São Paulo, sexta, 25 de dezembro de 1998

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EURO
Uma nova moeda desafia o dólar

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

À primeira vista, é uma cena de Natal idêntica à de tantos anos anteriores na Rathausplatz, em frente à Prefeitura de Viena: barraquinhas vendem enfeites natalinos, artesanato, brinquedos; turistas e austríacos circulam com canequinhas de vinho quente nas mãos, que o frio beira 0C, ou comem "langos", uma espécie de pastel redondo e sem recheio.
Mas uma segunda olhada mostra que o enorme letreiro que encima a barraca de "baked potatoes" anuncia os preços em duas moedas. A batata com recheio de queijo, por exemplo, custa 35 xelins austríacos ou 2,50 euros.
"É o aquecimento para 1999", explica Franz Gubelsky, o dono.
Para a Europa ou ao menos para 11 dos países europeus, o Natal de 98 não será um Natal qualquer. Uma semana depois dele, entra em vigor o euro, a moeda única de 11 dos 15 países que formam a UE (União Européia)*.
É um desses eventos que merece adjetivos de grosso calibre, por mais banalizados que pareçam estar. Tanto que até o sóbrio Fundo Monetário Internacional diz:
"Ao envolver a substituição de moedas nacionais de um número de economias altamente desenvolvidas e de substancial tamanho, a união monetária e econômica (da Europa) não terá paralelo".
De fato, olhe-se para a frente ou para trás, é quase impossível encontrar paralelos.
Olhando para a frente: o euro "desafiará o dólar como moeda-chave do mundo", chega a dizer Fred Bergsten, diretor do Instituto para a Economia Internacional (EUA), um dos maiores especialistas em economia global.
Desafio fácil de explicar: "O comércio e as finanças internacionais são feitos em dólares porque os EUA são o maior exportador e importador. A partir de 99, o bloco do euro será o maior exportador e importador", diz Avinash Persaud, do grupo financeiro J. P. Morgan.
Ou, como diz relatório da Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado de 15 países: "Com o euro, a Europa terá uma presença na cena monetária internacional que corresponderá melhor ao seu peso econômico e comercial".
A desproporção, hoje, é formidável: os 11 países que adotam o euro produzem, anualmente, o equivalente a US$ 6,385 trilhões, não muito menos que a produção da maior potência planetária, os EUA (US$ 8,1 trilhões).
Em termos de comércio internacional, os 11 do euro participam com 19% (excluindo o comércio entre eles próprios), acima dos 17% dos EUA.
Mas mais de 50% do comércio mundial se faz em dólares. No total das transações internacionais com moedas, o dólar aparece em ao menos uma das pontas em 87%, contra 30% do marco alemão e 24% de outras moedas européias.
A criação do euro tende a modificar o quadro. O razoável é supor que haverá um deslocamento para o euro de todos os ativos financeiros mundiais concentrados atualmente no dólar -muito ou pouco, só o futuro dirá.
Bergsten chega a prever que o deslocamento será de US$ 500 bilhões a US$ 1 trilhão, o que equivale, na hipótese mais suave, a 60% da riqueza brasileira mudar de repente de mãos.
Se o futuro apresenta perspectivas tão espetaculares, olhar para o passado também torna o advento do euro fenômeno sem paralelo.
Basta lembrar que, há apenas 60 anos, "Hitler, como Carlos Magno e Napoleão antes dele, tomou, pela espada, virtualmente toda a área da CEE original" (Comunidade Econômica Européia, precursora da UE e formada a princípio apenas por seis países, Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo).
É o que lembra Dick Leonard, assessor-sênior do Centro para Estudos de Política Européia, no livro "Guia da União Européia".
É uma alusão à ocupação, pela Alemanha nazista, de boa parte da Europa. Sessenta anos depois, ninguém precisou da espada para mudar, de um só golpe, a moeda de 11 países e, portanto, de seus 291 milhões de habitantes. Tudo somado, será mesmo difícil encontrar algo que mereça tanto o rótulo de evento "sem paralelo".
²


*Participam do euro: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal. Ficam fora: Dinamarca, Grécia, Reino Unido e Suécia.



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