São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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Sem pentacampeonato, com Nike, sem Copa brasileira em 2006


O Pelé tem feito tudo para prejudicar a candidatura do Brasil [a país-sede da Copa do Mundo de futebol de 2006]
RICARDO TEIXEIRA, em 2000, meses antes de o Brasil desistir da candidatura



Antes das CPIs, no entanto, em meados da década de 1990, o dirigente passou a ter problemas com a Receita Federal e com a Justiça. Chegou a ser condenado por sonegação de impostos.
Por conta do "caso Ivens Mendes", um escândalo na arbitragem que veio a público em 1997, ensaiou-se no Congresso um pedido de quebra do sigilo bancário do presidente da CBF. Mas tudo não passou de jogo de cena. A lama da arbitragem não respingou no dirigente. Apenas Ivens Mendes, que presidia a Comissão Nacional de Arbitragem, foi sacrificado, acusado de comandar um esquema de fabricação de resultados.
Se conseguia preservar sua movimentação financeira, Teixeira via sua vida privada virar nota em colunas sociais. O casamento com Lúcia Havelange chegava ao final em março de 1998. À separação do casal, seguiu-se um processo judicial movido por ela. Mais adiante, os dois chegariam a um acordo amigável. O fim do casamento e o anúncio do namoro com a socialite carioca Narcisa Tamborindeguy magoaram a família Havelange, incluindo o patriarca. Ainda em 1998, o brasileiro, que em 24 anos transformara a Fifa em uma potência, entregou o cargo ao suíço Joseph Blatter, seu candidato na sucessão.
No ano seguinte, Teixeira, na tentativa de se reaproximar de Havelange, promoveu um jantar em sua homenagem no Copacabana Palace. Políticos, empresários e socialites lotaram o Golden Room. O ex-sogro não apareceu.
As chagas abertas no coração do velho cartola ainda não estavam cicatrizadas, assim como, mesmo no início de 1999, o sentimento da torcida em relação à Copa da França era um misto de incredulidade e revolta. Poucos conseguiam entender a derrota por 3 a 0 para os donos da casa, com Ronaldo se arrastando em campo.
As inúmeras teses conspiratórias diziam que a Nike havia imposto a escalação do atacante. Horas antes da final, Ronaldo, principal estrela do time -com contrato vitalício de patrocínio com a marca-, teve uma crise nervosa e foi levado a um hospital.
Sua escalação na decisão só foi confirmada após uma discussão que dividiu o grupo de jogadores, poucos minutos antes do embate. Em campo, pesado, sem criatividade, personificou o comportamento da equipe naquele dia.
Outras teses, mais radicais, diziam, ante a dificuldade de aceitar que o time de Zagallo havia tomado um banho de bola, que o Brasil havia se vendido para a França por imposição da Fifa.
Pairava no país um sentimento de que a multinacional tinha influência sobre o destino da seleção. Em janeiro, a Folha revelou o contrato CBF/Nike. Duas cláusulas complicaram a situação de Teixeira. Uma dava à empresa o direito de escolher locais e adversários para o Brasil em 50 jogos ao longo de dez anos. Outra obrigava a escalação de pelo menos oito atletas de ponta nesses amistosos.
Era o que faltava para que o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) começasse a reunir assinaturas na tentativa de montar uma CPI na Câmara dos Deputados para investigar o acordo e, de quebra, o futebol brasileiro, carcomido pelos problemas de arbitragem, pelo calendário confuso e por viradas de mesa -como a de 1997, que evitou a queda de Fluminense e Bragantino à segunda divisão.
"Os dirigentes da CBF receberam a notícia com gargalhadas. Achavam que um deputado da oposição ao governo nunca teria força para investigar o Teixeira", conta Rebelo, que reuniu 206 assinaturas e instalou a comissão.
