARADA ir a algum lugar - gíria de um grupo social, no caso a periferia Texto Anterior: Sushi multiétnico Próximo Texto: Cidade do futuro terá mais árvores e menos trânsito Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |