São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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Futebol profissional a cargo de Eurico; a seleção, com Lazaroni


Ricardo, tenho um negócio em cima de minha mesa que vale ouro para você
JULIO GRONDONA, presidente da AFA, sobre o chileno Rojas



Em parte, Ricardo Teixeira acreditava que a fórmula do sucesso fosse a divisão de tarefas, mas também temia chutar para fora ao opinar sobre o mundo da bola e reforçar a pecha que já lhe impunham: a de ser um pára-quedista na área esportiva.
Os bons resultados em campo insistiam em não aparecer. O time nacional fez uma excursão ruim à Europa. Eurico cunhou a célebre frase: "Para o Brasil, perder foi um aprendizado". Parte da imprensa passou a pressionar os dirigentes quanto à manutenção ou não de Lazaroni no cargo de treinador.
"Minha função não é fazer apreciações técnicas. Lazaroni será o técnico da seleção até a Copa. E ponto final", respondia Teixeira.
Mas, em julho de 1989, ele começou a se arrepender de ter aceitado a imposição do vascaíno.
O Brasil abrigava a Copa América e jogou em Salvador, no Recife e no Rio. A seleção ia mal na primeira fase da competição -uma vitória de 3 a 1 sobre a fraca Venezuela e dois empates sem gols contra Peru e Colômbia.
Na opinião de Teixeira, Lazaroni havia cometido um erro estratégico. O técnico havia convocado o atacante Charles, do Bahia, para a preparação para o Sul-Americano. Mas, no dia do embarque para Salvador, cortou o jogador.
O gesto causou revolta entre os torcedores baianos e na cúpula da CBF. Dentro da entidade, teve início uma movimentação pela substituição do treinador. Na Fonte Nova, a seleção era recebida ora com indiferença ora com indignação. Teixeira chegou a se reunir com diretores da CBF e com amigos para fritar Lazaroni. No bar do hotel em que estava hospedado na capital baiana, disse: "Decidi, ele está fora". Emerson Leão seria o substituto -foi, por apenas cinco horas.
O técnico paulista tinha sido avisado de que um jatinho o buscaria na manhã seguinte. Foi quando Teixeira decidiu ligar para Havelange, que estava na Suíça.
"Meu filho, não faça isso. Durante uma competição não se manda técnico embora. Leve-o até o fim da disputa. Depois você demite. Só não faça isso agora", disse a Teixeira o presidente da Fifa. O discípulo seguiu o mestre.
A mudança repentina de planos irritou os que articulavam a entrada de Leão na seleção e também o treinador, que, mais de dez anos depois do episódio, assumiria o comando do time nacional.
Na cabeça do presidente da CBF, Lazaroni seria substituído, por motivos técnicos, após a Copa América. Mas a seleção brasileira, que tinha os jovens Bebeto e Romário, engrenou e venceu a competição. O treinador que conquistara o primeiro título da era Teixeira não podia ser chutado.
Ao final do torneio, em meados de 1989, o cartola dos gabinetes, como Teixeira era chamado, já começava a frequentar os vestiários. Depois de decidir manter Lazaroni, chamou o técnico para uma conversa. Impôs, pela primeira vez, a escalação de um jogador na seleção -prática que jamais admitiu. Disse que Romário, que havia acusado Lazaroni de só convocar seus amigos para a seleção, deveria ser titular.
"Olha, tenho lhe dado todo o apoio, mas você tem que apostar mais no Romário." Já no Recife, na vitória de 3 a 0 sobre o Paraguai, o "Baixinho" estava em campo. E não saiu mais. Na fase final, foram três jogos do então atacante do PSV e gols em todos -contra a Argentina, o Paraguai e, na final, o Uruguai.
Era o primeiro título da gestão Teixeira, conquistado diante dos uruguaios no mesmo Maracanã onde, exatamente 39 anos antes, em 16 de julho de 1950, o Brasil perdeu a Copa para o time celeste.
Com a primeira conquista assegurada, faltava então classificar o Brasil para o Mundial da Itália.
Era 3 de setembro, e o Brasil precisava de um empate contra o Chile para continuar sendo o único país a estar em todas as Copas.
O Brasil vencia por 1 a 0, gol de Careca, quando, aos 24min do segundo tempo, um sinalizador explodiu no gramado do Maracanã. Rojas desabou, e os chilenos abandonaram o campo, alegando que seu goleiro estava ferido.
O juiz encerrou a partida, e a tranquila vitória dentro de campo teria que ser ratificada na Fifa.
Teixeira passou por uma semana de angústia. Os chilenos requeriam à entidade de Havelange os pontos do jogo e a vaga na Copa. Os brasileiros tinham certeza de que os rivais haviam sido os responsáveis pelo ferimento no supercílio de Rojas. Faltava provar.