Mas a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, pressionada pelos deputados ligados ao futebol, decidiu que ela era irregular e não poderia funcionar. A batalha parecia perdida. Apenas parecia, pois, em 2000, o Congresso, na falta de uma, atacaria com duas comissões. Iniciava-se um período de derrotas para Teixeira, que lutava para manter firme a vertiginosa ascensão iniciada em 1994. Um passo importante nessa direção havia sido dado em fevereiro de 1998, quando o dirigente lançou a candidatura do Brasil para abrigar a Copa do Mundo de 2006, um sonho antigo de sua gestão. Na disputa já estavam África do Sul, Inglaterra e Alemanha, que acabou levando.
A campanha contrariou até Havelange, para quem o Brasil tinha de se concentrar em 2010. Além disso, faltava a ela um cabo eleitoral de peso no mundo da bola, Pelé. No desespero, ante a iminência do fracasso, o dirigente jogou pesado: "O Pelé tem feito tudo para prejudicar a candidatura do Brasil", disse em 2000, meses antes de, em uma entrevista constrangedora, anunciar a saída do pleito.
As divergências com Pelé haviam se acirrado por conta da lei que leva o nome do ex-jogador. Em 1º de julho de 1999, quando tomou posse de seu atual mandato, Teixeira atacou a medida e reiterou promessas que ele arrastava como correntes a cada posse.
O ano seguinte trazia outro desafio, as Olimpíadas de Sydney, na Austrália, e a cobiçada medalha de ouro do futebol, título que ainda falta ao Brasil. Desde a saída de Zagallo, logo após a Copa da França, o time nacional vinha sendo treinado por Wanderley Luxemburgo, campeão brasileiro pelo Corinthians.
A escolha de Luxemburgo para o cargo, em agosto de 1998, tinha sido articulada por Hawilla, homem próximo do Corinthians e do treinador. O empresário, já sabendo da saída de Zagallo, conseguiu marcar um jantar secreto entre Teixeira e o técnico em sua casa. "O Luxemburgo é um técnico moderno, que até introduziu computador no futebol", apelou.
O treinador chegou ao lado de Marcos Moura Teixeira, primo de Teixeira e preparador físico do Corinthians. O presidente da CBF se encantou com o técnico, disse que ele comandaria a seleção pelos próximos dez anos. Hawilla pediu que os dois saíssem do encontro com compromisso fechado, ao que Teixeira respondeu:
"Eu prometi dar esse furo do novo técnico para o Galvão Bueno [narrador da TV Globo"". O telefonema para o apresentador foi feito imediatamente. Na mesma noite, o "Jornal da Globo" noticiava com exclusividade o início da era Luxemburgo.
Já em 1999, o técnico foi campeão da Copa América, em julho, no Paraguai. Mas, em seguida, sem o time titular, perdeu a Copa das Confederações no México. Os dois grandes desafios, no entanto, ainda estavam por vir, a Olimpíada e as eliminatórias da Copa.
Pelas eliminatórias, o time perdeu para adversários mais fracos, como Chile e Paraguai. Empatou com o Uruguai no Maracanã. Os Jogos se aproximavam e o treinador decidiu que não levaria Romário. Apoiado por Teixeira, caiu nas quartas diante de Camarões com dois jogadores a mais. Fiasco. Não aguentou a pressão.
A crise deu o sopro que faltava para o senador Álvaro Dias, então no PSDB-PR, recolher assinaturas e instalar a CPI do Futebol. A Câmara, para não ficar atrás, decidiu tirar da fila aquela que ficou conhecida com a CPI da CBF/Nike. Para o governo, às voltas com o "caso Eduardo Jorge" -ex-secretário da Presidência, suspeito de tráfico de influência-, virar as baterias e, sobretudo, os holofotes sobre o futebol era bom negócio.
Nas duas comissões Luxemburgo era alvo. O treinador era atacado por uma ex-secretária, Renata Alves, que, entre outras coisas, o acusava de levar comissão na venda de jogadores, o que nunca foi provado. Mas a grande dor de cabeça de Luxemburgo era o Fisco.
Luxemburgo também iria ser processado por falsidade ideológica por ser "gato", assim como o jogador do São Paulo Sandro Hiroshi, que, em 1999, por ter falsificado seus documentos de identidade, provocara uma crise internacional para CBF. Pelo mesmo motivo, o uso de "gatos", o México havia sido suspenso pela Fifa do Mundial de 1990. Mas, no caso do Brasil, o presidente da entidade, Joseph Blatter, fez vista grossa.



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