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EURO
Uma nova moeda desafia o dólar
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
À primeira vista, é uma cena de
Natal idêntica à de tantos anos anteriores na Rathausplatz, em frente
à Prefeitura de Viena: barraquinhas vendem enfeites natalinos,
artesanato, brinquedos; turistas e
austríacos circulam com canequinhas de vinho quente nas mãos,
que o frio beira 0C, ou comem
"langos", uma espécie de pastel redondo e sem recheio.
Mas uma segunda olhada mostra
que o enorme letreiro que encima
a barraca de "baked potatoes"
anuncia os preços em duas moedas. A batata com recheio de queijo, por exemplo, custa 35 xelins
austríacos ou 2,50 euros.
"É o aquecimento para 1999", explica Franz Gubelsky, o dono.
Para a Europa ou ao menos para
11 dos países europeus, o Natal de
98 não será um Natal qualquer.
Uma semana depois dele, entra em
vigor o euro, a moeda única de 11
dos 15 países que formam a UE
(União Européia)*.
É um desses eventos que merece
adjetivos de grosso calibre, por
mais banalizados que pareçam estar. Tanto que até o sóbrio Fundo
Monetário Internacional diz:
"Ao envolver a substituição de
moedas nacionais de um número
de economias altamente desenvolvidas e de substancial tamanho, a
união monetária e econômica (da
Europa) não terá paralelo".
De fato, olhe-se para a frente ou
para trás, é quase impossível encontrar paralelos.
Olhando para a frente: o euro
"desafiará o dólar como moeda-chave do mundo", chega a dizer
Fred Bergsten, diretor do Instituto
para a Economia Internacional
(EUA), um dos maiores especialistas em economia global.
Desafio fácil de explicar: "O comércio e as finanças internacionais são feitos em dólares porque
os EUA são o maior exportador e
importador. A partir de 99, o bloco
do euro será o maior exportador e
importador", diz Avinash Persaud, do grupo financeiro J. P.
Morgan.
Ou, como diz relatório da Comissão Européia, o braço executivo do
conglomerado de 15 países: "Com
o euro, a Europa terá uma presença na cena monetária internacional que corresponderá melhor ao
seu peso econômico e comercial".
A desproporção, hoje, é formidável: os 11 países que adotam o euro
produzem, anualmente, o equivalente a US$ 6,385 trilhões, não
muito menos que a produção da
maior potência planetária, os EUA
(US$ 8,1 trilhões).
Em termos de comércio internacional, os 11 do euro participam
com 19% (excluindo o comércio
entre eles próprios), acima dos
17% dos EUA.
Mas mais de 50% do comércio
mundial se faz em dólares. No total
das transações internacionais com
moedas, o dólar aparece em ao menos uma das pontas em 87%, contra 30% do marco alemão e 24% de
outras moedas européias.
A criação do euro tende a modificar o quadro. O razoável é supor
que haverá um deslocamento para
o euro de todos os ativos financeiros mundiais concentrados atualmente no dólar -muito ou pouco,
só o futuro dirá.
Bergsten chega a prever que o
deslocamento será de US$ 500 bilhões a US$ 1 trilhão, o que equivale, na hipótese mais suave, a 60%
da riqueza brasileira mudar de repente de mãos.
Se o futuro apresenta perspectivas tão espetaculares, olhar para o
passado também torna o advento
do euro fenômeno sem paralelo.
Basta lembrar que, há apenas 60
anos, "Hitler, como Carlos Magno
e Napoleão antes dele, tomou, pela
espada, virtualmente toda a área
da CEE original" (Comunidade
Econômica Européia, precursora
da UE e formada a princípio apenas por seis países, Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo).
É o que lembra Dick Leonard, assessor-sênior do Centro para Estudos de Política Européia, no livro
"Guia da União Européia".
É uma alusão à ocupação, pela
Alemanha nazista, de boa parte da
Europa. Sessenta anos depois, ninguém precisou da espada para mudar, de um só golpe, a moeda de 11
países e, portanto, de seus 291 milhões de habitantes. Tudo somado,
será mesmo difícil encontrar algo
que mereça tanto o rótulo de evento "sem paralelo".
²
*Participam do euro: Alemanha, Áustria, Bélgica,
Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal. Ficam fora: Dinamarca, Grécia, Reino Unido e Suécia.
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