São Paulo, sexta, 25 de dezembro de 1998

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Moeda única tem objetivo político


Guerras convenceram os europeus a reforçar a cooperação econômica, para tentar evitar o ressurgimento de novos conflitos armados


do enviado especial a Viena

As guerras (as quentes e a Guerra Fria) foram a mãe e a avó do euro, que, longe de ser uma construção econômica como soa agora, é um objetivo político. "Adolf Hitler foi o principal catalisador da Comunidade Européia, embora nenhum de seus líderes admita facilmente que ele é o pai-fundador", escreve, por exemplo, Dick Leonard, no livro "Guia da União Européia". Traduzindo: milênios de guerras na Europa culminaram com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), provocada pelo ditador alemão Adolf Hitler. Logo que ela terminou, um punhado de visionários europeus imaginou que seria necessário estabelecer interesses econômicos compartilhados para que os países do continente, unidos apenas pela geografia, deixassem de fazer a guerra de tempos em tempos. Foi assim que nasceu, em 1951, aquilo que hoje é mera curiosidade arqueológica, a Ceca (Comunidade Européia do Carvão e do Aço), precursora remota da União Européia. Eram, então, apenas seis países: Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo. Em 47 anos, o que em termos históricos é pouco, ainda mais para a milenar história européia, a integração entre antigos inimigos deixou de girar em torno dos hoje obsoletos carvão e aço para se transformar primeiro em Comunidade Econômica Européia (1957) e, agora, em União Européia. Os seis membros originais passaram para nove, em 1973, com a entrada de Dinamarca, Irlanda e Reino Unido. Saltaram para dez, em 1981, com o ingresso da Grécia. Chegaram a 12 em 1986, com Portugal e Espanha. Hoje são 15, depois que Áustria, Finlândia e Suécia aderiram em 1995. Faz, portanto, apenas três anos. Além de Hitler, o outro grande catalisador da unificação européia foi a chamada Guerra Fria, o confronto ideológico entre o mundo capitalista e o mundo comunista. De novo, como na Segunda Guerra Mundial, o principal teatro de operações era a Europa: afinal, tanto o Muro de Berlim, que separava as duas Alemanhas, como a chamada "Cortina de Ferro", jargão para designar a fronteira entre os países comunistas e a Europa ocidental (e capitalista) ficavam em solo europeu. A Europa precisava de força econômica para opor-se à expansão comunista, já que seu braço militar era, na essência, assegurado pelos Estados Unidos. E nada melhor para construir uma potência econômica do que a união entre antigos inimigos (como Alemanha e França) para fazer frente ao novo adversário. De todo modo, quando, em 1989, caiu o Muro de Berlim (simbolizando a derrota do comunismo), a unificação européia ganhou um terceiro catalisador, menos importante que os anteriores apenas porque o processo já estava avançado. A reunificação da Alemanha, possibilitada pela queda do Muro e pelo fim da antiga Alemanha Oriental (e comunista), recriou o temor de que o país pudesse voltar a exercer sua tendência expansionista, o que reabriria todas as feridas das muitas guerras anteriores. Atar a Alemanha firmemente à Europa seria a melhor maneira de afastar esse risco, talvez irrelevante para as gerações mais novas, mas muito presente em líderes como o presidente francês François Mitterrand (1981-1995) e o premiê alemão Helmut Kohl (1982-1998), ambos da geração que vivera a Segunda Guerra. Não por acaso Kohl e Mitterrand foram, a partir daí, as principais locomotivas no processo de unificação européia, até porque tiveram longos reinados (de 16 e 14 anos, respectivamente). Primeiro, em 1990, com a liberalização do movimento de capitais. Em seguida, em 1992, com a assinatura do Tratado de Maastricht, que estabeleceu as diretrizes para a moeda única que deveria entrar em vigor, o mais tardar, em 1999. Mal terminou a cúpula de Maastricht, o mercado comum europeu tomava forma, com a livre movimentação de mercadorias. É natural, embora demasiado previsível, que a União Européia tenha escolhido como símbolo para festejar o advento do euro, dia 1º próximo, a figura da cegonha carregando um bebê no bico. É de fato o nascimento de uma nova Europa, que já não faz a guerra, mas negócios. (CLÓVIS ROSSI)


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