São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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Teixeira e Hawilla pela marca seleção; Pelé, pela marca 'Pelé'


Quero que Pelé venha até meu gabinete, na CBF, e mostre provas ou peça desculpas pelas acusações
RICARDO TEIXEIRA, em 1993


Com Eurico Miranda fora da entidade -o dirigente vascaíno durou no comando do futebol apenas até a Copa de 1990-, Ricardo Teixeira ousou uma manobra arriscada para tentar frear o processo de desgaste de sua gestão, alvo de críticas da imprensa e de antigos aliados. Foi quando decidiu recorrer ao prestígio da "geração de 82", que encantou o mundo nas Copas da Espanha e do México. O ex-jogador Paulo Roberto Falcão foi convidado para ser o técnico da seleção.
Nos anos 80, Falcão brilhou na Itália por sua desenvoltura dentro dos gramados, onde comandou a Roma, e fora deles, com seus ternos impecáveis, corpo esguio e um estilo discreto. Tinha o perfil ideal para retocar as tintas, já um tanto desbotadas, com as quais Teixeira havia colorido sua candidatura e o início de sua gestão.
A idéia de convidar Falcão fora imitada da seleção da Alemanha, que tinha o ex-jogador Franz Beckenbauer à frente. O perfil do brasileiro era semelhante ao do capitão campeão do mundo de 1974, apontado então pela imprensa especializada da Europa como um treinador revolucionário.
Mas o modelo brasileiro fracassou. Teixeira, pressionado, queria resultados imediatos, e eles não vieram. Em julho de 1991, a seleção foi mal na Copa América do Chile. O técnico caiu. "Dei um limite. A solução vinha sendo adiada há muito tempo", disse o dirigente ao ser questionado sobre os motivos da demissão. Já o ex-jogador sugeriu que o presidente da CBF tinha influência nas convocações do time, o que Teixeira sempre negou veementemente. O caso não impediu o patrão de elogiar o ex-empregado. "Ele fez um bonito trabalho."
Os afagos ao treinador demitido sempre foram uma praxe da gestão Teixeira. Até Sebastião Lazaroni, que talvez tenha sido o mais criticado técnico da história da seleção em Copas, recebeu sua parte. "Ele foi incompreendido."
Falcão estava fora, e três nomes repousavam sobre a mesa da presidência da CBF: Carlos Alberto Parreira, Carlos Alberto Silva e Telê Santana. Mas o último, que, no comando do São Paulo, afastava a fama de pé-frio -seria mais tarde bicampeão mundial interclubes-, só seria chamado se os dois primeiros não aceitassem.
Parreira, preparador físico da seleção tricampeã em 1970, disse sim. Em 1991, ele foi técnico do Bragantino e levou o modesto time do interior paulista até a final do Brasileiro, mas saiu derrotado justamente pela equipe de Telê.
Resolvido o problema do técnico, a CBF e a Traffic tinham então o caminho livre para pôr em prática o projeto de tornar a entidade e a agência de marketing forças mundiais -com contratos de peso e parceiros renomados.
O ponto em comum da parceria era chegar à Copa de 1994, nos Estados Unidos, com uma infra-estrutura igual à das seleções européias, ganhar a competição e transformar a marca "futebol brasileiro" em uma das mais valorizadas do mundo. O acordo com a Coca-Cola, no valor inicial de US$ 8 milhões, foi o primeiro a render uma comissão de 20% à Traffic, que ganhava prestígio internacional como agência oficial da CBF.
Antes da Copa, a dupla Kléber Leite e J. Hawilla fecharia ainda contrato de patrocínio com a marca de materiais esportivos britânica Umbro -US$ 3 milhões.
Com o dinheiro entrando, como havia prometido em sua campanha, Teixeira queria se afastar do dia-a-dia dos clubes, organizados em torno do Clube dos 13, e se aproximar mais dos negócios da seleção, que ele sabia ser a galinha dos ovos de ouro da entidade.
O caráter personalista e centralizador de sua administração era, porém, um entrave para o afastamento, pois o dirigente não delegava poderes a seus vice-presidentes. "Quero deixar bem claro: vice-presidente da CBF é só para assumir na minha ausência. Só", disse ele ainda naquele ano.
Em 16 de janeiro de 1992, Teixeira iniciou oficialmente seu segundo mandato na CBF. Um de seus primeiros atos foi nomear o tio Marco Antônio Teixeira, mineiro como ele, farmacêutico com especialização na França, para o cargo de secretário-geral da entidade. Assim, os negócios da seleção ganhariam dedicação quase integral do presidente.
A chegada do dinheiro trouxe muitos planos, mas também um inimigo de peso a Ricardo Teixeira, alguém que desestabilizaria sua gestão durante anos: o empresário Edson Arantes do Nascimento, o "rei" Pelé, maior jogador de futebol de todos os tempos, ícone da cultura brasileira e tricampeão Mundial em 1970.
