São Paulo, terça-feira, 25 de janeiro de 2011

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SÃO PAULO DE ONTEM

Grandes nomes têm passado mais vermelho que dourado


BANDEIRANTES ERAM HOMENS DUROS, ANDAVAM DESCALÇOS E NÃO TINHAM PUDOR DE ENGANAR OS ÍNDIOS


JOSÉ ROBERTO TORERO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um dia gostaria de escrever um romance histórico sobre os bandeirantes. Mas o livro não teria muito a ver com aquela imagem de homens destemidos que buscaram expandir as fronteiras. Nem suas roupas seriam como as daquela estátua de gosto duvidoso de Borba Gato em Santo Amaro, que está vestida quase como um nobre.
Aliás, nobreza é uma coisa que os bandeirantes não tinham.
Eram homens duros, que falavam mais guarani do que português, andavam descalços e não tinham pudor de usar golpes baixos para enganaros índios,comose disfarçarem de padres.
Seria um romance com sangue e lama, aventura e morte. Tenho dúvidas sobre o personagem principal.
Poderia ser Manuel Preto, dono da região que hoje é a Freguesia do Ó. Tinha mais de mil escravos índios. Sua relação com Deus era um tanto conflituosa. Ao mesmo tempo em que mandava erguer uma capela para Nossa Senhora do Ó, matava padres nas missões jesuíticas no sul.
Ironicamente, morreu vítima de uma flechada.
Seu concorrente ao cargo de protagonista seria Raposo Tavares, que lutou contra os holandeses em Pernambuco, foi inimigo dos jesuítas (chegou a ser excomungado), esteve em gigantescas expedições para aprisionar índios e comandou a Bandeira dos Limites, talvez a grande aventura brasileira do século 17.
Ela saiu de São Paulo com mais de mil pessoas, foi até o Paraguai, de lá para Mato Grosso, depois subiu pelo rio Paraguai até sua nascente, navegou pelo Amazonas e foi parar na fortaleza de Gurupá, no Pará. Foram 10 mil quilômetros por mais de três anos.
E, é claro, no meio disso tudo, ainda foram travadas algumas batalhas.
Apenas 59 brancos e poucos índios chegaram ao final da aventura. "Os que restavam mais pareciam desenterrados que vivos", disse o padre Antonio Vieira. Contase que, ao voltar a São Paulo, nem os parentes reconheceram Raposo Tavares.
Enfim, seria um romance que mostraria que sobrenomes como Pires de Mendonça, Paes Leme e Vaz de Barros, que sugerem pompa e circunstância, riqueza e poder, têm um passado mais vermelho que dourado.

JOSÉ ROBERTO TORERO, 47, é jornalista e coautor do livro "Terra Papagalli", obra ficcional sobre o descobrimento do Brasil, e da peça "Terra de Livres", ambientada em Minas Gerais no ciclo do ouro, entre outros


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