Foi quando Julio Grondona, presidente da Associação do Futebol Argentino, ligou para Teixeira. Aliado de Havelange, o cartola argentino vislumbrava a possibilidade de galgar postos na Fifa.
"Ricardo, tenho um negócio em cima de minha mesa que vale ouro para você", disse Grondona.
O manda-chuva da AFA se referia a uma foto feita pelo fotógrafo Ricardo Alfieri. Por US$ 6.000, Teixeira comprou o documento que levaria o Brasil à Itália.
Uma semana depois do jogo, o dirigente brasileiro mostrou aos integrantes do Comitê Disciplinar da Fifa a tal foto -Rojas, no chão mas de cara limpa e a metros do sinalizador. Depois de quatro horas de reunião, o Brasil foi confirmado vencedor, o Chile, suspenso e o goleiro, banido do esporte. Alfieri, mais tarde, virou fotógrafo da Confederação Sul-Americana.
Garantido na Copa, Teixeira então tinha como missão viabilizar financeiramente a viagem para a Itália. Recorreu ao já amigo J. Hawilla. Conseguiu, mas a falta de comunicação entre Lazaroni e os jogadores, o racha dentro do grupo e um gol de Caniggia, após grande jogada de Maradona, tiraram o Brasil da Copa nas oitavas.
Após a campanha vexatória na Itália, a imagem de Teixeira começava a se desgastar. Muitas metas de campanha não foram cumpridas, como a reorganização do Brasileiro com 20 clubes na primeira divisão e a disputa do torneio por pontos corridos.
A imagem da CBF, que ele havia prometido melhorar, pouco -ou quase nada- tinha de diferente da deixada por Guimarães.
A eleição na CBF estava marcado para o final de 1991. Mas foi antecipada para anular possíveis efeitos de um projeto de lei que tramitava no Congresso. Seu autor era o ex-jogador Zico, então secretário de Esportes do governo Collor. O texto, se aprovado, alteraria o colégio eleitoral da CBF ao incluir nele os times da primeira e da segunda divisões. Àquela altura, a relação de Teixeira com os clubes já era instável. Para evitar riscos, os presidentes de federações, até então soberanos no colégio eleitoral, anteciparam a votação. "É uma jogada política para se opor à outra do grupo do Zico", justificou, na época, Delfim de Pádua, dirigente de Santa Catarina.
O ex-jogador, decepcionado, classificou a manobra de "imoral". Eduardo Viana, o "Caixa D'água", presidente da Federação de Futebol do Rio, encontrou uma saída legalista: "A Constituição dá autonomia às entidades desportivas para a mudança dos estatutos. Não existe golpe dentro da legalidade". Nos tribunais, Márcio Braga, dirigente do Flamengo e liderança entre os clubes, tentou, sem sucesso, uma liminar.
A coalizão de forças que havia levado Teixeira ao poder sofria as primeiras pequenas rachaduras. Mas a base de apoio do dirigente ainda permanecia sólida o suficiente para garantir a ele uma reeleição. Assim, no dia 17 de julho de 1991, em sessão realizada a portas fechadas, o presidente foi mantido por unanimidade no cargo. Teria mais quatro anos à frente da confederação.
Logo após a cerimônia de reeleição, Teixeira recebeu um beijo do bicheiro Castor de Andrade (morto em 1997), então patrono do Bangu. O genro do "doutor Havelange", como ele se referia ao presidente da Fifa, abandonara o perfil empresarial. Era agora o principal e mais poderoso cartola do futebol brasileiro.
Na reeleição, um antigo opositor virou aliado. Nabi Abi Chedid, vice na gestão Guimarães, foi convidado para ocupar uma das cinco vice-presidências da entidade. Empresário do setor de transportes de Bragança Paulista, Chedid aceitou prontamente o cargo. Já não demonstrava tanta sede pela presidência da entidade, e isso cativou Teixeira. Os dois estão juntos até hoje, e o presidente da CBF não se cansa de elogiar a lealdade do companheiro paulista.
No aspecto financeiro, a CBF deixava para trás a carestia e caminhava para se tornar uma empresa poderosa. O dinheiro chegava aos caixas da entidade.
A Traffic tinha um plano de se tornar uma das maiores agências do mundo no setor de marketing esportivo e sabia que uma parceria sólida com a confederação era de vital importância.
Ao lado de Kléber Leite, ex-radialista que formou a agência de marketing parceira da Traffic -a Klefer-, J. Hawilla renegociou os contratos que a CBF já mantinha e trouxe novos parceiros para entidade, como a Coca-Cola, em 1991, para o lugar da rival Pepsi.
Foi dele também a idéia de aumentar a arrecadação com os direitos de televisionamento. Um contrato da CBF com a Rede Globo, por exemplo, saltou de US$ 120 mil para US$ 2 milhões. O empresário diz hoje que não pedia comissão nos negócios, queria "um crédito futuro".
E o futuro mostraria que J. Hawilla estava certo.


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