São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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CPIs no Congresso, Ministério Público, apoio das federações...


Ricardo Teixeira em entrevista em que anunciou a desistência à Cpa-2006



Até agora não mostraram um centavo que saiu da CBF e entrou em conta minha
setembro de 2001

Agora eu sou somente candidato a ganhar a Copa com a seleção
janeiro de 94



Logo após a queda vexatória frente a Camarões, senadores e deputados fizeram discursos inflamados contra o caos do futebol. Luxemburgo foi demitido por Teixeira, que, de volta ao Brasil, articulava sua base de apoio no Congresso. Depois de lutar por mais de um ano, com o argumento de que a CBF não poderia ser investigada porque era uma entidade civil de direito privado sem fins lucrativos, ele deu-se por convencido de que as investigações eram um processo irreversível. A batalha, então, se daria em outro plano dali pra frente.
Na Câmara, a CPI seria presidida por Rebelo e teria como relator Sílvio Torres. Mas, entre os demais membros da comissão, estavam deputados ligados a clubes e federações, como Eurico Miranda (PPB-RJ) e Luciano Bivar (PSL-PE), presidente do Sport.
A comissão do Senado tinha Álvaro Dias na presidência e Geraldo Althoff (PFL-SC) na relatoria. Entre os demais membros, Teixeira tinha aliados, como Maguito Vilela (PMDB-GO), que promovera sonhadas alterações na Lei Pelé, como o fim da obrigatoriedade do clube-empresa.
O primeiro grande desafio para Teixeira deu-se na Câmara, onde em uma sessão tumultuada a CPI conseguiu aprovar a quebra dos sigilos bancário e fiscal do dirigente e da entidade. A medida só foi possível com o apoio de Eurico Miranda, que negociou para escapar do foco das investigações.
No Senado, entretanto, o deputado vascaíno, ao lado de Luxemburgo, terminou 2000 como principal alvo da CPI do Futebol. O depoimento do ex-técnico da seleção havia sido péssimo para ele, que não soube explicar o crescimento de seu patrimônio e as denúncias de sonegação fiscal.
Já Teixeira adotou uma estratégia arriscada. Mesmo com uma estrutura que dispunha dos melhores advogados do país, decidiu que não iria recorrer contra a quebra de seus sigilos. "Fui contra as investigações. Mas agora quero ir até o fim. Vamos abrir a caixa-preta do futebol", disse ele.
Na comissão da Câmara, a bancada de apoio à CBF, formada ao longo dos anos, tentava atravancar o trabalho da dupla Rebelo-Torres, que, apoiada por pelo menos outros cinco deputados, iniciava a devassa nas contas do dirigente e da entidade. No início de dezembro, Teixeira depôs no Senado. E saiu-se bem na sabatina, comprometida pelo pouco tempo de investigação. Naquela altura, os senadores estavam mais interessados em Eurico Miranda, que os desafiava pelos jornais.
Coincidência ou não, ao longo da CPI, os alvos do Senado moveram-se em consonância com disputas encabeçadas pela TV Globo nos bastidores do futebol. No final de 2000 e início de 2001, a emissora, maior investidora do futebol brasileiro, travava uma disputa com o presidente do Vasco em torno de dívidas contraídas pelo clube, relativas a adiantamentos de direitos de transmissão. Os senadores apontaram irregularidades que teriam sido cometidas pelo cartola, como apropriação indébita, desvio de recursos e crime eleitoral.
Enquanto o vascaíno apanhava no Senado, Ricardo Teixeira via sua situação se complicar na Câmara. Empréstimos feitos no exterior, com juros pagos antecipadamente e que chegaram a 43% ao ano, foram a principal ferida da CBF cutucada pelos deputados, que apontavam na operação indícios de crime financeiro.
De outubro de 1998 a meados de 1999, a CBF, mesmo contando com os recursos da Nike, tomou uma série de empréstimos no Delta Bank (EUA). A entidade pagou, entre juros, multas e desvalorização cambial, cerca de US$ 11 milhões. Na época dos negócios, as operações chegaram a ser alvo do Banco Central, que não viu ilegalidade. A CPI da Câmara conseguia, porém, retomar o caso e trazê-lo para o foco da mídia.
Mas o ponto alto da comissão da Câmara ocorreu no dia 10 de abril de 2001. Ricardo Teixeira foi interrogado pelos deputados por quase dez horas. E não conseguiu ser convincente no caso dos empréstimos e em outras operações financeiras da entidade. Rebelo, Torres e seus parceiros haviam conseguido uma vitória. Só que o jogo ainda não havia acabado.
No depoimento aos deputados, aproveitou para anunciar que a CBF fechara um negócio com a AmBev, fábrica brasileira de bebidas. A entidade receberá até 2018 pelos menos US$ 10 milhões por ano por um contrato de patrocínio. O acordo, mais um trunfo empresarial de Teixeira que poderia esfriar a CPI, acabou soprando as brasas, pois o economista Renato Tiraboschi, ex-sócio do dirigente, vai ganhar quase US$ 18 milhões de comissão por ter "intermediado" a transação da qual não participou, revelou a Folha. O Senado pediu ao Ministério Público que investigasse o caso.
Dentro de campo, a seleção continuava mal nas eliminatórias. Emerson Leão aceitou substituir Luxemburgo, mas, após um novo vexame do time, desta vez na Copa das Confederações, caiu.
A cada derrota da equipe canarinho, o Congresso apertava o cerco à CBF, que, acuada, decidiu ouvir a opinião pública. Após uma pesquisa encomendada a um instituto, a entidade foi atrás do gaúcho Luiz Felipe Scolari para comandar a seleção.