No dia da posse, Pelé estava em Nova York e disse que havia entregado a Teixeira um programa de recuperação do futebol brasileiro. Irritado, o dirigente afirmou que nada mandado pelo ex-jogador tinha chegado à sede da CBF ou às suas mãos.
A participação de Pelé na campanha de Teixeira fora pequena. Os dois não eram inimigos, mas mantinham relação fria. Em 1992, o ex-jogador e sua agência de marketing esportivo queriam os direitos da Copa do Brasil, então um sucesso da CBF, mas perderam para uma concorrente.
No ano seguinte, Pelé e seu parceiro, o empresário Hélio Viana, perderiam nova disputa -desta vez para a Traffic, pelos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro. O ex-jogador e empresário resolveu, então, falar.
Deu uma entrevista à revista "Playboy" na qual disse que havia "muita corrupção" no futebol e citou como exemplo um negócio da CBF pautado por "conchavos com outros grupos". No momento mais polêmico da entrevista, Pelé afirmava que sua empresa, a Pelé Sports & Marketing, havia feito uma proposta melhor que as de suas rivais pelo Brasileiro, mas, mesmo assim, tinha perdido. A resposta veio no tapetão, com uma ação judicial do dirigente contra o ex-jogador. O teor da entrevista tinha o dedo de Viana.
Se Hawilla e Teixeira queriam valorizar a marca da seleção, Viana apostava tudo na grife Pelé. O empresário achava que o "Atleta do Século" não podia viver só da glória conquistada nos gramados, das campanhas institucionais do governo e do namoro com a apresentadora de TV Xuxa Meneghel. Para Viana, Pelé, que, um dia, dissera que brasileiro não sabia votar, deveria se transformar no ponta-de-lança da renovação que o futebol tanto ansiava.
O "rei" cumpriu o script à risca: "Eu já tenho que começar a dizer, porque esta é uma entrevista importante, vai ter repercussão, que vou começar agora a lutar, a arrumar parceiros, para lutar contra a corrupção que existe dentro do futebol. Não é justo você se calar diante da miséria da maioria dos nossos clubes e jogadores enquanto tem dirigentes de confederação ricos, milionários".
Cerca de um ano depois, a Folha publicava documentos que mostravam que a proposta da Pelé Sports pelos direitos de transmissão das eliminatórias da Copa fora inferior à da Traffic -US$ 1 milhão contra US$ 1,2 milhão. Seriam usados no processo de Teixeira contra o ex-jogador por calúnia e difamação. Sendo ou não obrigado a pagar indenização, atacar a cartolagem, encarnada pela dupla Teixeira-Havelange, seria um tiro certeiro. E foi.
A "bala" acabou ferindo mais o coração do presidente da Fifa do que o do próprio Teixeira. De imediato, Havelange tomou as dores do genro e afastou a entidade do maior jogador de todos os tempos. Pelé ficou fora dos sorteios de duas Copas, mas, como previra Viana, transformou-se em uma espécie de arauto da "necessária" renovação do futebol.
A vitória de Fernando Henrique Cardoso nas eleições presidenciais de 1994 levou Pelé ao cargo de ministro do Esporte, após recusa do jornalista Juca Kfouri -autor da entrevista histórica. Na pasta, o "rei" criou a lei que levaria seu nome e que abriria uma enorme cisão na cartolagem.
Pelé, porém, não era o único problema. A classificação para a Copa do Mundo estava difícil. Carlos Alberto Parreira e seu time tropeçavam nas eliminatórias e, sem apresentar um futebol vistoso, não conseguiam encantar a torcida. O técnico chegou a conversar com o presidente da CBF sobre sua vontade de abandonar a seleção durante um vôo entre La Paz e Rio. O Brasil havia perdido de 2 a 0 para a Bolívia, com direito a frango do goleiro Taffarel.
Parreira disse que a pressão estava insuportável e que talvez fosse melhor para a seleção uma mudança de comando. Teixeira, transtornado, rechaçou a possibilidade. "Vamos até o fim."
A pressão a que o treinador se referia também estava ligada à ausência do atacante Romário na seleção, a exemplo do que, quase dez anos depois, iria acontecer com Luiz Felipe Scolari no comando do time nacional.
Parreira e o jogador se desentenderam em Porto Alegre, onde a seleção enfrentou amistosamente a Alemanha em 16 de dezembro de 1992. Romário foi chamado da Holanda -defendia o PSV- por Parreira e Mário Jorge Lobo Zagallo, coordenador técnico, mas amargou a reserva durante toda a partida e, em seguida, deu entrevistas disparando farpas sobre a dupla de treinadores.
Os dois, é claro, decidiram que Romário não seria mais convocado, alegando que seu comportamento atrapalharia o grupo. Mas o Brasil chegava ao último jogo das eliminatórias contra o velho algoz Uruguai, no Maracanã, com a obrigação de vencer para evitar outro fiasco histórico no mesmo palco da Copa de 1950. Teixeira, é claro, não queria entrar para a história como o dirigente que, pela primeira vez, deixaria a seleção canarinho fora de um Mundial.


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