São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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OPINIÃO EDUCAÇÃO

Não há ligação direta entre o bilinguismo e a inteligência

Ensino pode levar a vantagens ligadas ao desenvolvimento da inteligência, mas isso não significa que vá "aumentá-la"


FALAR LÍNGUAS É IMPORTANTE. MAS A GLOBALIZAÇÃO TAMBÉM PEDE QUE EDUQUEMOS AS CRIANÇAS PARA QUE CONFIEM EM SI MESMAS

ELIZABETE FLORY
ESPECIAL PARA A FOLHA

Inicialmente, deixemos claro: não é possível falar em consequências do bilinguismo sobre a inteligência.
Há vários tipos de bilinguismo e diferentes conceitos de inteligência.
O desenvolvimento da criança pode ser influenciado por vários fatores que ocorrem ao mesmo tempo em que ela se torna bilíngue, como experiência de emigração e contexto sociocultural.
Pesquisas (Katchan, 1986; Baker e Prys-Jones, 1998; Diaz e Klinger, 2000) apontam para a possibilidade de antecipações no desenvolvimento de alguns aspectos da inteligência em crianças bilíngues. Porém, isso nem sempre acontece.
Ellen Bialystok (York University, Canadá) chegou a uma conclusão bastante consistente com base em pesquisas internacionais. Ela estudou diferentes tipos de bilinguismo em contextos variados, por meio de diversas medidas de inteligência, e concluiu que o bilinguismo infantil intensifica o desenvolvimento da habilidade de inibir respostas automáticas (Bialystok, 2006).
Isso estaria ligado ao fato de que, ao usar uma das duas línguas que domina, a criança bilíngue inibe a outra língua em nível cerebral, com o objetivo de, efetivamente, falar somente uma delas naquele momento. Esses resultados relacionam-se a uma maior flexibilidade de raciocínio, elaborando soluções criativas e novos usos para objetos conhecidos.
Mas, atenção: o bilinguismo pode levar a essas vantagens, relacionadas a aspectos do desenvolvimento da inteligência, mas isso não significa que vá "aumentá-la". Além disso, muitas crianças que vivem em contextos socioculturais em que a língua materna é desvalorizada (como o de imigrantes discriminados no país em que vivem) não apresentaram esses resultados.
Pelo contrário, puderam ser constatadas dificuldades emocionais, sociais e de aprendizagem (Hamers e Blanc, 2003; Berry et al, 2006). Fica clara a relevância do uso e da valorização da língua materna e de suas manifestações artísticas, culturais e literárias em contextos de vida bilíngues.
Falar línguas num mundo globalizado é importante.
Mas a globalização também pede que eduquemos as crianças para que confiem em si mesmas, com boa autoestima, que saibam pensar de forma crítica e se relacionar respeitando a si mesmas e aos outros.
As pesquisas referem-se a generalizações e possibilidades do ser humano. Ao educarmos uma criança, falamos de um indivíduo único, com características particulares, tipo de personalidade, aptidões, dificuldades, interesses, estilos de aprendizagem, afetos, valores, história e contexto de vida.
É essencial considerar cada criança em sua individualidade e acompanhar seu percurso, para que possamos oferecer a ela as melhores condições possíveis para seu desenvolvimento.


ELIZABETE FLORY é doutora em psicologia escolar pela USP.


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