O treinador, então no Cruzeiro, havia conquistado títulos importantes no Grêmio e no Palmeiras e carregava a imagem de homem correto, sem qualquer ligação com os descaminhos tomados pelo futebol nos últimos anos.
Teixeira mandou emissários procurarem o técnico. Os dois ficaram de conversar. Scolari exigiu a garantia de que, se classificasse a seleção, seria mantido no cargo até a Copa. Negócio fechado, a apresentação foi marcada para 12 de junho, mesma data anunciada para o final da CPI da CBF/Nike.
Só que a votação do relatório de Torres, que pedia ao Ministério Público o indiciamento de Teixeira e outros dirigentes, acabou ficando para o dia seguinte, quando, depois de quase 12 horas de bate-boca e manobras, Rebelo, ao sentir que seu grupo iria perder a votação para a chamada "bancada da bola", deu por encerrada a comissão. "Não podia deixar o texto ser modificado. Era um compromisso com a história", disse o deputado. Sem a chancela da Câmara, no entanto, o trabalho de Torres perdeu o valor jurídico após a CBF ter recorrido ao Supremo Tribunal Federal.
O "centrão da bola", que em 1995, logo após a conquista do tetra, parecia indestrutível, estava aos pedaços. O Clube dos 13, liderado por Fábio Koff, passava ao largo das CPIs, que metralhavam as federações, e se fortalecia, articulando a criação da Liga Nacional, apoiada por Althoff e Dias.
Em agosto, a comissão do Senado, que parecia ter se esquecido de Teixeira, resolveu agir contra a CBF. No mesmo mês em que a seleção venceu o Paraguai pelas eliminatórias, a TV Globo levou ao ar um "Globo Repórter" sobre o presidente da CBF. O corpo da matéria eram as investigações da comissão, os empréstimos no exterior e as ligações do dirigente com empresas que têm sedes em paraísos fiscais. Teixeira pressionou a emissora, parceira da CBF nos negócios do futebol, para que a reportagem, pronta desde abril, não fosse ao ar. Não conseguiu.
No primeiro semestre, segundo um deputado da "bancada da bola", Teixeira viajou com um executivo da Globo até Zurique, na Suíça, onde fica a sede da Fifa. A emissora havia pago uma parcela de US$ 60 milhões à agência ISL pelos direitos de transmissão da Copa. Mas a empresa faliu, e a entidade se recusava a reconhecer o pagamento, depositado em uma conta sem controle da Fifa. O presidente da CBF foi o mediador da negociação, que terminou com o reconhecimento do pagamento.
Após a reportagem, Teixeira viveu seu pior momento na CBF, com Dias, já no PDT-PR, Althoff e o então ministro Carlos Melles (PFL) trabalhando pela sua renúncia. Era a hora de sair de cena, ao menos momentaneamente.
O dirigente aproveitou para cuidar de um problema cardíaco e se licenciou da CBF, em princípio até o início do ano seguinte. Melles, que no ano anterior articulara a reaproximação de Teixeira e Pelé, no encontro que ficou conhecido como "pacto da bola", dizia que o cartola não voltaria mais.
Do tal pacto, gestado em meio às duas CPIs, nascera o "calendário quadrienal", que atendia em cheio aos interesses da TV Globo e dos clubes. Pressionado, Teixeira assinou embaixo, na esperança de pôr fim às investigações, o que não aconteceu. Pior: havia traído a aliança das 27 federações estaduais que, 12 anos antes, o tinha conduzido ao poder. O chefão da CBF parecia sozinho.
Scolari, no entanto, cumprira o que prometera. Com uma vitória por 3 a1 sobre a Venezuela, na São Luís do ex-presidente José Sarney, o Brasil garantiu vaga na Copa-02.
Faltava ainda a votação do relatório final da CPI do Futebol, marcada para 6 de dezembro. A CBF foi a campo, tentou articular um apoio semelhante ao conquistado na Câmara. Não conseguiu. A Teixeira, senadores prometiam apoio. Na frente das câmeras, declaravam o voto com o relator.
Na véspera da votação, diante da derrota iminente, João Havelange procurou Teixeira, com lágrimas nos olhos. Aconselhou o "filho" a desistir, a deixar a CBF. O desgaste de imagem não valia a pena, argumentava o velho dirigente, alvo de processo semelhante quando deixou a CBD, em 1974.
Sentindo-se traído, Teixeira chegou mesmo a negociar com Melles a renúncia. Encontrou o ministro em Brasília, mas este não mais podia pedir a Althoff um refresco no relatório final. Decidiu então endurecer o jogo. Havia se reaproximado das federações, as únicas que poderiam promover seu impeachment do cargo. Aos cartolas, prometeu permanecer e enfrentar o Clube dos 13 e o calendário. Teve o aval da Fifa.
O relatório de Althoff foi aprovado por 12 votos a 0. Por unanimidade, a gestão do dirigente era condenada, e seu indiciamento sugerido ao Ministério Público. Os senadores, assim como o texto de Torres, concluíram que a "era Teixeira" tinha sido desastrosa.
Passado o vendaval, em janeiro deste ano, Ricardo Terra Teixeira retornou à CBF, durante uma Assembléia Geral, novamente amparado por Eduardo Viana, o Caixa D'água, como naquele outro janeiro, em 1989.
A Justiça Federal abriu processo contra ele no caso dos empréstimos. A seleção estréia dia 3 na Copa do Mundo. O Campeonato Brasileiro deste ano ainda não tem tabela. O presidente da CBF prometeu que sai no final de 2003. Ricardo Teixeira aguarda agora o julgamento da história.



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